Inovação, tecnologia e construção de redes de interação mudam o perfil da educação

Inserir a escola na cultura digital vai muito além de apenas investir em equipamentos, apontam especialistas

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  • Andreia Santana

Publicado em 25 de setembro de 2017 às 04:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Tiago Barros/Agecom

Nem só de computadores de última geração vive uma escola inovadora. Mais do que equipar salas com ferramentas tecnológicas, é preciso inserir a comunidade escolar na cultura digital de forma crítica. Na Rede Municipal de Ensino de Salvador, os obsoletos laboratórios de informática foram trocados por uma iniciativa mais dinâmica e de acordo com a agilidade de pensamento dos estudantes de hoje. Ao invés de ir até um local cheio de computadores empoeirados só de vez em quando, alunos e professores recebem tablets na própria sala, para auxiliar em pesquisas e projetos interativos nas aulas.

Os Laboratórios Móveis, 50 nas escolas municipais do Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano, antigos 5ª a 8ª séries), são uma criação da Secretaria Municipal de Educação (Smed) para solucionar o problema do deslocamento até os antigos laboratórios. A iniciativa consiste em carrinhos que circulam pelas salas levando os tablets para as aulas. “Antes, os laboratórios fixos ficavam fechados e os professores quase não levavam os alunos. Por medo de danificar os equipamentos, por achar que era preciso ter um ‘responsável’ por esses espaços. Agora, os carrinhos vão até o professor, que é incentivado a usar o recurso para acessar conteúdos, fazer pesquisa, interagir”, explica Gilmária Ribeiro da Cunha, Gerente de Currículo da Smed.

Os Laboratórios Móveis fazem parte de um pacote de inovações na rede municipal que inclui também os Escolabs, dois espaços de experimentação que funcionam no turno oposto àquele da aula regular. Até o momento, são dois Escolabs em Salvador, um no bairro de Coutos (Subúrbio Ferroviário), criado em 2016 e que atende estudantes do Fundamental I (até o 5º ano, antiga 4ª série); e outro na Boca do Rio, inaugurado este ano, para o Fundamental II. “Nesses espaços, as crianças desenvolvem projetos e aprendem raciocínio lógico, cultura global, fazem vídeos e criam outros conteúdos”, acrescenta a gerente da Smed.

Os Escolabs foram criados pela Prefeitura Municipal de Salvador (PMS) com uso de programas e plataformas do Google e do SmartLab, uma iniciativa do Grupo Santillana que projeta a escola atual para o futuro e contempla plataformas interativas e integradas aos conteúdos de várias disciplinas.

Articulação em rede Laboratórios Móveis levam tablets para a sala de aula, enquanto os Escolabs oferecem atividades no turno oposto ao das aulas regulares (Foto: Tiago Barros/Agecom) Em paralelo, a Smed desenvolve desde 2015 o Programa Nossa Rede, que utiliza metodologia do Instituto Chapada de Educação e Pesquisa (Icep). O Nossa Rede abrange todas as 355 escolas públicas da prefeitura que trabalham com o Fundamental I. O programa, inicialmente, construiu um projeto pedagógico para a rede municipal básica de ensino, criando uma identidade única e de acordo com as diretrizes nacionais de educação e os aprendizados que se espera em cada ano de escolarização.

“Antes, cada escola trabalhava de uma forma, não havia a configuração de rede de ensino. A cidade está dividida em 10 regionais de educação e cada uma tem características diferentes, o Subúrbio não é igual a Itapuã. Mas a ideia do Nossa Rede foi criar parâmetros de identidade com o que existe em comum a todas, como o fato de serem alunos e professores da rede municipal, de serem escolas de Salvador”, detalha Gilmária Ribeiro da Cunha. Ela antecipa que a Smed e o Icep vão fazer um novo trabalho em conjunto, com foco na formação direta de professores.

