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Justiça climática e racismo ambiental em Torto Arado

  • D
  • Da Redação

Publicado em 13 de dezembro de 2022 às 04:53

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

A polissemia da vida brasileira está espalhada nos mais diversos ramos do conhecimento, mas é na literatura que ela reside em demasia. Como exemplo, trago o conceito de justiça. Há palavra mais rica de significados do que justiça? 

Para Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas “se algum achar que não acha, o justo, a gente isto decide a ponta d’armas...” É nesse mesmo sentido de luta, de busca pelo o que devidamente lhe cabe, que Itamar Vieira Júnior tece o seu clássico Torto Arado e traz o conceito de justiça. 

O tema da Redação do Enem deste ano veio assim: "desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil".

O candidato poderia falar de desafios a partir da ideia de combates a serem enfrentados, por particulares e, especialmente, pelo poder público por meio da resolução de conflito de demandas na arena pública envolvendo essa população específica. 

Itamar demonstra isso com maestria ao estabelecer o que é direito de uma comunidade tradicional e a injustiça sofrida por ela na busca pela terra. Basta lembrar do capítulo de seu livro chamado Rio de Sangue. O racismo ambiental é o fio da meada de toda narrativa do autor baiano. 

O candidato poderia, ainda, tratar do que é necessário para valorizar comunidades e povos tradicionais. É justamente sobre esse ponto que trago minhas considerações aqui, a partir da leitura de Itamar Vieira. O conceito de justiça climática significa uma dimensão da ideia de justiça na busca da redução dos impactos do meio ambiente climático sobre pessoas vulnerabilizadas.

Ou seja, uma percepção que há uma distribuição desigual dos impactos ou danos ambientais sobre uma população que se vê vulnerabilizada ou que tem suas vulnerabilidades amplificadas a partir da ação climática ou de quem explora o meio ambiente.

Há diversos grupos vulnerabilizados nesse conceito exposto: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, rurais, moradores de matas e reservas etc. Aqui estão as comunidades e povos tradicionais que assim se veem e se distinguem culturalmente e que detêm um modo especial de viver e se relacionar com o meio social e o meio ambiente à sua volta. Daí, o candidato poderia defender a valorização desses povos pela justiça climática citando Itamar e sua obra.

Para esses povos e comunidades, não é uma opção cuidar do meio ambiente, preservando-o. Vai além. Trata-se de condição indispensável à sua sobrevivência porque sua condição de vida se confunde com aquele mesmo meio ambiente.

Não se pode então cuidar do meio ambiente sem cuidar dessas pessoas, vítimas diretas do desmatamento, das ondas de calor, enchentes, deslizamento de terras, extinção de espécies, ausência ou excesso de chuva. Mas também vítima da luta no campo.

Quando pensar em justiça climática pense na obra de Itamar: a capa do livro e sua simbologia de luta envolvendo religião, o campo e a raça.   Lembre-se da faca suja de sangue que abre a narrativa. Lembre-se de onde se passa a história das irmãs Bibiana e Belonísia. Lembre-se da sua ancestralidade escravagista e o conceito de quilombo definido pelo autor.   Lembre-se da relação daquela comunidade com a terra e com o Jarê. Lembre-se de Zeca Chapéu Grande, mas sobretudo da necessidade de proteção do estado para com aquele povo.   Quer falar de justiça climática e racismo ambiental sem perder o encanto da poesia? Lembre- de onde veio e o que estudou Itamar Vieira: nordestino, doutorou-se em estudos étnicos e africanos, mas antes disso, se dedicou à análise social e sua relação com a Terra, pois graduou-se em Geografia. Portanto, não há quem entenda de justiça climática e racismo ambiental como ele. 

Diego Pereira é procurador federal (AGU), mestre em Cidadania e Direitos Humanos pela UnB, doutorando em Direito Constitucional na mesma instituição. Estuda clima, justiça climática, racismo ambiental e desastres. Autor de Vidas Interrompidas pelo Mar de Lama (Lumen Juris).