Haja fila: há dez anos, vacina contra meningite C levou multidão aos postos de Salvador

Mais de 100 mil crianças e adolescentes não conseguiram se vacinar nos dois dias reservados para a campanha

Publicado em 24 de janeiro de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

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Fila para vacinar crianças e adolescentes de 10 a 14 anos no 5º Centro de Saúde Clementino Fraga, na Avenida Centenário, em 31 de maio de 2020 (Foto: Antônio Queirós/Arquivo CORREIO) Faz pouco mais de dez anos que esta foto foi feita em Salvador pelo fotógrafo Antônio Queirós. Era 31 de maio de 2010 e o ‘objeto de desejo’ da vez era uma vacina, a meningocócica C. Àquela altura, Salvador tinha 73 casos de meningite C registrados, com 23 mortes. As filas imensas em diversos postos de vacinação da cidade - veja as do 5º Centro Clementino Fraga, na Centenário, e de São Rafael - mostram o último dia para vacinar crianças e adolescentes de 10 a 14 anos.

A meta da Secretaria Municipal de Saúde era aplicar 241 mil doses, em apenas dois dias - um domingo e uma segunda-feira -, só em pessoas dessa faixa etária, o que, como era de se imaginar, não aconteceu.Mesmo com 50 postos abertos na capital, só 135 mil foram vacinados e mais de 100 mil ficaram de fora. Quem esperou por horas na fila, é claro, reclamou:"É um absurdo colocar dois dias só de vacina. Isso foi pouco divulgado", contou na época ao CORREIO a cabeleireira Flávia de Oliveira, 32 anos, que foi para a fila para tentar vacinar a filha de 12 anos, mas saiu de lá sem conseguir.Dez anos depois dessa cena, chega a ser estranho ver a quantidade de comentários negacionistas com tanta veemência em relação à vacina para a covid-19. O Brasil tem um Programa Nacional de Imunizações que é referência internacional. E, convenhamos, campanhas de vacinação costumam levar muita gente a se vacinar, mesmo que boa parte  da população seja um tanto descuidada com sua carteira de vacinação. No mesmo dia 31 de maio de 2010, longas filas também em São Rafael: 100 mil ficaram de fora (Foto: Antônio Queirós/Arquivo CORREIO) Mas não foi sempre assim. A Bahia foi palco de uma série de epidemias, como febre amarela, varíola e peste bubônica, mas a vacina nem sempre foi utilizada. No país, a vacina contra a varíola - a primeira a ser desenvolvida no mundo, em 1796 - era obrigatória para crianças desde 1837 e para adultos desde 1846, mas isso não era cumprido.

Em 1904, houve a famosa Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, tudo depois que Oswaldo Cruz propôs ao governo que enviasse ao Congresso um projeto que restaurasse a obrigatoriedade da vacina contra varíola. O projeto acabou aprovado em outubro daquele ano, aumentando ainda mais a confusão, já que as pessoas não queriam ser vacinadas compulsoriamente em suas casas."Em meados de 1904, chegava a 1.800 o número de internações devido à varíola no Hospital São Sebastião. Mesmo assim, as camadas populares rejeitavam a vacina, que consistia no líquido de pústulas de vacas doentes. Afinal, era esquisita a idéia de ser inoculado com esse líquido. E ainda corria o boato de que quem se vacinava ficava com feições bovinas", diz um trecho do texto publicado sobre o episódio pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).Na Bahia, o governo disponiblizava a vacina para que o "povo" se vacinasse voluntariamente, explica o historiador Esdras Santos Oliveira em artigo que mostra como a doença foi usada politicamente no estado e como a vacina ficou no meio dessa discussão. A imprensa que apoiava o governo culpava o povo pela varíola, afirmando que o governo fazia sua parte ao disponibilizar a vacina, enquanto os jornais de oposição criticavam o fato de que o governo não isolava os doentes nem ia vacinar os que ainda estavam de pé, questionando de que valia, nesse caso, a vacinação nos postos.

Outros episódios marcam a história das vacinas no Brasil. Em 1880, por exemplo, o imperador Dom Pedro II enviou uma carta ao cientista francês Louis Pasteur convidando-o a vir ao Brasil para estudar o preparo de uma vacina contra a febre amarela. Este já era um desejo de Pasteur, mas ele respondeu não ser jovem o bastante para fazer a viagem:"Se eu fôsse mais môço, mais válido, iria, Senhor, pedir hospitalidade ao vosso país, por um ou dois anos e tentaria o estudo científico dessa terrível moléstia, com a pesquisa do micróbio, se algum houver, o que é bem possível", respondeu Pasteur. A resposta consta em 'História da Febre Amarela no Brasil', do Dr. Odair Franco.Mesmo assim, Dom Pedro II insistiu, em outra carta, pedindo que, mesmo sem vir ao Brasil, Pasteur enviasse a vacina ao país. A produção de vacinas de febre amarela no Brasil foi estabelecida 57 anos depois, em 1937.