Madame Butterfly, ou o improvável aconchego da borboleta gigante

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

  • D
  • Da Redação

Publicado em 13 de janeiro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

A primeira vez que a vi foi na noite de 4 de janeiro: na parede da lavanderia, borboleta gigante, em tons de ocre e marrom, estacionou feito estacionasse em aeroporto de borboletas gigantes. Amo borboletas desde sempre e, raciocínio lógico e dedutivo, intuí: borboletas gigantes merecem veneração ainda maior. Agradeci a visita com beijo à distância, e me recolhi. [Entre as asas, Madame Butterfly – como passei a chamá-la por conta da ópera homônima de Giacomo Puccini (1858-1924) – havia distância de cerca de 20 centímetros].

Sábado, 5 de janeiro, revi Madame Butterfly. Mudara o local de pouso. Na correria de manhã aperreada, disse-lhe bom dia, saí para pagar dívidas e caminhar. Ao voltar, avistei-a em outros momentos do dia, mas, no começo da noite, percebi: escapara pelos cobongós.

Dia seguinte, domingo, meu sono leve é interrompido pelo bater de asas de borboleta igualmente gigante que entra por basculante. Imagino possa ser borboleta irmã, ou parente, da Madame Butterfly que, por duas noites, ocupou a lavanderia. Pergunto-me: e se for a mesma Madame Butterfly de antes que viera passar o aniversário comigo? Decidi: era a mesma criatura.

Ela estacionou numa das paredes do quarto. Tomei o café da manhã e, ao voltar, ela continuava como se estivesse morta. Imaginei que pudesse estar machucada e a cutuquei com folha de papel. Ela se mexeu com preguiça. Aliviei-me: estava viva – e fui caminhar muito.

Na volta, encontro Madame Butterfly grudada na parte lateral de minha mala de viagem que viaja cada vez menos. Não importo se minha mala de viagem que viaja cada vez menos se transforme em aeroporto de borboletas gigantes. Quase não posso percebê-la. Os tons de ocre e marrom se se mesclam com o fundo cinza chumbo.

Recebo a visita de meu irmão que me traz abraço forte e plantas. Saio para almoçar. Na volta, continuo a atender ligações, a responder mensagens no zap, no face, no messenger, e no instagram – e ela continua lá, camuflada, como se torre de vigia fosse.

Anoitece. Vejo trecho de documentário sobre o escultor Auguste Rodin na tevê, mas tenho dificuldades em me concentrar. As felicitações de aniversário começam a rarear, e Madame Butterfly continua imóvel. Continuava, assim que deito na cama, ela desperta serelepe.

No chiaroscuro do quarto voeja em ziguezague, Faz voos rasantes sobre o meu corpo, mas evita me tocar. Talvez temesse que, pousando sobre mim, eu pudesse ter reação inesperada e a machucasse. De repente, pousa na cabeceira da cama, e nos contemplamos. Talvez quisesse me dizer algo, mas borboletas não falam, nem pensam – a razão presume.

Volta a voejar e insiste nos voos rasantes sobre mim. Então, como se marcasse a saída de Madame Butterfly de cena, estaciona na porta do quarto por alguns minutos, e voa em direção à cozinha e aos basculantes que dão para a rua. Não a vejo partir. Imagino a possibilidade de reencontrá-la no dia seguinte. Não a reencontro. Foi belo presente de aniversário enviado sabe-se lá por quem. Eu agradeço.