Idosa completa 98 anos no dia de Iemanjá e 'ganha' vacina de presente

Depois de ser vacinada, Lindaura foi cumprir a tradição de reverenciar a Rainha do Mar na praia de Pituaçu

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  • Da Redação

Publicado em 2 de fevereiro de 2021 às 18:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Nara Gentil/CORREIO

O percurso do carro até o mar não foi fácil, mas cada metro foi percorrido até que a distância permitisse que as ondas do oceano tocassem os pés de Lindaura Maria dos Santos, conhecida como Dona Branca. Não há dúvidas que o esforço valeu a pena, afinal, reverenciar Iemanjá é uma tradição mantida há mais de 6 décadas pela idosa que fez 98 anos nesta terça-feira (2) e divide a data com a Rainha do Mar. Todo dia 2 de fevereiro é especial para Lindaura e sua família, mas esse foi ainda mais marcante por também ter sido a data em que a aniversariante do dia tomou a primeira dose da vacina contra o coronavírus. 

Enquanto ainda esperava na fila do drive-thru da vacinação no 5º Centro de Saúde Clementino Fraga, nos Barris, por integrar o grupo de idosos com mais de 90 anos, que são vacinados neste momento, Lindaura contou que tomar a vacina foi o melhor presente que ela poderia receber. “Foi um presente maravilhoso que Deus me deu”, disse pouco antes de receber a dose da CoronaVac, por volta das 9h40 desta terça.

Toda família se emocionou com o simbolismo da data. Uma das filhas que a acompanharam no carro no drive-thru, Jovelina Alcântara, 65, disse que só tem a agradecer pelo presente recebido pela mãe em forma de imunizante. “A gente não via a hora dessa vacina chegar porque isso significa mais tempo da minha mãe com a gente”, comentou.

A feição de Dona Branca não escondeu que a agulhada doeu, mas ela ressaltou que é necessário tomar vacina, além de usar máscara. A pandemia e os meses de isolamento social entristeceram Lindaura. “Eu fiquei triste por não entender o que estava acontecendo, mas já estou melhor”, garantiu a devota de Iemanjá. Na família, apenas uma neta pegou coronavírus, mas não desenvolveu os sintomas graves da doença. Lindaura recebeu a vacina e já foi colocar as flores no mar para Iemanjá (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Sem esconder a empolgação pela celebração da data, todos os familiares presentes usavam camisetas com fotos com Lindaura, o apelido da matriarca, a idade completada nesta terça e a data deste dia tão marcante. Durante a vacinação, a idosa foi acompanhada por três filhas no carro. 

A família é extensa, são 11 filhos - um deles já faleceu, 20 netos, 24 bisnetos e uma tataraneta, além de noras e genros. Destes, nove foram até a praia de Pituaçu para acompanhar a entrega das flores e de alfazema para Iemanjá. Todos usavam máscara.

Os festejos do ano passado reuniram muito mais gente em um restaurante da orla para um almoço, mas a comemoração de 2021 teve que ser restrita. “Para evitar aglomeração, reduzimos ao máximo o número de pessoas. Alguns nem estariam aqui, mas resolveram vir”, contou Lindaura Filha, que possui o mesmo nome que a mãe.

A ida para a praia de Pituaçu aconteceu logo depois da vacinação - por volta de 10h20, a família já estava na orla do bairro se preparando para depositar a oferenda. Uma primeira tentativa de chegar até o mar teve que ser abortada pela dificuldade de acesso à areia. Em um ponto da orla um pouco mais para a frente, a idosa chegou ao local desejado depois de contar com a ajuda das filhas e de vendedores ambulantes que a carregaram em uma cadeira durante um trecho do beira-mar. Lindaura colocou várias rosas brancas no mar para reverenciar Iemanjá (Foto: Nara Gentil/CORREIO) No rasinho do mar e com água molhando seus pés com o vai e vem das ondas, Dona Branca jogou diversas rosas brancas no oceano em saudação à Orixá homenageada no dia 2 de fevereiro. A oferenda sempre é entregue na região de Pituaçu porque um dos filhos é salva-vidas e atua pela localidade, mas ele não pôde estar na comemoração deste ano.

“Eu coloco um presente no mar todo o ano pela fé que eu tenho em Deus e em Iemanjá. No futuro, quero sempre continuar entregando flores para Iemanjá”, disse Lindaura.

Desde que se entende por gente, Jovelina sabe que a mãe gosta de celebrar o aniversário com uma saudação para Iemanjá e uma missa. “Isso é coisa dela desde jovem, pela data de aniversário e por ter nascido em volta do mar, na Ilha de Itaparica, existe um respeito ao mar. Botar as flores é uma forma de receber proteção para ela”, explica a filha. 

Neste ano, a família vai tentar acompanhar a missa das 18h no Santuário Arquidiocesano Nossa Senhora da Conceição Aparecida, no Imbuí. Entretanto, o grupo só vai ficar no local se não existir aglomeração por lá. “Se [a igreja] estiver cheia, vamos só pedir para celebrar [a missa] em homenagem a ela”, contou Rose Alcântara, 52, a filha caçula da aniversariante.

Apesar da matriarca nunca querer fazer uma festa de aniversário, as filhas sempre dão um jeito de estender a comemoração para além da missa e do presente à Iemanjá. Nesta terça, os presentes na praia almoçaram juntos em um restaurante.

“Ela fica emocionada e feliz por ter os filhos ao seu lado nessa data comemorativa”, contou a filha Gelva Santos, 71. Geralmente, os descendentes sempre a acompanham na hora de colocar o presente para Iemanjá, mas o número de pessoas foi maior neste ano se comparado com 2020.

Devido a idade avançada da mãe, os papéis se inverteram e, agora, os filhos cuidam de Lindaura. Jovelina contou que a matriarca nasceu na Ilha de Itaparica e sempre trabalhou em casa, primeiro ajudando a mãe com a costura e, depois, cuidando dos 11 rebentos - 6 homens e cinco mulheres.

“Ela conseguiu criar todos e também criou um neto como filho. Depois, viemos para Salvador”, relembrou Jovelina. Durante a pandemia, Dona Branca passou alguns meses na ilha com a filha.

Lindaura já está ansiosa para o aniversário do ano que vem, quando espera que o fim da pandemia permita reunir toda a família. Daqui a dois anos, a festa vai ser ainda mais grandiosa. “O aniversário de 100 anos será na Arena Fonte Nova”, brincam as filhas.

*Com a orientação sa subchefe de reportagem Monique Lobo