Justiça bloqueia R$1 milhão de família que explorou doméstica por 45 anos

Madalena Silva, 62 anos, nunca recebeu salário, teve aposentadoria roubada e sofreu maus-tratos

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  • Da Redação

Publicado em 30 de abril de 2022 às 00:06

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução/TV Bahia

A Justiça do Trabalho bloqueou R$1 milhão em bens da família que submeteu a doméstica Madalena Santiago da Silva, 62 anos, a trabalho análogo à escravidão durante 54 anos. Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), o bloqueio faz parte de uma ação cautelar para garantir danos morais e verbas rescisórias, além do pagamento de um salário mínimo para a doméstica, enquanto a ação principal tramita na Justiça do Trabalho.

Madalena nunca recebeu salário, teve R$ 20 mil referente sua aposentaria roubados pela filha do casal para quem ela trabalhou em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador. A doméstica também teve os dados usados pela mulher para contratar empréstimos, sofreu maus-tratos, foi vítima de injúria racial, além de ter sido expulsa há um ano pela filha dos patrões. 

"Eu estava sentada na sala, ela passou assim com uma bacia com água e disse que ia jogar na minha cara. Aí eu disse: ‘Você pode jogar, mas não vai ficar por isso'. Aí ela disse: ‘Sua negra desgraçada, vai embora agora’", disse Madalena na entrevista à TV Bahia. "Era um sábado, 21h, chovendo e eu não sabia para onde ir", lembrou.

Instruída por outras pessoas, Madalena foi até a sede do MPT, no final de dezembro do ano passado, onde fez uma denúncia. O caso foi investigado e no início de abril o MPT ingressou com a ação cautelar. 

No pedido, a procuradora Lys Sobral, coordenadora nacional de combate ao trabalho escravo do MPT, pediu que fossem bloqueados bens no valor de R$1 milhão para garantia das verbas rescisórias e dos danos morais que serão pedidos na ação principal. 

A juíza titular da 2ª vara do Trabalho de Salvador, Vivianne Tanure Mateus, acolheu integralmente os argumentos e determinou o pagamento de um salário mínimo até o julgamento da ação principal e o bloqueio dos bens.

Atualmente Madalena vive em uma casa simples alugada e montada com apoio de vizinhos.  Foto: Reprodução/TV Bahia Expulsa após descobrir roubos Madalena morava com os patrões desde 1975, quando foi entregue pelo próprio pai para trabalhar como doméstica. Na época ela tinha 16 anos e cuidava da casa, e da única filha do casal. 

Em depoimento, a patroa, que não teve o nome divulgado, disse que o marido ajudou a dar entrada em um processo de aposentadoria por contribuições como autônoma. O dinheiro era depositado em uma poupança e parte dele foi usado para comprar móveis para o quarto da doméstica no sítio dos patrões. 

Antes de morrer, em 2020, o patrão de Madalena descobriu um desfalque nas contas deles e da doméstica, feito pela filha do casal. A mulher também fez uma série de empréstimos consignados em nome de Madalena. 

Descoberta, a filha foi confrontada pelo pai e a relação desandou. Na mesma época Madalena foi expulsa por ela, sem direito a levar seus pertences nem a qualquer pagamento. 

Desamparada e sem meios, acabou acolhida por pessoas da comunidade e orientada a procurar o MPT. No dia 8 de abril, o Grupo Especial de Fiscalização composto por auditores-fiscais do trabalho e com a presença de uma procuradora do MPT e de servidores da União com o apoio da Polícia Militar, encontrou Madalena vivendo na casa de um vizinho.

Marcas da humilhação Até hoje carrega as marcas dos maus-tratos que sofreu pela família para quem trabalhava. Na última quarta-feira (27), Madalena chamou a atenção pela forma como reagiu após tocar na mão da repórter da TV Bahia, Adriana Oliveira. 

"Fico com receio de pegar na sua mão branca", disse a doméstica assustada e aos prantos durante a reportagem. Sem entender, Adriana estendeu as mãos para ela e a questionou. "Mas por quê? Tem medo de quê?". 

Madalena então explicou que achava feio sua pele escura perto da pele clara da repórter. "Porque ver a sua mão branca. Eu pego e boto a minha em cima da sua e acho feio isso", disse com lágrimas nos olhos.

"Sua mão é linda, sua cor é linda. Olhe para mim, aqui não tem diferença. O tom é diferente, mas você é mulher, eu sou mulher. Os mesmos direitos e o mesmo respeito que todo mundo tem comigo, tem que ter com você", pontuou a jornalista tentando acalmar a idosa.