Kobe Bryant não morreu

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

  • D
  • Da Redação

Publicado em 29 de janeiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

“A morte é, enfim, um benefício”, diz Machado Assis no conto O Imortal. Para quem desfruta da imortalidade, é como experimentar a doença da alma interior, embora a alma exterior se mantenha viva, assim era o personagem narrado em mais uma história machadiana. Vivendo perpetuamente moço, eternamente jovem, tinha ele provado de tudo, “esgotado tudo; agora era a repetição, a monotonia, sem esperanças, sem nada”. Nisso, só lhe restava desejar a morte.

Kobe Bryant experimentará a imortalidade, não esta imortalidade machadiana, mas a oriunda da lembrança pelas gerações vindouras, que ao conhecer um pouco de sua brilhante trajetória tentará, como pessoa, dar o melhor de si mesmo, e quem sabe, alcançar, também, a imortalidade como pessoa humana que reconhece a imperfeição e então projeta uma outra forma de viver. Kobe nos ensinava a ser melhor como pessoas, com os outros e com nós mesmos. Ele se eterniza nesse início de ano, levando consigo seu projeto de imortalidade, sua filha.

Mas o medo de morrer (diferentemente do medo da morte), eternizado nas letras de Gilberto Gil, é o mesmo medo que nos toma conta quando ligamos a TV e temos a notícia de que o coronavírus pode se tornar mais uma epidemia mundial. Não queremos a morte nem a imortalidade, queremos viver e ao mesmo tempo ser mortais. Não há contradição nisso. Queremos ser a imortalidade do legado de Kobe Bryant, mas não queremos a imortalidade narrada por Machado. Queremos a morte desejada pelo personagem do conto, mas não queremos a morte trágica de Kobe nem tampouco a morte viral originada na China.

Morrer é aqui, a morte já é depois, lembra Gil em sua epifania musical. Então, enquanto o coronavírus não vem, cabe-nos dar o nosso melhor, tentando alcançar uma eternidade para além dos contos, aquela eternidade alcançada por um jovem atleta que nos deixa com uma lição: a resistência em viver diariamente as adversidades da vida viva. “tenho dúvidas sobre mim mesmo. Tenho inseguranças, tenho medo do fracasso…Todos duvidamos de nós mesmos. Não nego. Mas não deixo de resistir contra isso”, disse Kobe Bryant.

Enquanto o elixir da imortalidade não é descoberto, façamos a nossa própria porção mágica composta de humanidade, composta daquilo que Kobe nos ensinou: ser nossa melhor versão enquanto pessoa viva.

Kobe alcançou a imortalidade morrendo. Vive sem mais existir. Assim como o Machado de Assis autor, diferente do Machado narrador. Aquele nos rejuvenescendo ao tempo que se eterniza ao nos possibilitar conhecer as histórias do Machado de cá. Kobe não morreu. Machado não morreu. E nós, o que temos feito para alcançar nossa imortalidade?

Diego Pereira é doutorando e mestre pela UNB. Pós-graduado em Direito Público. É procurador federal e autor da obra “Vidas interrompidas pelo mar de lama” (Lumen Juris, 2018). Professor em Curso de Direito, costuma escrever sobre direito, literatura e cotidiano.

Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores