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Waldeck Ornelas
Publicado em 11 de agosto de 2020 às 05:29
- Atualizado há 2 anos
Li, duplamente entristecido, o artigo com este mesmo título assinado pelo ilustre arquiteto Paulo Ormindo de Azevedo (A Tarde, 09/08). Tristeza pela morte de Eusébio Leal, por quem fui recebido em Habana Vieja no ano 2000, em visita oficial que fiz àquele país, como ministro da Previdência e Assistência Social. Embora não fosse essa a minha missão institucional, foi para lá que me levaram, direto do aeroporto, porque sabiam da minha participação na recuperação do Pelourinho.>
Tristeza também pela crítica descabida ao “Novo” Pelourinho. Longe de mim desmerecer os méritos de Paulo Ormindo. Quando, em 1984, tive a missão de recuperar o prédio da antiga Alfândega, já então Mercado Modelo, vítima de incêndio, foi a ele que convidamos para fazer o projeto. Mas não posso concordar quando repete chavões.>
Como observou Milton Santos, a balança do desenvolvimento urbano pendia em desfavor do centro antigo “porque o Estado ainda não havia se disposto a uma intervenção de massa, a única capaz de renovar o centro velho, a única possível de ter êxito, o que afinal foi feito pelo atual governador da Bahia” (Pelo Pelô, Edufba, 1994).>
Com ACM o Estado deu a grande arrancada para a recuperação do nosso Centro Histórico. As quatro primeiras etapas recuperaram 334 imóveis em 16 quarteirões, mais 9 casarões destinados a relocação, ao custo de USD$ 24 milhões. Seguiram-se a quinta e a sexta; mas este trabalho estancou na sétima etapa.Parou por quê? Por que parou? Por que a continuidade não deu certo? Exatamente porque mudaram a lógica da recuperação até então seguida, para atender, por meio de um TAC, a um conjunto de desejos que não se compadecem da realidade. Vinte anos depois, com ACM Neto, a prefeitura assumiu o seu papel e a liderança do processo, espraiando as ações pela Cidade Baixa – cuidando não apenas do Comércio, mas também de Itapagipe – e fazendo importantes incursões pela Cidade Alta.>
O fato de que haja ainda hoje mais de 1.000 casarões em risco – rastreados por um resiliente trabalho da CODESAL que, aliás, aprecio de perto – grande parte deles desocupados, a mim me basta para descartar a falácia da expulsão da população local, fruto de uma narrativa política criada pela oposição sistemática a ACM, para desmerecer esta sua grande obra, de que tive a honra de ser um dos artífices. Argumento insustentável, até mesmo porque adotou-se o uso misto – comércio no térreo; habitação nos pisos superiores – estimulando a função residencial.A verdade é que as pessoas continuam a abandonar os bairros centrais em busca de melhores condições de moradia no restante da cidade. Este é o processo a reverter, para o qual ainda não despertou a iniciativa privada, mesmo com a disponibilidade de incentivos fiscais e urbanísticos municipais. Não me alinho entre os que acham que o Poder Público tenha que fazer tudo.Em Habana Vieja a opção de Euzébio Leal terá sido muito mais fruto da falta de opções. Vi as suas dificuldades para enfrentar aquele desafio diante de um contexto de bloqueio econômico que dificultava o acesso a fontes externas de recursos. Que bom que Paulo Ormindo tenha ensinado à UNESCO a forma de driblá-lo, em defesa desse importante patrimônio de nossa América, ainda que aqui a recuperação do Pelourinho tenha sido feita apenas com recursos próprios do Estado. Mas a verdade é que Cuba não os tinha. >
Já é tempo de acabar na Bahia esta visão maniqueísta de que tudo que é feito não presta, porque não foi o meu projeto o executado. Aliás, de todos os críticos do “Novo” Pelourinho, quem tem alguma realização efetiva para apresentar?>
O desafio é grande, o Pelourinho é da Bahia – e daqui para o Brasil e o Mundo. Ainda há muito o que fazer. Sua recuperação, restauro, conservação, valorização e preservação precisa da participação de todos, independente de partidos e ideologias. Basta que seja baiano de verdade!>
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional e ex-secretário do Planejamento, Ciência e Tecnologia da Bahia.>