Mãe perde guarda da filha após garota participar de ritual de candomblé

Guarda da menina foi passada para avó, que é evangélica e denunciou

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  • Da Redação

Publicado em 7 de agosto de 2020 às 10:23

- Atualizado há um ano

. Crédito: Raul Golinelli/Fotos Públicas

Uma mãe perdeu a guarda da filha de 12 anos depois que a garota passou por um ritual de iniciação no candomblé, tendo a cabeça raspada, em Araçatuba (SP). 

Segundo o Uol, o fato aconteceu depois que o Conselho Tutelar da cidade recebeu denúncias de familiares de que a menina estaria sofrendo maus-tratos e abuso sexual. Uma das denunciantes foi a avó da garota, que é evangélica, e a defesa da mãe alega que o caso é, portanto, de intolerância religiosa.

A primeira denúncia, em 23 de julho, foi anônima. Ela dizia que a garota sofria abusos sexuais e maus-tratos no terreiro. Policiais militares e conselheiros foram então até o local.

A garota negou que sofresse abusos. Ela contou que estava no terreiro por conta do ritual de iniciação. A mãe contou que durante essa cerimônia a menina não podia sair do terreiro.

As duas foram levadas para a delegacia e só foram liberadas depois que a menina passou por exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML). Nenhuma lesão foi encontrada. 

O ritual envolvia raspar a cabeça da garota, que estava se tornando filha de Iemanjá. O novo adepto precisa ficar 21 dias no terreiro em retiro espiritual na iniciação, recebendo banhos de ervas e conhecendo fundamentos da religião. Raspar o cabelo é um ato sagrado para simbolizar esse momento de início.

Familiares que não aceitam a religião fizeram nova denúncia depois da liberação de mãe e filha. O boletim de ocorrência afirmava que a menina era mantida de maneira abusiva e à força no terreiro. Novamente, PMs e conselhereiros foram até o local, mas não acharam ninguém, já que a garota já tinha retonrnado para casa.

Mesmo assim os familiares não desistiram e, com apoio do Conselho, levaram o caso à Promotoria. Diziam que o cabelo raspado configurava lesão corporal. A Justiça aceitou os argumentos e determinou a transferência da guarda da garota para a avó materna. Mãe e filha, desde então, só se encontram em visitas curtas e controladas e conversam pelo celular.

A mãe da menina, que é manicure e está no candomblé há dez anos, diz que está arrasada pelo preconceito que sofreu. "O pior de tudo é que em nenhum momento ouviram minha filha ou a mim. Simplesmente a tiraram de mim. Eu nunca a obriguei a nada, esse sempre foi o sonho dela. Ela está chorando a todo momento, me liga de dez em dez minutos querendo vir para casa". afirma.

Ela diz que acompanhou todo processo da filha e que não houve nenhum tipo de constrangimento. "Nunca imaginei passar por isso por conta de religião. Eu estava presente o tempo inteiro, acompanhei tudo, nada de ilegal foi feito, que constrangesse a ela, ou que ela não quisesse, sem consentimento dela, ou sem o pai ou a mãe, foi tudo feito legalmente", garante.

Pai de santo da família, Rogério Guerra disse que a situação traz uma "tristeza profunda". "Eu já vi perseguição, preconceito, pessoas que são agredidas e apedrejadas na rua, terreiros que são incendiados. Mas nunca algo assim".

Na última semana, a avó não autorizou que a mãe visitasse a menina. Revoltada, a garota fugiu de casa e foi localizada depois pela polícia e levada de volta.

A liberdade religiosa é garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que afirma que pais e responsáveis têm direito de transmistir suas crenças para os filhos.

O Conselho Tutelar de Araçatuba e os familiares que estão com a garota preferiram não comentar o caso, que segue em segredo de Justiça. A mãe deve ser ouvida em uma nova audiência, ainda sem data prevista.