Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Da Redação
Publicado em 25 de dezembro de 2022 às 12:57
Os presépios de madeira com os pais em volta do Menino Jesus já anunciam: vem aí a maior celebração em família do ano. Cristãos ou não, todos sabem que o Natal é tempo de confraternização familiar. Tempo de estar e cear com quem se ama, de enfeitar árvores juntos, de trocar presentes. Mas para quem não pode estar com os seus, o Natal pode ser um pouco triste. Ou até alegre com os seus amigos. >
O fotógrafo Valmir Mauro, 43 anos, terá que passar o Natal longe dos pais em Salvador. Ele se mudou para a Irlanda 7 meses atrás, e sente muita falta da família. Iniciou e terminou um relacionamento, e diz que só agora começaram a surgir as amizades. Passará a data com seu melhor amigo, que mora na Escócia, além de outros estrangeiros. Acredita que isso servirá de consolo. “Eu achava que estava preparado para esse primeiro Natal sem a família, mas eu não estava. Veio o inverno, a escuridão, o fim do namoro, tudo junto”.>
Algumas noites podem ser difíceis longe da família, mas certamente a véspera de Natal é a pior delas. As propagandas de TV, os cartazes, presépios natalinos, tudo invoca a velha tradição de celebrar em família. Mas estar entre amigos estrangeiros também pode ser divertido. E é sempre uma oportunidade de conhecer novas culturas e apresentar a sua para eles. Isso aproxima as pessoas. Preparar pratos típicos do seu país, conhecer os dos demais, trocar experiências sobre como cada povo celebra essa data pode enriquecer a vida de quem mora fora. Mas isso não quer dizer que a saudade da família não surgirá. A questão é aceitar e se adaptar a ela.>
Além da falta da família e do ex-namorado, Valmir ainda enfrenta o inverno rigoroso do Reino Unido nesse Natal, o que o deixa mais triste. “Teve duas semanas aqui com influência de uma massa de ar polar. Eu queria morrer”, conta ele. A Escócia promete ser ainda mais gelada que a Irlanda, mas o abraço do melhor amigo promete aquecer sua alma esse ano. “A primeira coisa que eu pensei foi procurar uma pessoa próxima. Uma pessoa que, na minha cabeça, também é minha família. E ele é. Tem me dado muito apoio”, explica Valmir. >
Seu amigo é casado com uma escocesa, e ambos passarão o Natal na casa da família dela. Uma festa típica da Escócia. “Vai ser um Natal familiar de qualquer jeito. Vai ter um núcleo familiar. E aqui o Natal é diferente. No Brasil, as famílias, uma vila se juntam, e fazem todos o Natal. Aqui é uma coisa mais íntima, do núcleo familiar mesmo. E a tradição do presente é muito importante. Todos compram presentes para todos”, descreve, comparando ao amigo secreto brasileiro. Todas essas novidades devem distrair a saudade do Brasil e dos pais de Valmir. Assim como continuar a fazer videochamadas com eles todas as noites.>
Videochamadas O cientista português Nuno Ferreira, 38, também utiliza os recursos das novas tecnologias como forma de aplacar a saudade. Ele faz videochamadas com os parentes todo Natal. Principalmente na noite em que todos da família de Nuno se reúnem em Lisboa para conversar com ele, rir e brindar virtualmente. >
Nuno também sofre com a distância da família do outro lado do oceano. Mas ao contrário de Valmir, ele tem de lidar com o calor de Salvador. Para ele, o clima nunca combinou com o seu costumeiro Natal no inverno. Radicado no Brasil, ele geralmente viaja para Portugal nessa data, mas esse ano o orçamento não permitiu. “Sem o frio, não é a mesma coisa. Natal mesmo é em Portugal”, declara. >
As festas da família costumam ser grandiosas – Nuno tem mais 7 irmãos –, mas terá que fazer um Natal mais simplório aqui, entre amigos e a namorada, para apaziguar a saudade. Saudade do clima, da família e até de alguns pratos típicos da ceia portuguesa que não são comuns aqui: borrego, polvo assado, filhoses de natal. “Minha família faz muita falta até hoje”, lamenta.>
