Lázaro Ramos e Luedji Luna abrem Festival Literário Nacional em Cajazeiras

Veja a programação completa

  • Foto do(a) author(a) Tailane Muniz
  • Tailane Muniz

Publicado em 12 de novembro de 2019 às 19:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Cria do Cabula, na região periférica de Salvador, a cantora e compositora Luedji Luna iniciou a escrita para romper o silêncio. A voz imponente, diz, era calada não pela timidez, mas pelos traumas comuns às vítimas de racismo. 

A menina preta que, aos 12, escrevia sobre as próprias dores para se manifestar, hoje é uma artista consagrada, que, na manhã desta terça-feira (12), compartilhou sua trajetória com jovens negros, na abertura do Festival Literário Nacional (Flin), realizada no Ginásio Poliesportivo de Cajazeiras. 

Para a secretária de Cultura do estado, Arany Santana, uma realização. "O que estamos fazendo aqui foi uma recomendação do Governador Rui Costa, que é focar na juventude. Estão envolvidas associações de bairro e as instituições culturais. Estamos muito felizes de trazer esse grande evento para Cajazeiras, ou melhor, Cajacity”, brincou ela, sobre o populoso bairro que, este ano, no circuito das 31 festas literárias realizadas na Bahia.

E o Flin promove por lá, até sexta-feira (15), o "fortalecimento da identidade cultural". Confira a programação completa. A primeira edição da Flin acontece até sexta (15) em Cajazeiras (Foto: Marina Silva) Ao lado do ator Lázaro Ramos, Luedji foi a anfitriã do projeto O Violão e a Palavra, da Fundação Pedro Calmon (FPC/Secult). Aos olhos de dezenas de estudantes, disse que ancestralidade importa. Filha de um economista e uma historiadora, conta que foi uma criança planejada pelos pais. 

“O projeto deles era que eu ocupasse um espaço de poder. E aí começaram pelo meu nome”, diz, em referência a uma rainha africana do século 17. E embora tivesse acesso à literatura, assegura, Luedji não se reconhecia como as princesas brancas dos contos que lia. “Eu lia por obrigação. Porque não havia histórias sobre negros, eu não me via ali”, destaca.

‘Escrever para existir’ Daí a necessidade de escrever suas próprias linhas, lembra ela, aplaudida pelos jovens. A cantora, que é formada em Direito, disse que a literatura “brancocêntrica”, ou seja, feita por brancos e sobre a vida de brancos, mostra apenas o “ponto de vista do colonizador”.

Moradora de Águas Claras, região vizinha, a estudante Jade Adriele Lopes, 17 anos, compartilha da mesma opinião. À reportagem, se disse feliz de ver “dois artistas negros” à frente do projeto. “É de uma importância enorme para mim. Porque a falta de conhecimento é algo que nos distancia da arte”, afirma. 

Jade, que tem predileção por contos, comenta ainda que não conhece o projeto musical de Luedji, mas que do lado escritor de Lázaro Ramos ela já sabia. “Adoro. Ver de perto é muito bom. E me orienta. Não ter referências é sempre pior para o preto periféricos”, analisa.

Àquela época, sem referências muito distantes do poeta Carlos Drummond de Andrade e da escritora e jornalista Cecília Meirelles, ambos brancos, Luedji se tornou a sua própria. Vem daí as primeiras composições e outras escritas, aos 17 - quando também ganhou um violão. 

“Eu comecei a escrever para existir. Eu sempre tive um cabelo crespinho, sofria muito isso que chamam de bullying, mas que na verdade é racismo”, respondeu a Lázaro, que questionou o que a despertou para a música. O evento conta com palestras, shows e feira de livros (Foto: Marina Silva) 'Nosso reflexo' Leitora assídua, a estudante Taiala Pinheiro, 18, diz que abusa até dos livros em PDF. Não coloca barreiras, comenta, quando o assunto é leitura. "Eu leio muitas coisas", diz, ao citar O alienista, de Machado de Assis, como o favorito. "Tem Bicicleta Azul, também, que é de uma escritora francesa".

Taiala comenta, contudo, que o consumo de livros para além da literatura didática praticada em colégios públicos, por exemplo, não é acessível a todos. "Por isso esse evento é tão importante. Porque a gente ouve aqui, e vai em busca, vai atrás. Ler é adquirir conhecimento e todo mundo precisa disso", reforça.

O mesmo defende a amiga, a também estudante Joice Lopes, 18. "A gente acaba despertando o interesse a partir disso. As coisas que eles gostam podem ser as que vamos gostar, também, porque é o nosso reflexo".

A mesa de discussão que mobilizou o público na abertura do Flin terminou com o microfone aberto para a participação dos estudantes, comemorada pelo ator Lázaro Ramos. “Jovens interessados, querendo participar, a presença de escritores locais, acho importantíssimo. Quando juntamos arte, entretenimento e educação, a gente sai inspirado”, afirmou Lázaro, que começou a carreira no Bando de Teatro Olodum.  

E por falar em incentivo, Lázaro aproveitou para sugerir que Luna grave a primeira letra que escreveu. “Você cantou no Espelho [programa que apresenta na TV Globo] e eu achei a coisa mais linda, você tem que gravar”, disse aos risos. O ator não desperdiçou a oportunidade e solicitou o ao vivo. 

“Gente, não me julguem, eu só tinha 17 anos”, brincou Luedji, ao cantar para o público. “É sobre o primeiro beijo em um menino preto da Liberdade”. Aos risos, explicou que para além do título de cantora, orgulha-se mesmo é da possibilidade de cantar a própria história.