Incentivo ao esporte em outros países serve de inspiração para o Brasil

Para tentar driblar críticas de atletas, Ministério do Esporte elabora proposta para beneficiar o esporte universitário

  • Foto do(a) author(a) Fernanda Varela
  • Fernanda Varela

Publicado em 6 de junho de 2014 às 14:06

- Atualizado há um ano

Conciliar a vida de atleta e estudante não é uma tarefa fácil. Quando o cenário em questão é o Brasil, esse sonho se torna ainda mais difícil. A falta de incentivo e de políticas públicas esportivas faz com que alguns atletas brasileiros deixem o seu país de origem e busquem novas oportunidades.Referência mundial para os atletas que não abrem mão da vida estudantil, os Estados Unidos adotam uma política integrada entre universidades e esportes. Muitas instituições no país oferecem bolsas de até 100% para alunos que se dedicam a praticar alguma modalidade esportiva, independente da intenção de seguir a carreira profissional ou não. Além disso, os EUA são tidos também como referência de estrutura para a prática de esportes, o que facilita a vida dos que têm esse tipo de interesse em seguir a carreira na área do desporto.Para o coordenador de divisões de base da Seleção Brasileira, Alexandre Gallo, o modelo adotado pelos EUA é um dos mais eficazes do mundo. “Os Estados Unidos têm uma estrutura muita boa, são referência nessa questão de incentivo porque fazem um trabalho bem específico. Os atletas treinam juntos, estudam juntos, jogam juntos durante o ano inteiro. No Brasil isso se torna impossível, porque os atletas não pertencem à Seleção Brasileira, nem às faculdades, e sim aos clubes. Ficamos de mãos atadas, porque convivemos com os meninos muito pouco tempo”, explica ele, que também é técnico da Seleção Brasileira sub-20.Coordenador das divisões de base da Seleção Brasileira, Gallo faz comparativo entre modelo brasileiro e outros países (Foto: Rafael Ribeira/Divulgação/CBF)"É importante lembrar também que além da estrutura fantástica que é oferecida, os EUA preparam o aluno para ser um profissional completo. Os jogadores dos times e das seleções, não só de futebol, mas de outros esportes, são todos recrutados das universidades. É diferente do Brasil, onde os jogadores são recrutados dos times", completa Gallo.Um dos exemplos de atleta que precisou deixar o Brasil para seguir o sonho de conciliar as duas atividades é o cearense Thiago Freire, 22 anos. Formado em gerenciamento esportivo pela universidade Humber College, em Toronto, no Canadá, o jovem se mudou para a cidade em 2007, quando tinha 16 anos. Cercado de incentivos na área esportiva, ele conseguiu concluir a faculdade sem deixar de lado sua maior paixão: jogar futebol.Confira todas as reportagens da série sobre Educação e EsportesPara Thiago, o Brasil ainda não está preparado para oferecer um modelo qualificado de integração entre a educação e o esporte. “Os esportes e a faculdade em Toronto são praticamente uma entidade só. É um mundo completamente diferente do que existe no Brasil, porque aqui a faculdade incentiva o atleta a participar das equipes esportivas. Nunca vi isso no Brasil”, explica.Thiago Freire deixou o Brasil para se dedicar ao estudo e ao esporte no Canadá (Foto: Arquivo Pessoal) “Na América do Norte, de forma geral, é necessário ser aluno para participar dos times e, além disso, é necessário manter uma média de nota na sala de aula para poder jogar. A gente precisa aprender a conciliar a vida de estudante e atleta para participar das competições. Recebemos muito apoio e temos uma rotina bem adaptada, porque o técnico sabe que o atleta é aluno e o professor sabe que o aluno é atleta. Acontece esse balanço, é tudo muito equilibrado”, completa ele, que também atuou como técnico da seleção juvenil da Humber College.Thiago se formou e deixou o clube da sua universidade, mas pretende continuar atuando na área esportiva (Foto: Arquivo Pessoal)Modelo europeu exige que aluno tenha carreira fora das quadrasDiferente do potencial dos seus atletas, o Brasil ainda se mostra muito abaixo do esperado no quesito políticas públicas de incentivo ao esporte. Atletas que optam por seguir uma carreira em esportes olímpicos encontram ainda mais dificuldades. É o caso do campeão mundial de vôlei Roberto Purificação, 34 anos.Com 20 anos de carreira, o soteropolitano se viu obrigado a deixar a cidade de Salvador para se dedicar à carreira na Europa. “Busquei oportunidades que não tive aqui. Joguei na Eslovênia e em Portugal. A política de incentivo destes países é completamente diferente do Brasil. O modelo europeu é preparatório. Todos os atletas são formados e têm uma carreira dentro do esporte e da faculdade. Tudo caminha junto. Eles não são apenas atletas, mas têm uma profissão destinada”, analisa. “Em Portugal, por exemplo, quando o aluno chega ao segundo grau, ele já é direcionado a estudar o curso que quer. No Brasil, o atleta só tem o esporte como profissão, não consegue estudar, seguir uma carreira fora da quadra”, completa o atleta, que é ídolo na equipe do Benfica, de Portugal.Ciente das dificuldades enfrentadas pelos atletas brasileiros, Roberto chegou a voltar para o Brasil, onde mora atualmente, mas já tem planos de deixar o país novamente. Prestes a assinar contrato com um clube europeu, ele também tem planos fora do esporte. “O atleta que opta por ficar no Brasil não pode viver só do esporte. A carreira de qualquer desportista é curta e pode acabar em um simples treino. É complicado encerrar a carreira e ter de começar a estudar e planejar um futuro aos 37, 38 anos”, analisa o jogador, que abriu uma empresa de distribuição no Sul do país, com filial em Salvador.Falta de incentivo faz Brasil perder talentosA falta de incentivo ao esporte no Brasil está presente no discurso de muitos atletas que vivem no país. O campeão de vôlei de praia dos Jogos Sul-Americanos de 2011 Moisés Santos, conhecido como Moca, está prestes a trocar a camisa do Brasil pelas cores do Azerbaijão. “Vou me mudar para o leste europeu e viver pelo menos de abril a outubro lá no Azerbaijão. Estou resolvendo a questão da minha naturalização para poder jogar pelo país no Circuito Mundial. Ainda não é uma coisa oficial, mas está tudo bem encaminhado. Eu não moro mais na Bahia há três anos, muito em função disso. A política de esportes na Bahia é ridícula. Infelizmente, fui obrigado a deixar minha cidade e minha família para me manter no esporte de alto nível”, queixa-se. Moisés (à esquerda) e Lucas (à direita) jogaram juntos durante a adolescência. Um seguiu o caminho do esporte, o outro optou pelo Direito (Foto: Arquivo pessoal)Ex-companheiro de Moca no vôlei de praia, o servidor do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia Lucas Guerra lamenta a falta de políticas públicas no Brasil, motivo que levou o amigo a deixar o país. “Quando Moisés deixou Salvador, ele era quinto no ranking nacional e não recebia nenhum apoio. Isso é absurdo. Nas Olimpíadas de 2016, ele pode jogar no Brasil, mas defendendo outro país. Isso tudo porque aqui não tem o mínimo de política pública voltada para o esporte. Os atletas aqui são totalmente órfãos de Estado”, diz ele, que teve de abandonar a carreira esportiva para se dedicar aos estudos.Ministério do Esporte brasileiro garante que investe nas universidadesProcurado pelo Correio24Horas, o diretor de Esporte de Base e de Alto Rendimento do Ministério do Esporte, André Arantes, informou que existem projetos em vigor que incentivam o esporte universitário. De acordo com ele, o governo federal brasileiro é regido pela Lei Pelé e cumpre tudo o que é previsto pela legislação.

