Mãe Stella de Oxóssi ganha memorial um ano após sua morte

Espaço criado por companheira da ialorixá fica em Itaparica

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 29 de dezembro de 2019 às 05:10

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

Um ano após seus filhos de santo a verem partir para o plano espiritual, aos 93 anos, Mãe Stella de Oxóssi voltou a ser celebrada com festa neste sábado (28), com a inauguração de um memorial que leva o seu nome, localizado no alto de um morro em Vera Cruz, na Ilha de Itaparica.

Da celebração fazem parte o lançamento dos livros Ofún e Ejonile (ambos pela editora Autorale), incluídos na coleção Odù Àdájo, escritos por Mãe Stella e sua filha de santo Graziela Domini Peixoto, 57, também companheira da ialorixá por 25 anos – 14 deles morando na mesma casa –, até Mãe Stella deixar o plano terreno, em 27 de dezembro de 2018.

O memorial fica localizado no primeiro andar da Fundação Portal da Lua,  em uma casa com bela vista para a Mata Atlântica e o mar da Baía de Todos-os-Santos, no alto de um morro conhecido como Porto Sobral ou Buraco do Boi.“Nessa vista reunimos Oxóssi (que representa a força nas matas) e Iemanjá (rainha das águas) numa só imagem”, disse Graziela. “E aqui do quarto, deitamos na cama, conseguimos ver a lua nascendo no mar, por isso esse nome de Portal da Lua”, completou.No memorial, todo montado por Graziela, cujo nome iniciático na religião do Candomblé é “Iyá Iberê” (mãe que faz perguntas), há fotos, quadros, livros, móveis e roupas que eram usadas por Mãe Stella, quinta ialorixá a comandar o terreiro Ilê Axé Opó Afonjá, localizado no bairro de São Gonçalo, em Salvador.

Ao subir as escadas que dão acesso ao memorial, o visitante observa logo de cara uma placa referente à Medalha Arlindo Fragoso, concedida em 24 de março de 2011 pela Academia de Letras da Bahia, onde desde 2013, após ser eleita por unanimidade, Mãe Stella ocupava a cadeira de número 33, cujo patrono é o poeta Castro Alves.

O reconhecimento da Academia de Letras da Bahia foi pelo fato de Mãe Stella, que era estudiosa e divulgadora da crença nos orixás, escrever livros e artigos em jornais sobre a temática do Candomblé, na qual a sua marca era a difusão dos conhecimentos sobre a religião de matriz africana, pregando sempre a paz entre as pessoas. Livros de Mãe Stella estão entre os itens do memorial (Foto: Divulgação) Doutora Honoris Causa

Ao lado da placa com a medalha estão fotos de quando Mãe Stella recebeu o título de doutora Honoris Causa da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), em 2009, ano em que comemorou 70 anos de iniciação religiosa. Quatro anos antes, era recebera da Universidade Federal da Bahia (Ufba) o mesmo título.

Detalhe é que a beca de doutora Honoris Causa de Mãe Stella foi feita exclusivamente para ela. “O normal é a beca ser preta, mas como ela não vestia preto, foi encomendada para ela uma beca azul, foi uma exceção que fizeram”, contou Graziela, enquanto mostrava o espaço, que ficará aberto a visitantes e pesquisadores.

Desapegada de bens materiais, Mãe Stella, segundo relata Graziela, certo dia se viu apegada a um sofá durante um passeio no centro comercial de Salvador. “Ela nem quis saber do preço, só queria o sofá para ela, e eu fui lá e comprei, mas não foi muito caro. Ela gostava muito desse sofá, era onde conversava com as pessoas”, disse, sobre a peça que faz parte do acervo do memorial.

Intimidade

Em outro cômodo do memorial estão roupas, uma cama e a mesa onde Mãe Stella jogava os búzios. “Eles estão guardados aqui e vamos preservar para que as pessoas possam conhecer mais sobre a vida e a intimidade de Mãe Stella, são raridades que só agora o público em geral poderá conhecer”, afirmou Graziela.

As visitas ao memorial precisam ser agendadas, e se for para fazer pesquisas acadêmicas há abertura para ocorrer até pernoites no local por uns dias, no quarto de hóspedes. “Venho construindo esse local há 25 anos e só agora é que tomou a forma como deveria ser. Sinto que isso é uma missão em minha vida”, disse Graziela. Fotos e a beca azul usada pela ialorixá ao receber título de doutora honoris causa também fazem parte do acervo (Foto: Divulgação) A companheira de Mãe Stella informou que não buscou auxílio de especialistas em museologia ou qualquer outro para montar o memorial. “E nem busquei ajuda financeira também, foi tudo feito com amor e muita dedicação, como Mãe Stella merece que seja o cuidado com a sua obra”, comentou.

Durante esse primeiro ano que Mãe Stella mudou de plano espiritual, Graziela, segundo contou, passou a se dedicar também a concluir outros três livros sobre Candomblé, a pedido da mãe de santo. A coleção de livros é sobre os 16 caminhos dos búzios, “com muitos ensinamentos sobre a religião e sobre a vida”, completou.

Informações sobre a vida de Mãe Stella podem ser conferidas também no site “www.fundacaoportaldalua.com.br”, criado por Graziela, que denomina o sentimento dela e Mãe Stella como de “amor apaixonado”.

“A paixão quando unida ao amor é a sensação permanente do Sagrado morando em nós, o que dá um sentido único à vida. O Amor Apaixonado é sagrado, por isso, Eterno”, ela escreve.

“Eu tenho como sentido de vida a manutenção e ampliação do legado deixado por essa grande sacerdotisa, o que é feito através do memorial Mãe Stella de Oxóssi, aportado na Fundação Portal da Lua: um sonho idealizado por mim e, é claro, adotado por Mãe Stella”.

Graziela relata que “o amor vivido por mim e por Mãe Stella é representado pela união entre o Sol e a Lua. Em 1993, escrevi: A Lua encanta a todos, mas não é de ninguém. Um dia, porém, encontrará o Sol e será apenas dele, para juntos poderem, enfim, encantar a todos”.