A formação continuada, inclusive, é um dos fatores essenciais para que as inovações na escola estejam além dos equipamentos e contemple, principalmente, o uso que se faz da tecnologia. “O professor precisa ser estimulado a abrir os olhos para a era da tecnologia, da informação e do conhecimento”, acredita Gilmária.

Apoio à pesquisa

Para a professora de educação infantil e fundamental Alexandra Lepikson, o papel da escola, atualmente, é mais o de ensinar os alunos a buscar conhecimento do que simplesmente passar conteúdo. “Os conteúdos básicos dados na escola, você acessa no celular e tem a informação. Muito mais do que ficar preso a conceitos é preciso instruir o aluno a pesquisar e se relacionar”, defende a educadora.

Alexandra trabalha em uma escola construtivista que busca trabalhar com projetos que estimulam as crianças a compreenderem como se constrói o conhecimento. “Não significa colocar a criança como autodidata, mas ajudá-la, fazer intervenções, oferecer os recursos, estimular os debates e a socialização. O professor não é mais o detentor único de conhecimento, a hipótese da criança também é muito valorizada”, diz.

Cybele Amado, presidente do Icep e palestrante do seminário Conexões, último evento do Fórum Agenda Bahia 2017, que acontecerá na quarta, 27, no Cimatec, em Piatã, lembra que a era digital pressupõe muitas possibilidades de comunicação e interação.  “Uma vez eu tive uma conversa com o professor Antonio Nóvoa (educador português) e ele disse que o mundo digital não é uma ferramenta, que os livros eram ferramentas. O mundo digital tem vida e inteligência próprias”, cita.

Para Cybele, nesse mundo digital em que smartphones são quase como extensões do próprio corpo e as pessoas, em suas vidas virtuais, são algoritmos, a escola precisa reforçar o diálogo e a reflexão. “O quadro negro antes era preenchido pelo professor e agora, pode ser preenchido por tudo o que as crianças acessam. A grande pergunta é: essa tecnologia toda está a serviço de quê, de quem, com que finalidade? Então é preciso uma consciência crítica e uma escola mais fundamentada na colaboração e na interação, que explore o potencial de comunicação desse mundo digital”.

Jovens buscam superar desafios Alunos da Escola Municipal Olga Mettig participaram da Olimpíada Brasileira de Robótica (Foto: Bruno Concha/Secom) Não é só nas séries iniciais ou no Ensino Médio, que o espírito inovador faz diferença na escola. Estudantes universitários também são movidos por desafio. Ao menos, para o professor Herman Lepikson, que ensina Mecatrônica e Manufatura Avançada e tem alunos de graduação, mestrado e doutorado, “a tecnologia já está na sala de aula e os estudantes estão usando. Não cabe mais o professor ensinar como nos anos 60”, afirma.

O professor Herman lembra também que não adianta só querer passar conteúdo, “porque isso já está na internet. Ensinar hoje tem muito mais relação com a dinâmica familiar, onde o exemplo é essencial. Então, na sala de aula agora é muito mais uma questão de vivências, de referências e, principalmente, de aprender junto”.

Lepikson cita projetos desafiadores e que trazem um espírito de construção coletiva na pós-graduação em Mecatrônica da Universidade Federal da Bahia (Ufba), onde leciona.  “Ao invés de entrar na sala e sair largando conteúdos, nós instigamos os alunos. No mestrado, propusemos que eles teriam três meses para gerar uma solução inovadora em determinado contexto. Tivemos patentes saindo dessa brincadeira”.

Ele lembra ainda do FlatFish, projeto de um robô autônomo submarino, do Cimatec, desenvolvido por estudantes na faixa dos vinte e poucos anos.  “É uma tecnologia desenvolvida na Bahia em parceria com um núcleo de pesquisa da Alemanha, que conseguiu gerar uma solução inédita para a inspeção de instalações de petróleo no fundo do mar”, explica.

