Jogadoras do time feminino do Vitória denunciam descaso do clube

Diretor jurídico rubro-negro, por sua vez, diz que verba da CBF será repassada à modalidade

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  • Daniela Leone

Publicado em 21 de maio de 2020 às 16:04

- Atualizado há um ano

. Crédito: Letícia Martins/ EC Vitória

As palavras são duras, assim como a realidade do futebol feminino na Toca do Leão. “Eles não estão nem aí pra gente. Hoje, a gente já não é nada lá dentro. No ano passado, era diferente, mas com essa nova gestão, a gente não é nada ali dentro. Se não fossem alguns funcionários que têm coração, a gente ia ficar rodada ali dentro”, desabafa uma atleta do Vitória que prefere não ser identificada. “Infelizmente, essa é a nossa realidade e a gente fica com receio de dar a cara, porque a gente tem medo de ser maltratada”, afirmou ao CORREIO. 

Ela e outras jogadoras do futebol feminino do Vitória denunciam que o clube não repassou à modalidade o auxílio financeiro emergencial de R$ 120 mil cedido pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) na primeira quinzena de abril para times que disputam a série A1 do Campeonato Brasileiro. O aporte foi feito com o objetivo de ajudar as agremiações com pagamento e manutenção das atletas durante a pandemia de covid-19. A informação foi publicada inicialmente pelo site Globoesporte.com e confirmada pela reportagem do CORREIO. 

“Ninguém recebeu nada e não falaram nada. Primeiro, eles falaram que iriam pagar no final de abril. Depois, no início de maio. E não tem um centavo nas contas até o momento. Não entrou nada e eles nem sequer justificam”, reclama a jogadora.“A gente entende que a gestão não apoia muito o feminino e aí junta com a situação financeira que hoje não é boa. Isso indigna a gente, porque eles ganharam R$ 1,2 milhão na Copa do Brasil e não deram um real pra gente. Ficamos na esperança de receber alguma coisa. Aí vem o dinheiro da CBF e eles não repassam, não explicam nada. A gente fica numa angustia e a situação fica cada vez pior. Imagine como está nossa vida financeira sem salário, um caos total. A gente vive disso. Tanto financeiramente como mentalmente a coisa fica bem complicada”, lamenta uma jogadora que preferiu não se identificar.“Eles ficaram de repassar pra gente no começo do mês, só que até agora não repassaram nada. A gente se sente excluída, até porque o dinheiro foi pra gente, pra ajudar. A real é que ninguém recebeu nada”, confirmou uma outra atleta, que também prefere ter a identidade preservada.

Único clube da Bahia na primeira divisão, o Vitória está representado pela equipe sub-17 no Brasileiro, ainda não pontuou e ocupa a penúltima colocação após cinco rodadas. O campeonato está suspenso por causa da pandemia do novo coronavírus. Vice-campeão brasileiro da Série A2 em 2018, o rubro-negro reduziu os investimentos na modalidade após a queda do masculino para a Série B, que pôs o clube em crise financeira, e desmanchou o time adulto feminino no final de julho do ano passado.

O CORREIO apurou que o Vitória ainda estava devendo o salário do mês de julho de 2019 às atletas desse elenco desfeito e que usou parte do auxílio emergencial enviado pela CBF para quitar essa dívida, cujo valor total era entre R$ 20 mil e R$ 25 mil. 

No entanto, quem ainda está na Toca do Leão, não recebeu nenhum benefício financeiro, a exemplo das quatro jogadoras do antigo grupo, que seguem no clube por estarem se recuperando de lesão. Elas estão sem receber salário, que varia entre R$ 600 e R$ 1.300, desde agosto do ano passado. Uma delas, precisa passar por cirurgia e ainda não teve o procedimento aprovado pela diretoria do Vitória. 

O elenco principal atual tem 25 atletas. As que são de outras cidades moram em dois apartamentos localizados nas redondezas do Barradão e recebem auxílio refeição. Já as que vivem em Salvador não têm ajuda de custo, nem mesmo para transporte. 

As jogadoras também não recebem salário para defender a camisa do Vitória. A exceção deveria ser a goleira Jéssica, de 28 anos, que chegou ao clube em fevereiro. “Ela nunca recebeu o valor de R$ 1.400 mensal prometido”, afirmou a assessora esportiva Silvia Mara, da Joga10 Sports, empresa que agencia a atleta. “Nossos advogados enviaram uma notificação extrajudicial para o Vitória, mas não tivemos nenhum retorno deles em relação a isso. Já são três meses de atraso de salário. No começo do mês de abril, eles entraram em contato para pedir a conta bancária dela e de todas as atletas, mas não fizeram nenhum pagamento e não sinalizaram nenhuma previsão”, pontuou. 

Resposta A reportagem do CORREIO tentou falar com a coordenadora de esportes olímpicos e futebol feminino do Vitória, Many Gleize, mas não conseguiu contato. Diretor jurídico do clube, Dilson Pereira não informou com precisão o que ocorreu para que as atletas que defendem o futebol feminino do clube ainda não tenham sido beneficiadas com o auxílio financeiro enviado pela CBF, mas sinalizou que parte do aporte pode ter sido retido pela Justiça.  “Teve uma penhora recente nas contas do Vitória e deve ter sido isso o ocorrido para que não houvesse o pagamento. O dinheiro deve ter ido junto com algum tipo de penhora que o clube tenha sofrido e, por isso, não foi feito o pagamento. Esse valor ele fica na conta e a conta do Vitória é única. Se tiver penhora, ele vai junto. Eu não sei te precisar sobre esse assunto”, disse.

O diretor rubro-negro também confirmou que parte do repasse às atletas estava programado para ser feito este mês. Ele garantiu que o Vitória irá destinar a verba enviada pela CBF ao futebol feminino, mas não deu previsão de quando isso acontecerá. “Parte dos R$ 120 mil já foi usado com o futebol feminino. Tinha outra parte que estava na programação para maio e, cargas d’água alguma coisa aconteceu, provavelmente essa situação aí dessas penhoras, e por isso não conseguiu fazer o pagamento ainda do saldo que resta”, afirmou, sem especificar valores. “O importante é que o Vitória age de boa fé e não vai deixar desamparado o time de futebol feminino. O Vitória tem o dever de prestar contas à CBF e vai cumprir com sua obrigação. O Vitória vai pagar, assim que o tiver receita ou a gente conseguir recuperar algum crédito que tenha sido penhorado. Quando o Vitória tiver caixa, vai pagar”, prometeu Dilson Pereira, diretor jurídico do Vitória.Sem impor condições, a CBF cedeu um total de R$ 3,7 milhões aos 52 times de futebol feminino das séries A1 e A2 do Campeonato Brasileiro. Assim como o Vitória, os outros 15 clubes da elite receberam R$ 120 mil cada e as 36 agremiações da segunda divisão ficaram com R$ 50 mil cada.

Em nota oficial enviada pela assessoria de comunicação, a CBF informou que não pode interferir na administração das agremiações. “Os clubes das séries A1 e A2 do Brasileiro Feminino receberam da CBF auxílio financeiro emergencial para cumprirem suas obrigações relacionadas à modalidade, especialmente, para assegurar o pagamento e manutenção das atletas. O cálculo foi feito pela média dos salários registrados das atletas para as competições que disputam. Porém, a entidade não tem ingerência na administração interna dos clubes”, afirmou a entidade.