A lei exige que pelo menos 5% dos recursos arrecadados correspondentes ao Comitê Olímpico Brasileiro, ao Comitê Paraolímpico Brasileiro e à Confederação Brasileira de Clubes, sejam destinados ao desporto universitário, em programação definida em conjunto com a Confederação Brasileira do Desporto Universitário (CBDU).André Arantes (Foto: ABR)Além disso, a lei prevê que a definição de normas especificas para acompanhar o rendimento e a frequência dos estudantes que também atuam como atletas é de responsabilidade exclusivamente das instituições de ensino superior. De acordo com Arantes, todas as universidades e faculdades devem seguir a lei, que prevê que todos os alunos “integrem representação esportiva nacional de forma a harmonizar a atividade desportiva com os interesses relacionados ao aproveitamento e a promoção escolar".Embora siga o que é exigido pela legislação e conte com a responsabilidade das instituições de ensino, o Ministério do Esporte já elaborou uma proposta para beneficiar o esporte universitário. “Além dos recursos destinados a apoiar os eventos esportivos e a sustentação legal para um regime diferenciado no tratamento de questões relacionadas à verificação do rendimento e controle de frequência, o governo brasileiro trabalha na elaboração de uma proposta que garanta apoio à dupla jornada do atleta estudante universitário”, garante André Arantes.Ciente de que o Brasil ainda não é considerado um modelo internacional no incentivo de política pública ao esporte, o diretor revelou que o Ministério dos Esporte busca inspiração em outros países para implantar um modelo mais eficaz e que se enquadre na realidade brasileira. “Em novembro 2013, o Ministério do Esporte, em parceria com a CBDU e com a Universidade de Brasília, realizou o seminário internacional "Dupla Jornada do Atleta na Universidade: alto rendimento e formação profissional". O evento contou com a participação de especialistas no esporte universitário do Reino Unido, da Suécia e da Áustria. O objetivo era conhecer o modelo europeu - que equilibra o apoio à carreira esportiva e à vida acadêmica - para dar subsídios à proposta brasileira com a mesma orientação”, conta.De acordo com Arantes, para colocar o projeto em prática, um grupo de trabalho será convocado para extrair informações da palestra ministrada em 2013 e, em seguida, elaborar uma proposta de ação que será avaliada pelos Ministérios do Esporte e Educação. “Entre as ações em discussão estão o diagnóstico e mapeamento do esporte universitário brasileiro, o apoio às associações esportivas universitárias e a destinação de recursos às universidades para que apoiem o esporte universitário”, explica.