Para Herman Lepikson, no entanto, o desafio maior na era hiperconectada é desenvolver conhecimento e não apenas acumular terabites de informação.  “Hoje, nos falamos via um meio de comunicação de dados. Os dados estão aí, mas são a matéria-prima. Consigo gerar informação, mas o que precisamos é gerar conhecimento”, opina.

Aulas de programação

Um bom exemplo de inovação na escola, segundo o professor da Faculdade de Educação da Ufba, Nelson Pretto, é o desenvolvimento de software livre. Para ele, ensinar programação aos estudantes atende uma demanda da própria educação: o desenvolvimento de programas de forma colaborativa. 

“A programação tem dado suporte a princípios fundamentais da educação, que são a interação e a colaboração. É importante pensar em software livre como uma perspectiva de inovação porque isso está associado ao ensino da programação, que pressupõe a compreensão das linguagens, de uma nova forma de escrita em código binário”, explica. 

Pretto cita exemplos de ‘codeiros’ (palavra derivada de código) entre populações ribeirinhas de Santarém, no Pará; e em escolas do Amazonas, Rio Grande do Sul e São Paulo. “Você pega, por exemplo, a Campus Party, que mostrou vários meninos desenvolvendo robótica e programação. Tem ainda a experiência na rede de colégios Marista, que em parceria com a UFRS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), faz experiências para criar estações meteorológicas de baixo custo”, enumera.

As experiências inovadoras vêm sendo feitas em todo o mundo, continua Nelson Pretto, que lembra ainda de projetos com o Raspberry Pi, pequenas placas que servem para montar circuitos integrados de computador. “Tem acontecido em diversas escolas pelo mundo. No Centro Europeu de Energia Nuclear existem experiências. Dentro do Plan Ceibal (projeto socioeducativo do Uruguai) também há experimentações com robótica e programação”, acrescenta. 

Ainda assim, Nelson Pretto engrossa o coro dos especialistas que acreditam que a tecnologia não deve ser usada por si só com um sinônimo de inovação na escola. Para ele, mais do que a “parafernália”, inovar em educação faz parte de uma equação que envolve os recursos digitais, condições de trabalho, salário e formação inicial e continuada para os professores.

O Fórum Agenda Bahia 2017 é uma realização do CORREIO, com apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador (PMS), Federação das Indústrias da Bahia (Fieb) e Rede Bahia; patrocínio da Braskem, Coelba e Odebrecht; e apoio da Revita.

Criatividade e tecnologia na sala de aula

Tablets – Podem ser usadas para acessar conteúdos diversos, fazer pesquisa e visualizar gráficos, animações e mapas interativos, entre outras atividades. A vantagem é que o equipamento vem até a sala de aula, ao invés do professor deslocar a turma para um ‘laboratório de informática’;

Smartphones – Os alunos das séries mais avançadas podem usar o celular para gravar vídeos ou montar videoclipes inspirados nos conteúdos que estão sendo estudados. Com as câmeras cada vez com melhor resolução, é possível produzir ensaios fotográficos temáticos para apresentar trabalhos, por exemplo.

Games – Os jogos ajudam no raciocínio lógico e são uma forma lúdica de ensinar os conteúdos de diversas disciplinas. Os desafios propostos para cada ‘mudança de fase’ estimulam as crianças a elaborarem estratégias diferentes;

Redes Sociais – Além de orientar o uso mais crítico e reflexivo desses recursos de interação, um universo onde boa parte de crianças e adolescentes já estão inseridos, dá para usar o Instagram, Facebook, etc., como plataformas de publicação de conteúdos produzidos pelos estudantes;

Site de Referência – A plataforma escoladigital.org.br foi criada em 2013 com apoio de diversas ONGs (Organizações Não Governamentais) que atuam em prol da melhoria do ensino no país. O site reúne cerca de quatro mil recursos digitais para serem usados na sala de aula, com conteúdos diversos. Algumas das sugestões são pagas, mas existem opções gratuitas e até orientações para os professores criarem aplicativos customizados.

*Colaborou a repórter Maryanna Nascimento