Entre amigos Enquanto alguns enfrentam as diferenças geográficas, outros lidam com as religiosas. E por isso mesmo, festejam o Natal longe das famílias. O poeta Carlos Alberto Lima Filho, 41, é um bom exemplo. Apesar de bem próximo dos seus parentes, Carlos explica que sua mãe, irmã e tia são evangélicas, enquanto ele é agnóstico. >
As rezas e rituais religiosos que adotam não o agradam, e costuma se desentender com a família no Natal por causa disso. Para evitar possíveis brigas, ele comemora nos bares da cidade, regado a muita cerveja e rock’n’roll, na companhia dos seus melhores amigos. Todos possuem gostos muito parecidos, e convivem desde a adolescência.>
Geralmente, esses grupos de amigos antigos, com forte identificação entre eles, representam a segunda família do indivíduo. É o que sente Carlos Alberto. “É muito mais divertido passar o Natal com eles do que dando as mãos e rezando”, explica. Sua mãe e irmã já conhecem suas crenças e respeitam o fato dele optar pelos amigos na noite de Natal. “Elas até preferem assim”, sorri ele.>
Há aqueles que sofrem mais com a distância da família, e por isso utilizam alguns artifícios que já sabem que funcionam. O professor de História Glauber Albuquerque, 40, enfrenta a distância da família com temporadas ao lado dos amigos. Sua mãe mora na Paraíba e o pai, em Feira de Santana. Dias antes do Natal, viajou para a sua casa de praia em Saubara, no Recôncavo, com os amigos mais próximos. Proporcionou a si mesmo uma overdose de amizade para compensar depois a solidão na noite da celebração. “Busco me abastecer de afetos antes do Natal. De nutrir meus afetos”, explica ele, que com isso diz que não se sentirá sozinho esse ano. >
Glauber costuma passar a data com os amigos, mas eles estarão com familiares desta vez. Então decidiu celebrar sozinho em casa jogando videogame - como faz todo ano no seu aniversário. Glauber não se importa em ficar consigo mesmo, e se diz até feliz com isso. Mas não abre mão dos amigos. “Se alguém aparecer lá em casa, vai ser muito legal”, planeja.>
Companhia pet Mas há aqueles que não acham divertido passar o Natal entre amigos. Pelo menos, não amigos humanos. Algumas pessoas perderam os parentes para doenças como a covid-19 ou outro incidente qualquer e, no Natal, festa familiar por excelência, preferem se recolher sozinhos em suas casas. No máximo, toleram seus animais de estimação para aplacar a saudade de alguém que se foi. Principalmente quando se perde seu ente mais querido.>
Daniel Siqueira, 38, viu a amada mãe falecer há alguns anos. Era muito ligado a ela, com quem costumava comemorar a data. Ela faleceu justamente no Natal. Seu pai vive internado numa clínica psiquiátrica, e ele não lida bem com a irmã. Além de tudo, Daniel sofre de fobia social: é difícil para ele estar entre muitas pessoas. Apenas o filho, que mora em outra cidade, anima Daniel a sair de casa nessa data para visitá-lo. >
Por tudo isso, ele sempre opta por uma festa solitária, ao lado dos seus dois gatos. São eles quem Daniel considera seus melhores amigos. “Meu Natal é melhor assim. Não tenho proximidade com o resto da família e não me sinto bem com muita gente ao redor”, revela ele.>
Outro que vai passar o Natal longe da família é José Wilquens Dantas Filho, 43, músico. Costuma celebrar com sua ex-mulher, de quem é o melhor amigo, mas ela viajou esse ano para outra cidade. Dantas mora no Centro de Salvador, e considera muito longe visitar suas irmãs no Natal em Abrantes, região metropolitana. Como é muito próximo do filho Daniel, de 8 anos, decidiu que os dois festejariam sozinhos juntos pela primeira vez. “O sentido de passar o Natal é em família. Deu vontade de ficar só eu e ele, de viver essa experiência”, conta Dantas, animado. Como se vê, família é importante no Natal, mas existem vários arranjos familiares possíveis. Essencial é estar com quem se ama.>