Indígenas precisam caminhar um quilômetro para lavar as mãos durante a pandemia

Tupinambás da Aldeia Tukum estão sem acesso ao mínimo para combater o coronavírus; ocas também ameaçam desabar

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  • Fernanda Santana

Publicado em 25 de julho de 2020 às 05:23

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Acervo/Aldeia Tukum

Em cada oca, vivem até 12 pessoas. Elas são os tupinambás da aldeia Tukum, encravada no verde de um ponto próximo ao litoral sul de Ilhéus. Se precisam lavar as mãos, medida de higiene indispensável, principalmente numa pandemia, homens e mulheres se põem na mata em busca de nascentes e rios onde possam encher seus baldes e trazê-los de volta cheios. Os indígenas Tukum andam, no mínimo, um quilômetros por dia para a ter acesso a água. O sistema hídrico perfurado no local para atender as famílias não funciona e eles clamam por ajuda. 

A aldeia Tukum, onde não há registro de covid-19, está, hoje, numa encruzilhada. Nas 22 comunidades vizinhas, circula a notícia de 39 pessoas infectadas e um óbito. Oficialmente, já são 90 casos registrados e 2 mortes entre indígenas, estimados em 60 mil, de 26 etnias diferentes, na Bahia. No Brasil, são 13.096 casos e 247 óbitos.“A água é algo sagrado para nós e agora, mais do que nunca, indispensável. A gente precisa dela, é uma demanda humana, não podemos ficar sem, dependendo de uns poucos baldes que conseguimos encher”, diz cacique Ramon Tupinambá, por telefone. O sistema de água, como o cacique contou à reportagem, foi construído em 2014, pela Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (Cerb). No início, funcionou corretamente, atendeu à demanda dos indígenas. Depois, a troca de uma bomba começou a afetar o abastecimento. Há seis meses, a água cessou.“Foi gente subindo e descendo terra, procurando água, construímos um pequeno sistema, improvisado, mas não é o suficiente”, afirma o cacique Ramon.O acesso precário a água impõe desafios aos indígenas Tukum, onde vivem em torno de 250 pessoas. “Não vejo interesse em nos proteger contra esse vírus, que chegou contaminando a todos”, afirma o cacique. Ele diz ter tentando contato com a companhia repetida vezes, sem sucesso. Índigenas improvisaram sistema de água, mas não atende a demanda total (Foto: Acervo/Aldeia Tukum) A Cerb informou à reportagem que fez a troca da bomba em janeiro e que, se houver novo erro, programará uma visita técnica. 

Vulnerabilidades

Às sextas-feiras, uma grande fogueira é montada da aldeia. É noite de chamar pelo Pai Tupã e evocar os espíritos da floresta. “É momento de cuidar e de respirar o corpo e cuidado com pessoas não-indígenas. Mas nossas demandas não estão só nesse espiritual, os espíritos nos dizem que é tempo de cuidar e de respirar o corpo e a situação não é fácil”, conta o cacique Ramon.

As vulnerabilidades da aldeia Tukum vão além da água e do espiritual. O inverno e o tempo de chuva também têm ameaçado as ocas. Das 64, 10 correm risco de cair.  Estrutura de parte das ocas foi dafnificada pelas chuvas (Foto: Acervo/Aldeia Tukum) Uma das principais atividades dos tupinambás, o artesanato, está interrompida pela pandemia. Mulheres e jovens, principalmente, costumavam participar de congressos universitários, por exemplo, onde vendiam os artigos. Ao menos 30 famílias dependem do artesanato. “Trocávamos aneis, brincos, objetos sagrados que simbolizam nossa cultura e resistência”, diz Nádia Akawã, uma das artesãs.Há roças de plantação na aldeia, mas a plantação nem sempre é diversa o suficiente para atender à demanda. “Por isso os pedidos de doações”, completa Nádia. Os indígenas criaram uma vaquinha online para conseguir doações. A meta é R$ 16 mil.   Nádia Akauã Tupinambá diz que famílias dependentes do artesanato enfrentam dificuldades (Foto: Acervo Pessoal) As máscaras de proteção - em média, duas mil - foram costuradas por eles próprios e são o único equipamento de segurança na Aldeia. Problema histórico

Os problemas enfrentados na Tukum ilustram a vida dos indígenas durante - isolados de direitos e em situação de extrema vulnerabilidade. A Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo o diretor-geral Tedros Adhanom Ghebreyesus, está “profundamente preocupada com o impacto do vírus nos indígenas”.

O coordenador Regional Leste do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Haroldo Heleno, acompanha de perto as demandas indígenas e vê crescer a agonia dos povos. No dia 9 de julho, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que indígenas não precisavam de água potável, pois se “abastecem dos rios”. “É importante dizer que boa parte dos rios estão poluídos. São águas inadequadas para consumo”, defende Haroldo.“Agora é ainda mais fundamental essa questão da água, fora que os povos indígenas muitas vezes não têm acesso à saúde, direitos básicos, e são mais vulneráveis”, completa.  A Fundação Nacional do Índio (Funai) não respondeu se há um novo cálculo, mas, em 2009, um levantamento federal mostrou que 35,4% das aldeias tinham acesso a água tratada. 

Como a aldeia do Tukum, que criou uma vaquinha online, a estratégia dos povos, opina Haroldo, têm sido chamar atenção para o que tem ocorrido dentro das aldeias. E assim, quem sabe, conseguir ter acesso a direitos básicos. Serviço: Vaquina online para recolher doações para Aldeia Tukum: https://www.vakinha.com.br/vaquinha/ajuda-aldeia-tukum