Justiça indiana condena homem por estupro apesar de sexo consensual

Condenado havia prometido se casar com namorada, mas trocou alianças com outra

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  • Da Redação

Publicado em 22 de abril de 2019 às 19:15

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: AFP

O roteiro do matrimônio estava pronto: um indiano se comprometeu em casar com a namorada, com quem mantinha um relacionamento havia algum tempo. Por conta das juras de amor, a donzela aceitou manter relações sexuais consentidas com o namorado. Entretanto, após um tempo, ele terminou o relacionamento e casou-se com outra. O resultado? Foi condenado a sete anos de prisão por estupro.

Esta foi uma decisão inédita da Suprema Corte da Índia. De acordo com a BBC, o tribunal interpretou que a mulher apenas aceitou manter relações sexuais com o então namorado por conta da promessa de casório. Caso contrário, não haveria consentimento.

O condenado é um médico e vive no Estado de Chhattisgarh, na região central do país.

A Índia ainda é considerada um país bastante conservador em relação aos costumes. Por conta disso, uma mulher dificilmente consegue se casar com um homem sem a sua virgindade preservada.

Os juízes argumentaram que o acusado tinha uma "clara intenção" de não se casar com ela, e acrescentaram: "as relações sexuais neste contexto de total equívoco não podem ser tratadas como consentimento".

Segundo eles, o homem "deve enfrentar as consequências do crime que cometeu". Apesar disso, a pena inicial de dez anos de prisão, determinada pelo tribunal de instância inferior, foi reduzida para sete anos.

Acusações deste tipo são comuns De acordo com as estatísticas oficiais, a polícia registrou 10.068 casos semelhantes de estupro por "pessoas conhecidas que prometeram se casar com a vítima" em 2016. No ano anterior, esse número foi de 7.655.

A BBC trouxe alguns casos envolvendo "quebra de promessa de casamento":Em abril de 2019, um tribunal no Estado de Karnataka, no sul do país, libertou um homem sob fiança, dizendo que mulheres com educação formal em um relacionamento pré-matrimonial não podem se queixar de estupro após o término deste - mesmo que o sexo consensual fosse condicionado à promessa de casamento. Em 2017, um jornalista do Estado de Kerala, no sul do país, foi preso depois que uma colega o acusou de assediá-la sexualmente. Segundo relatos da polícia, os dois estavam em um relacionamento há mais de um ano. Ele teria prometido se casar com ela, mas depois mudou de ideia. Um cidadão escocês foi preso na capital da Índia, Nova Déli, em 2016, depois que uma mulher alegou ter sido estuprada por ele durante cinco meses. Segundo ela, ele lhe havia prometido casamento, mas decidiu terminar o relacionamento. Recomendação Os juízes da Suprema Corte aconselharam os tribunais de instâncias inferiores a "avaliar cuidadosamente se o homem realmente queria se casar com a vítima ou se agiu de má fé desde o início e havia feito uma promessa falsa apenas para satisfazer sua luxúria".

Ou seja: se um homem puder provar que pretendia se casar com a mulher, mas mudou de ideia, não pode ser acusado de estupro. A prática só pode ser considerada criminosa se ele tiver intenções duvidosas desde o início.

No entanto, determinar qual a intenção do acusado é algo difícil de ser provado. Portanto, fica a critério dos juízes averiguarem o caso detalhadamente e darem seu parecer. 

Entretanto, há uma preocupação em relação aos casos em que a lei é mal empregada. Devido ao alto número de denúncias, a ministra Pratibha Rani, da Alta Corte de Delhi, disse em 2017 que as mulheres usam as leis de estupro por "vingança" quando um relacionamento chega ao fim.

"Este tribunal observou em várias ocasiões que o número de casos em que ambas as pessoas, por vontade própria, desenvolvem um relacionamento físico consensual, quando a relação se desfaz devido a alguma razão, as mulheres usam a lei como uma arma de vingança pessoal.

Elas tendem a apresentar tais atos consensuais como incidentes de estupro, talvez por raiva e frustração. Isso exige uma demarcação clara entre o estupro e o sexo consensual, especialmente no caso em que a queixa é que o consentimento foi condicionado à promessa de casamento", disse a magistrada.

Muitos indianos acreditam que as leis de estupro não devem ser usadas para regular relacionamentos íntimos, especialmente nos casos em que as mulheres têm liberdade de escolha e estão entrando em um relacionamento por opção.

A maioria dos integrantes do Judiciário também parecem compartilhar essa opinião e, em certa medida, isso explica por que a taxa de condenação em tais casos é muito baixa e a maioria dos homens é absolvida.

Em 2016, a Alta Corte de Mumbai também decidiu que uma mulher adulta instruída que tenha um relacionamento sexual consensual não pode mais alegar estupro quando a relação termina.

A advogada e ativista Flavia Agnes, de Mumbai, lembra, contudo, que muitas dessas queixas vêm de mulheres socialmente desfavorecidas e pobres de áreas rurais, que são frequentemente ludibriadas com promessas de casamento e depois abandonadas ao engravidarem. Ela acrescenta que, de acordo com o atual sistema legal da Índia, a lei de estupro pode ser o único recurso que elas têm para reivindicar indenização ou mesmo pensão alimentícia dos homens.

Por essa razão, Agnes sugere a promulgação de novas leis que, em vez de condenarem os homens a longas penas de prisão, os obriguem a pagar compensações a mulher e aos filhos desse relacionamento casual.