História resgatada do lixo: geólogo banca garimpo de fotos antigas feito por catadores

Rubens Antonio, 60, reúne acervo com centenas de imagens adquiridas ao longo de 8 anos junto a recicladores no Corredor da Vitória; veja se reconhece alguém

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  • Da Redação

Publicado em 9 de agosto de 2020 às 06:03

- Atualizado há um ano

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Foto: Acervo Rubens Antonio Na 5ª série, todo mundo sabe, ou logo descobre, qual a cor do cavalo branco de Napoleão, ou até mesmo a posição em que ele perdeu a guerra, embora quem seja o dito cujo ninguém tenha vaga noção. Pra mim, é um exemplo claro de como a grande história, ou os grandes feitos de alguma personalidade, podem ser, à primeira vista, menos interessantes que a sua vida privada, seus dramas comuns a qualquer ser humano idem.

Agora, trazendo para a nossa realidade: e a vida cotidiana dos cidadãos comuns (incluindo os engenheiros civis formados), também podem ajudar a contar a Grande História? Para o geólogo Rubens Antonio, 60 anos, também licenciado e bacharel em História pela Ufba, a resposta é um sonoro sim. Rubens Antonio, 60, fez acordo com recicladores e há 8 anos compra na mão deles material antigo achado no lixo (Foto: Acervo pessoal) Há oito anos, o funcionário do Museu Geológico, ex-acadêmico de Artes Plásticas, viu pintar em seu caminho uma forma de recuperar parte da História da Bahia através de fotos encontradas no lixo. Desde então, vem reunindo um acervo com centenas de imagens compradas na mão de catadores e recicladores, as quais, após higienizadas, deixam de ser lixo e viram preciosidades. Artigos de luxo, diga-se de passagem, distribuídos de graça, nos últimos meses, num grupo de Facebook que ele mesmo criou: 'Bahia... Terra do Já Teve', que tem 17 mil membros, quase todos  bastante participativos.

“Trabalhando no Museu Geológico, eu sempre fiz a trajetória ali em torno do Corredor da Vitória e, certa feita, eu passando, vi no lixo umas fotos antigas em preto e branco. E eu não tive dúvida: meti a mão na lixeira, catei, trouxe para o apartamento, higienizei, fiquei olhando e pensei ‘poxa, são tão belas, e tem tanta coisa aí’”, refletiu o geólogo, ao vislumbrar o potencial produtivo daquela terra à vista, que já explora há quase uma década. Postal da Praça Castro Alves do início do século passado (Foto: Acervo Rubens Antonio)  Parceria com catadores Para tal intento, buscou ajuda no front. “Atentei que esses recicladores, geralmente pessoas que vivem na rua, têm lidado com esse material [fotos descartadas]. Só que para eles não era fonte de renda. Eles pegam garrafas, metais etc, mas as fotos são papel que eles geralmente não usam. Decidi sinalizar para eles: 'peguem livros antigos e fotografias antigas, preta e branca', e comecei a conversar com um e com outro. Pra eles virou uma fonte de renda: naquelas lixeiras, no reciclável, era mais um produto, e pra mim foi maravilhoso”, explica Rubens, que garante bônus quando o achado tem valor simbólico extra.

“Quando eu to folheando, se eu percebo que tem fotos que são especiais, até de cunho histórico, como de ex-governadores, por exemplo, eu os procuro e complemento o valor. Então, tem que ter um jogo de honestidade, de confiança entre eles e eu”, comenta o geólogo, citando como exemplo uma imagem do ex-governador Roberto Santos (ver abaixo) visitando a micro-região de algum lugar que não dá pra ler. Ex-governador Roberto Santos em visita ao interior do estado (Foto: Acervo Rubens Antonio) O período que as fotos foram feitas abrange de 1890 a 1970, algumas acompanhando a vida inteira do cidadão. “Muitas mostram a evolução da pessoa desde bebê até aqueles cartões indicando falecimento. Você passa por comunhão, crisma, casamento, a vida em família, os filhos, os netos, e tudo isso jogado fora. A gente vê a trajetória de uma pessoa e o reflexo do entorno, as suas manifestações culturais, então são muito importantes”, relata, antes de dar uma ideia aos governantes pela preservação desse tipo de  memória.

“Falta a cidade, o estado, dispor de um museu nos moldes do Museu da Pessoa, Museu da Família, Museu do Humano, para o qual se direcione esse material. Porque muitos dos herdeiros dos acervos não querem, jogam fora. Ou seja, vamos tornar isso atraente para eles também? Eles pegarem um material e ao invés de jogarem fora, ter algum lucro, e isso passar ao museu... É uma coisa para o Estado pensar”. Foto: Acervo Rubens Antonio Micro-história A defesa desse pensamento é explicada pelas pessoas que Rubens sempre teve como inspiração em uma de suas funções. “Há uma linhagem de historiadores que passa por Will Durant e chega em pessoas como Consuelo Pondé de Sena, Luís Henrique Dias Tavares, Cid Teixeira... Somos historiadores que trabalhamos com os grandes e médios eventos, os fatos, fenômenos, e a história da vida privada. A gente não distancia o humano dos grandes eventos. É um fluxo no qual tudo é parte”, delimita.

Entre as várias micro-histórias resgatadas e jogadas na rede, três já tiveram a origem identificada pelas próprias pessoas ou familiares (que gostaram da repercussão entre os participantes do ‘Bahia… Terra do Já Teve’), mas isso fica para outro Baianidades! Por ora, compartilho com vocês mais fotos do acervo de Rubens Antonio, todas sem origem identificada, a fim de encontrar familiares dispostos a contar as histórias por trás delas, combinado? Foto: Acervo Rubens Antonio Foto: Acervo Rubens Antonio Foto: Acervo Rubens Antonio Foto: Acervo Rubens Antonio Foto: Acervo Rubens Antonio Foto: Acervo Rubens Antonio Foto: Acervo Rubens Antonio Foto: Acervo Rubens Antonio Foto: Acervo Rubens Antonio Foto: Acervo Rubens Antonio