João de Deus alterna momentos de choro e angústia com calma, diz gerenciador de crise

Médium está sendo acusado de abuso por 258 mulheres

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  • Da Redação

Publicado em 13 de dezembro de 2018 às 06:28

- Atualizado há um ano

. Crédito: EVARISTO SA /AFP

Horas depois de reaparecer e se dizer inocente em relação às denúncias de abuso sexual, João Teixeira de Faria, o líder espiritual João de Deus, teve a prisão preventiva solicitada pela Promotoria de Justiça de Goiás. A medida foi tomada cinco dias depois da divulgação dos primeiros relatos de mulheres que dizem ter sido agredidas pelo médium, que atrai mensalmente cerca de 10 mil fiéis – 40% estrangeiros – para Abadiânia (GO).

Até ontem, 258 mulheres em todo o país procuraram o Ministério Público para denunciar supostos abusos. O aparecimento de casos ganhou força depois da divulgação pela TV Globo de depoimentos a respeito, no programa Conversa com Bial. 

O advogado de João de Deus, Alberto Zacharias Toron, afirmou, no início da noite,  que ainda não havia sido oficialmente informado sobre o pedido de prisão, que chamou de descabido. “Ele já havia se colocado à disposição da Justiça, estava trabalhando, não havia motivo”, disse. E informou que, assim que for notificado oficialmente, tomará providências. “O primeiro passo é identificar quais os fundamentos do pedido”, completou. 

Choro, angústia e calma O gerenciador de crise Mário Rosa foi chamado para auxiliar João de Deus. Horas antes de se tornar público o pedido de prisão, Rosa ponderava que todo o processo deveria respeitar um “marco de objetividade”, com condução cautelosa para se evitar julgamento apressado. Pela descrição de Rosa, desde que os depoimentos das mulheres se tornaram públicos, o líder espiritual alterna momentos de choro e angústia com calma. 

Ao voltar a Abadiânia, João de Deus estava visivelmente abatido. Trajando uma camiseta branca e calça jeans, ficou menos de 10 minutos na Casa Dom Inácio de Loyola, onde atende os fiéis. 

Cercado por funcionários da casa e voluntários, ele não falou com a imprensa. Fez um pronunciamento rápido para poucos fiéis, disse ser inocente e estar à disposição da Justiça. “João de Deus está vivo”, afirmou. A rápida visita foi marcada por tumulto, gritaria e aplausos. Fiéis, ao ver o líder espiritual reaparecendo na Casa, aplaudiram. Funcionários, por sua vez, tentavam impedir que João de Deus parasse para conversar com jornalistas. Houve empurra-empurra.

Impacto no movimento O centro ficou bem mais vazio do que de costume. Ali estavam reunidas cerca de 400 pessoas, um terço do movimento habitual. Chico Lobo, um dos funcionários da Casa, destacou caravanas de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas e alegou o impacto da proximidade das festas. “Nesta época, tradicionalmente, o movimento cai”.

Mas, apesar do movimento menor, funcionários e voluntários começaram a chegar à Dom Inácio de Loyola mais cedo do que o costume. “Sabíamos que seríamos necessários aqui. Ele sempre esteve presente com seu amor, agora estamos prontos para defendê-lo”, disse Jacilda Oliveira Soares, que desde 1985 frequenta a Casa e se dedica a organizar as filas de atendimento. Ela própria afirma ter sido curada pelo médium. 

Mesmo com as denúncias, as paulistas Cláudia Fernandes e Elizabeth Cozza não cogitaram desmarcar a viagem. “Meus filhos aconselharam a adiar. Imaginaram até que o centro poderia ser fechado”, disse Elizabeth. “Mas decidi arriscar. Sempre saio daqui com as energias renovadas”, completou. Frequentadora da casa há quatro anos, ela afirma que as denúncias precisam ser investigadas com seriedade. “Até que se prove, ele é inocente. Não vou julgá-lo de forma apressada”.

Número de casos Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal de Goias, Luciano Miranda Meireles, disse estar impressionado com os relatos. 

Ele afirmou não ter dúvida de que, uma vez formalizadas as denúncias, o caso João de Deus tem potencial para superar o do ex-médico Roger Abdelmassih, condenado por abusar sexualmente de suas pacientes.

Nos casos de abusos sexuais, afirmou Meireles, as denúncias podem ter base apenas nos relatos das vítimas. “Mas vamos ouvir grande número de pessoas, para ver se as informações são conflitantes ou se encaixam”, garantiu. 

Vítimas de abuso criam rede de apoio a mulheres Uma rede de vítimas de abusos sexuais está envolvida no acolhimento das mulheres que teriam sido vítimas do médium João de Deus. Até ontem, 258 pessoas já denunciaram o líder espiritual no Ministério Público. Um desses grupos de apoio é o Vítimas Unidas, criado por mulheres abusadas pelo ex-médico Roger Abdelmassih, enquanto o outro é liderado pela ativista Sabrina Bittencourt, que criou o movimento Combate ao Abuso no Meio Espiritual (Coame).

Sabrina diz ter recebido ao menos 185 denúncias contra 13 líderes espirituais brasileiros desde setembro. Ela começou a reunir os relatos após mulheres relatarem supostos abusos cometidos pelo guru Sri Prem Baba. “Me impactou muito, porque tinha amigas que eram muito devotas dele”, conta.

A americana Oprah Winfrey, que já esteve com João de Deus no Brasil em 2012, disse em nota, ontem, ter empatia pelas mulheres que acusaram o médium de abuso sexual após terem procurado tratamento espiritual. Oprah retirou do ar os vídeos de entrevistas que fez com João de Deus.

Uma das filhas de João de Deus, Dalva Teixeira, de 45 anos, que hoje recebe auxílio do grupo Coame, já declarou em entrevista ter sido abusada sexualmente pelo médium entre os 9 e 14 anos de idade. O relato teria sido colhido pelo repórter Thiago Mendes, de Goiás, em 2016, que, por medo de represálias, divulgou o vídeo apenas anteontem na TV Record. 

No mesmo dia, os perfis de redes sociais da Casa Dom Inácio publicaram um vídeo em que Dalva desmente  ter sido abusada pelo pai. 

Uma mulher relatou ontem ao Jornal Nacional que foi uma das vítimas de João de Deus e que chegou a engravidar após um abuso sexual em Abadiânia. A comerciante, de 53 anos, contou que recebeu um remédio para abortar a criança. Ana Maria Azevedo mora em Uberaba (MG) e diz que tinha 16 anos quando foi trabalhar com João de Deus.