Ícone da música baiana, compositor Paulinho Camafeu morre aos 73 anos

Músico esteve internado na UTI do Hospital do Subúrbio após sofrer um infarto

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  • Da Redação

Publicado em 29 de novembro de 2021 às 21:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

O compositor Paulinho Camafeu, de 73 anos, faleceu na noite desta segunda-feira (29). Ele esteve em coma induzido na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital do Subúrbio por cinco dias após sofrer um infarto. 

Mais cedo, ainda nesta segunda, o músico sofreu uma nova parada cardíaca que agravou seu quadro de saúde, chegando a precisar de doações de sangue. Contudo, ele não resistiu . "Ele estava sofrendo muito, era muita coisa. Ele já tinha escapado há 6 anos, quando ficou em coma e voltou. E agora encontrou o descanso eterno", comenta Geraldo Badá, amigo próximo do artista.

Camafeu foi transferido para a unidade hospitalar após passar cinco dias em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no bairro Pau Miúdo. Diabético, o compositor passou a apresentar complicações cardíacas há cerca de 10 dias. 

Camafeu já estava com um estado de saúde debilitado. Em consequência do diabetes, ele já havia tido um pé amputado. De acordo com Badá, o corpo do músico deverá ser sepultando em cerimônia realizada na tarde de hoje (30), no Cemitério Campo Santo, onde se encontram os restos mortais deseu pai.

Precussor

Paulinho Camafeu é um dos compositores mais importantes da música baiana das últimas décadas - que desaguou na axé music. Batizado de Paulo Vitor Bacelar, ele foi criado sob as influências do padrinho Camafeu de Oxóssi - outro personagem marcante da Velha Bahia - e herdou dele o sobrenome artístico.   

Em entrevista ao CORREIO em 2015, nos trinta anos da Axé, Gilberto Gil assim o definiu: “Paulinho conviveu com grandes cantores e compositores. Cresceu nesse ambiente, muito articulado nos bairros periféricos, absorvendo as culturas desses lugares, onde tinha tudo isso que a gente chama de cultura negra da Bahia. Foi um dos primeiros a manifestar o gosto pela divulgação dessa cultura, um grande músico, um grande pandeirista”. 

Este foi o ambiente inspirador para a canção Mundo Negro (Que Bloco é Esse?), que marcou o primeiro desfile do Ilê Aiyê, em 1975, e se tornou um clássico de várias gerações. Na tradução do impacto que o Movimento Black Power tive em nossas terras, Camafeu deu voz aos anseios de muitos jovens negros como ele.

Gravada por Gilberto Gil e depois pelo Rappa, Criolo e outros artistas, o hino segue forte e revigorado a cada Carnaval. Paulinho também foi o autor de outro sucesso instantâneo, o Fricote, parceria com Luiz Caldas que gerou o turbilhão chamado axé. “Minha parceria com Luiz Caldas é transcendental”, definiu Paulinho.

Antes de Fricote, ele já havia lançado Deboche, outro sucesso, gravado por Sarajane. Com Carlinhos Brown, fez Vale. E também teve canções nos repertórios de  Pepeu Gomes, Paulinho Boca, Timbalada, Fafá de Belém, Sergio Mendes e Cheiro de Amor. Com Chocolate da Bahia e Bell Marques compôs a famosa Menina do Cateretê. Outra parceria com Bell e Wadinho Marques é Meu Cabelo Duro é Assim.

Apesar das muitas canções de sucesso, Paulinho Camafeu não teve o reconhecimento que merecia e passou por momentos difíceis nos últimos anos - com muitas dificuldades financeiras, agravadas pelos problemas de saúde. Em mais de uma ocasião os amigos se juntaram para ajudá-lo, realizando shows onde suas composições tinham lugar de destaque, claro.

‘Ele inaugurou uma nova era na cidade’ Ele era um menino que assistia Camafeu de Oxóssi no Mercado Modelo. Sua graça, sua inteligência, sua vivacidade fizeram dele uma figura única na Cidade do Salvador. Era um baiano autêntico e tinha se tornado o que se chamava de uma figura folclórica. De perto, sempre um encanto para o interlocutor, um estímulo à vida mental. Compondo ‘Que bloco é esse?’, canção que logo foi gravada por Gilberto Gil, Paulinho não apenas deu voz à reação espontânea - de surpresa, encantamento, curiosidade - que provocou nos soteropolitanos a aparição do Ilê Aiyê: ele inaugurou uma era nova na cidade. A autoimagem de Salvador mudou com o surgimento do Ilê - e a canção de Paulinho foi o poema-notícia desse acontecimento. É uma canção duplamente histórica: é a História contada no calor da hora e é ela mesma inesquecível. Artistas como O Rappa, Criolo, anos depois de Gil, retomaram seus versos e notas. É um marco que anunciou um marco. Salvador afirmando-se negra e temperando melhor o Brasil.

Caetano Veloso, em texto publicado no CORREIO em fevereiro de 2015