Mãe de prematuro, caso especial

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 1 de novembro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Deixar um/a filho/a na UTI neonatal pode ser "apenas um tempinho" pra quem vê de longe, mas não é bem assim. Sobretudo, pra quem pariu e vai passar o puerpério no mais alto nível de tensão. O abandono dos parceiros e a depressão são resultados comuns de um processo doloroso que envolve sentimentos de culpa, medo e solidão. O tempo pára num exercício de paciência no qual se vive um dia de cada vez, onde é muito comum "dois passos para frente e um para trás". Infecções, transfusões de sangue, medicações agressivas... são muitas as etapas possíveis nessas histórias que a enfermeira neonatologista e professora universitária Thais Calasans acompanha, há 29 anos e, ironicamente, também viveu. A dela, assim como muitas, teve um final feliz. Mas não há garantias além do fato de que as mães sempre estarão lá. E saiba: elas também precisam de cuidado especial.

Quanta - Você já era enfermeira neonatologista quando teve um parto prematuro. Como foi isso?

Thais - Foi uma gravidez de risco, fiquei quase toda de repouso. Com 27 semanas fui internada e com 31 ele nasceu pesando 1100g. Foi reanimado na sala de parto e transferido para a UTI neonatal.

Q - Quais eram os sentimentos, depois desse parto? T - Por mais preparada que eu pensasse estar, não ter meu filho nos braços - e nem ter visto ao nascer - foi muito doído. Primeiro, um sentimento de impotência por eu não cuidar dele, como já havia cuidado de tantos. Isso, mesmo sabendo que ele estava sendo cuidado por uma equipe de excelência. Tinha um medo absurdo e incontrolável de perdê-lo, uma dor da alma. Depois, veio uma culpa imensa. Pensava: "que marca de mulher é essa que eu sou, que não foi capaz de segurar esse filho até o final?"

Q - Essa culpa é comum? T - Muito. A grande maioria se questiona.

Q - Cuidar dos bebês, nessa situação, tambem é cuidar das mães? T - Esse é um dos pontos mais importantes. Um bebê na UTI neonatal, não é só o bebê. É uma mãe, uma família, com todos esses sentimentos. Então, a equipe tem que acolher e cuidar de todos, principalmente da mãe.

Q - O puerpério já é um momento de solidão. Que tipo de apoio extra a mãe de prematuro demanda? T - Pai/companheiro, familiares, amigos, todos precisam apoiar essa mulher. Apoio emocional, inclusive ao chegar casa sem o filho... isso é sofrido demais. Mas também na logística das visitas, na rotina.

Q - Normalmente, a mãe que tem essa rede de apoio pode contar com ela durante todo o tempo de internamento do bebê? T - Muitas vezes as pessoas em torno vão voltando para as suas rotinas e a mãe vai perdendo apoio. Já vi casos de pais que abandonam, separam nesse momento. As vezes relações que já não estavam bem, mas já vi pai que não segurou a onda mesmo, preferiu sair fora. Isso acontece principalmente em casos bebês com síndromes e afins.

Q - O risco de depressão pós-parto é potencializado em mães de prematuros? Há dados sobre isso? T - Sim. Existem dados de que a depressão pós-parto chega a ser o dobro, se compararmos mães de prematuros com mães que chegaram ao final da gestação.

Q - O fortalecimento do vínculo entre mãe e bebê já é uma questão a ser trabalhada, mesmo quando eles nascem a termo e vão para casa. Como cuidar disso com o RN na UTI? T - Existe todo um trabalho e atenção da equipe em relação ao fortalecimento desse vínculo. Passa pelo incentivo à amamentação, ao toque, permanência da mãe (ou pai, ou outro acompanhante) 24 horas com o bebê. Isso é lei.Q - Essa lei é cumprida, plenamente, em nosso sistema de saúde? T - Não. Inclusive, muitas mães nem conhecem os seus direitos.Q - Como devem agir se tiverem esse direito negado? T - Normalmente, quando reivindicam são acatadas. Porém, muitas vezes, a estrutura do hospital não favorece. Como uma mãe recém-parida, tem condições de ficar ao lado do seu bebê por tanto tempo, sentada em uma cadeira ou em uma poltrona? Outras dificuldades, muitas vezes, envolvem a própria mãe. Muitas não podem estar as 24 horas no hospital, tem a casa, outros filhos... não é simples. Tem a estrutura em casa, que precisa ser montada, e tem a estrutura hospitalar, que precisa existir para acolher essa mãe.Q - E quando o bebê vai pra casa? T - É uma mistura de alegria (com certeza!) com o medo de não dar conta. São MUITAS demandas. O prematuro tem muitas "atividades" a serem cumpridas: consultas com pediatra, neuropediatra, fisioterapia motora, oftalmologista... claro que vai depender de cada bebê.Q - Fora isso, o trabalho formal já que, a essa altura, a licença maternidade não dura muito mais tempo. T - Sim! Se o bebê, por exemplo, ficar dois meses na UTI, já são dois a menos em casa. Em algumas situações se consegue prolongar a licença, mas não é o habitual. Isso sem contar que o pai não tem direito a essa licença prolongada, aí a rede de apoio tem que ser intensificada. Num primeiro momento, é importante só ter por perto quem vai, realmente, ajudar.Q - O que você aprendeu sobre mães de prematuros e que conselho pode dar para quem tá começando essa aventura? T - Aprendi que a mãe do prematuro se reinventa, vira bicho e luta com o filho pela sobrevivência. E digo que ela precisa ser incentivada a comemorar cada conquista, cada melhora, cada gota de leite ordenhado, cada grama que o bebê ganha. Isso nos dá força, retroalimenta o amor.