Já é hora de debater a liberação de máscaras em espaços abertos? Entenda os riscos

Exemplo de Brumado causou polêmica; para Sesab, é preciso que 80% da população tenha sido imunizada com duas doses

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  • Thais Borges

Publicado em 23 de outubro de 2021 às 11:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Nara Gentil/Arquivo CORREIO

Desde abril do ano passado, o uso de máscaras é obrigatório na Bahia. O estado foi um dos primeiros a adotar a medida como combate à pandemia da covid-19 e há quem diga que a adesão por aqui é até maior que em outros locais. Mas, esta semana, a decisão da prefeitura de Brumado, no Centro-Sul do  estado, de desobrigar o uso de máscaras no município causou polêmica - e foi recebida até com certo espanto por especialistas, por incluir locais fechados no decreto. 

Em outras cidades do Brasil, como o Rio de Janeiro, questões semelhantes têm gerado expectativa e dúvidas na população. Seria mesmo o momento de debater a liberação do uso de máscaras, ao menos em locais abertos? Para alguns pesquisadores, essa discussão deve começar a ser feita desde já. No entanto, isso não significa necessariamente que as máscaras já devem ser liberadas. 

De fato, a resposta não é tão simples assim. Por isso, a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab) trabalha com um percentual para guiar quando essa decisão deve ser tomada. Esta semana, a titular em exercício da pasta, Tereza Paim, afirmou que só quando mais de 80% da população estiver imunizada com duas doses é que poderá se pensar de que maneira e em quais locais vai ser possível deixar de usar máscara - especialmente os locais abertos.“Estar vacinado não quer dizer que a gente pode estar desprotegido”, explicou.Segundo a Sesab, esse cálculo é feito com base na população com 12 anos ou mais - ou seja, as faixas etárias em que a vacinação já está autorizada no Brasil. Na Bahia, essa população é estimada em pouco mais de 12,7 milhões de pessoas. Na última sexta-feira (22), o percentual de totalmente imunizados era de pouco mais de 52% nesse público. Além disso, uma medida como essa também deve considerar a ocupação de leitos no estado e o número diário de óbitos. 

Cautela Para a epidemiologista Naiá Ortelan, pesquisadora da Rede Covida e do Cidacs/Fiocruz, a cautela é importante justamente porque o percentual ideal de vacinação ainda não foi atingido. "A vacinação não é algo em benefício próprio, individual. É algo coletivo que envolve a saúde pública", defende. 

Ela cita que outros pesquisadores já vêm alertando, desde agosto, para a necessidade ao menos 70% da população totalmente imunizada - isso significa que as duas doses são necessárias ou a vacina em dose única, como a da Janssen. Mas esse índice ainda não foi alcançado nem na Bahia, nem no cenário nacional em geral. Com essa taxa, daria para pensar em uma flexibilização até para espaços mais fechados ou 'semiabertos'. "A gente nunca conseguiu se comportar de forma coerente, respeitar de fato todas as medidas que foram colocadas de distanciamento e uso correto das máscaras. Muitas pessoas passaram a usar, mas a gente vê o tempo todo pessoas com a máscara no queixo, pendurada, o nariz para fora ou a máscara totalmente larga. Visualizando todos esses fatores, eu colocaria que não é o momento dessa flexibilização", argumenta. Os exemplos de outros países mostram como uma decisão na hora errada pode prejudicar muito do progresso feito até aqui para controlar o coronavírus. O caso dos Estados Unidos é emblemático. Em maio, com o avanço da vacinação do país, a recomendação oficial passou a ser de retirar a obrigatoriedade do uso de máscaras em locais fechados e abertos para pessoas que tinham completado a imunização contra a covid-19. 

No entanto, em julho, com o aumento dos casos e a chegada da variante delta, o governo voltou a recomendar o uso de máscaras mesmo para vacinados nas áreas onde o contágio da covid-19 era calculado como 'substancial' ou 'alto' - algo em torno de dois terços do país.  

"Esses países ainda não tinham um percentual efetivo de vacinação completa e acharam que daria para flexibilizar. Muitos têm tido uma onda antivacina, negacionista, e aconteceu o que acontece quando você demora muito para vacinar toda a população: é igual ao vírus da gripe, ele começa a criar novas cepas. Algumas eram mais transmissíveis e por isso começou um novo boom de novos casos. Felizmente, as vacinas criadas ainda são eficazes para as cepas novas", explica Naiá. 

Na prática Por outro lado, o que já tem sido visto por aí é um aumento de pessoas sem máscara em locais abertos, como observa a virologista Andréa Gusmão, professora da UniFTC e da Ufba. "Isso já está acontecendo e não está impactando no número de casos, pelo contrário. A gente tem observado um número menor", pondera. 

Para ela, o fato de mais da metade da população brasileira já ter sido imunizada com as duas doses é um fator positivo."Em ambientes abertos, que têm ventilação, como a Orla, dá para fazer atividade física ou ir à praia sem precisar da máscara. Agora, em ambientes fechados, como shoppings, restaurantes, escolas, faculdades, transporte público, não é o momento porque ainda temos um número de casos e óbitos". Ela acredita que cada cidade, estado ou região deve fazer uma avaliação local antes de adotar essas medidas. Desde o início da pandemia, de acordo com ela, a doença tem se comportado de maneira diferente a depender da localidade. "Se pensarmos em Bahia, temos aqui 10 milhões de habitantes e isso chega a ser maior do que alguns países da Europa. Por isso, a importância da epidemia ser avaliada de forma local", ressalta.  

Ainda assim, ela defende o ‘bom senso’. Mesmo quem trabalha em ar livre - por exemplo, alguém vendendo queijinho na praia - deveria continuar usando máscara em caso de liberação total. "Mesmo estando ao ar livre, essa pessoa vai estar atendendo e tendo contato com muita gente. Acaba sendo exposta", afirma Andréa. 

Delta A avaliação de que é o momento de debater a liberação das máscaras em locais abertos é compartilhada pelo infectologista Antônio Bandeira, professor de Medicina da UniFTC e diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia. 

"Desde o início de julho, as taxas de incidência diária da doença vêm caindo continuamente. Hoje, a Bahia tem entre 300 e 500 casos novos por dia. Já chegamos a ter 6 mil diários. Também estamos trabalhando com um dígito de óbitos por dia, menos de 10 diários", diz ele, citando o percentual de imunizados a partir dos 18 anos. Nesse público, o índice com a primeira dose passa dos 93%; na segunda, é de 59%.  "Isso mostra como a vacinação, junto com as outras medidas, foi fundamental. A delta já predomina, já é a totalidade de quase todas as cepas identificadas desde setembro, e nem por isso explodiram os casos. A gente está vendo ela se comportar aqui como as outras cepas", analisa Bandeira. Uma das hipóteses dos pesquisadores para a variante delta ter feito menos estrago aqui do que em outros países foi que, além da vacinação, o Brasil teve uma segunda onda muito mortal, com a variante gama, que surgiu em Manaus e fez crescer o número de casos aqui. Isso teria gerado uma imunidade cruzada entre cepas.

"Uma parcela muito grande da população desenvolveu anticorpos. Uma pessoa que teve covid e recebeu a vacina deve desenvolver uma resposta imunológica ainda mais eficiente, mais protetora", acrescenta a virologista Andrea Gusmão.