Líder de invasão a posto na Santa Cruz comanda bocas de fumo desde os 13 anos

Caíque Cerqueira, hoje com 19, também é suspeito de homicídios

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  • Bruno Wendel

Publicado em 12 de dezembro de 2018 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Almiro Lopes/CORREIO

À frente da invasão ao Centro de Saúde Osvaldo Caldas Campos, no bairro de Santa Cruz, onde 16 pessoas – entre servidores e pacientes – foram feitas reféns na segunda-feira (10), Caíque Silva Cerqueira, 19 anos, teve o mesmo destino de alguns jovens que cresceram sob a 'tutela' dos chefes do tráfico.

Cooptado pelo crime, ele se tornou ainda aos 13 anos responsável por gerir a venda de algumas bocas de fumo do bairro e, segundo a polícia, também era matador da facção Comando da Paz (CP), grupo criminoso que controla todo o Complexo do Nordeste de Amaralina.

Após um tiroteio que terminou com três suspeitos mortos – um deles identificado pela polícia como José dos Santos Farias, o Reis, 25 anos – e um policial militar baleado, suspeitos invadiram o posto de saúde no final da tarde dessa segunda e fizeram entre os reféns uma menina de 12 anos, que foi ao posto acompanhar a mãe. Os reféns foram liberados às 19h20.

A liberação das vítimas só foi possível após a chegada de familiares dos suspeitos e da imprensa, que acompanhou a prisão dos criminosos. Os quatro suspeitos, entre eles Caíque, foram levados em viaturas para a Central de Flagrantes, na região da Rodoviária.

De acordo com um policial da 28ª Delegacia (Nordeste de Amaralina), Caíque entrou no tráfico quando praticamente ainda era uma criança.“Ele não estudava. Vivia na ociosidade como alguns outros garotos da idade que o tráfico acabou cooptando. Incialmente, era 'aviãozinho' (na gíria policial é aquele que vende drogas) e acabou se destacando e, em menos de um ano, se tornou responsável por duas ‘biqueiras’, as chamadas bocas de fumo, e passou a andar armado”, informou o policial ao CORREIO.Com armas nas mãos, uma pistola niquelada e uma carabina, Caíque era tido como um dos matadores da facção. “Todo jovem traficante para ganhar moral no grupo tem que matar. É como se fosse uma iniciação para fazer parte da elite de matadores. E foi o que aconteceu. Tivemos vários relatos de mortes no Complexo do Nordeste atribuídas a Caíque”, contou o policial. 

Ainda adolescente, Caíque foi encaminhado para Delegacia do Adolescente Infrator (DAI). “Ele foi apreendido por porte ilegal de armas e tráfico”, disse o agente.

O jovem ainda participou do roubo da arma de um policial civil em 11 de agosto de 2015, no bairro do Rio Vermelho. Caíque, Reis e outro rapaz, morto em confronto com policiais civis e militares no ano passado, levaram a arma durante um assalto a uma padaria. Os criminosos roubaram também o dinheiro do caixa e depois, os clientes.

No momento do crime, três homens tomavam café na padaria. Uma dessas pessoas era o policial, que só percebeu a ação após ter uma arma apontada para a cabeça. Depois, um dos criminosos revistou o policial e encontrou a arma, uma Taurus ponto 40. Ninguém ficou ferido. À época, o policial era lotado na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Camaçari.

'Eu fiz de tudo', diz mãe de jovem A manicure Bárbara Silva Cerqueira, 43, mãe de Caíque, lamenta que o filho esteja envolvido com a criminalidade, e disse ter feito de tudo para impedir que isso acontecesse. Na tarde em que o filho se refugiou no posto de saúde, fazendo reféns, para escapar da polícia, ela havia mantido uma rotina que adotou há cerca de três anos, quando o filho saiu de casa. Levou o almoço para ele e conta que o deixou dormindo. Horas depois, foi uma das responsáveis por convencer seu caçula a se entregar aos policiais e libertar os reféns. 

"A gente dá conselho, mas eu não sei o que é que eles pensam da vida. A mãe fala tudo. Hoje eu levei comida para ele, deixei em casa dormindo, quando cheguei recebi uma ligação de que ele estava aqui fazendo gente de refém", disse na noite da invasão ao posto. Assista.

Mesmo usando uma bolsa de colostomia há três meses, desde que operou em decorrência de um "problema no intestino", Caíque foi o último a aceitar a rendição. A mãe contou ao CORREIO os argumentos que usou para convencer o filho.

"Eu falei que era para ele sair dessa vida e se entregar, pois sairia vivo e todos os amigos dele já tinham morrido. Ele só dizia: 'mãe, eu te amo. Mas eu só saio com a reportagem aí fora, senão eles me matam'", relatou."Eu nunca vi ele armado, mas sei que se envolvia, ficava muito em rua. Ele não tinha nenhuma necessidade de estar nessa vida. Eu agradeço à imprensa ter ido, senão eles [policiais militares] tinham matado eles", comentou a manicure.Além de Caíque, Bábara também é mãe da autônoma Érica Silva Cerqueira, 24, responsável por chamar a manicure até o posto. A informação que teve, a princípio, era que o filho estava dentro do posto de saúde, a cerca de 50 metros da casa família, no Largo do Teodoro, onde a filha já aguardava por notícias do irmão.

Ao chegar no local, por volta de 16h30 de segunda, Bárbara se tranquilizou: Érica já havia entrado no posto, com autorização da polícia, e trocado algumas palavras com o irmão. Na oportunidade, segundo a autônoma, o irmão disse que estava bem, e que sentia sede. A irmã, que não chegou a ver o suspeito, disse que não poderia levar água, e pediu que ele "pensasse bem".

Ao CORREIO, mãe e irmã do rapaz afirmaram que o jovem não chegou a estudar o ensino médio. Nascido e criado no Nordeste de Amaralina, morava com a mulher, uma jovem também de 19 anos, em casa alugada pela avó materna."Minha avó pagava a casa dele, minha mãe fazia a comida todos os dias. Não tem necessidade nenhuma de estar nessa situação. Eu não consigo me conformar", lamentou Érica, ao comentar um período de três meses que o irmão passou na cadeia, há cerca de dois anos. Conforme a Polícia Civil, Caíque, Danilo e os demais suspeitos vão responder por posse ilegal de armas, cárcere privado e formação de quadrilha. De acordo com o delegado Deraldo Damasceno, que também acompanhou as negociações, os quatro "são conhecidos da polícia".