Mães de colo vazio: vamos falar sobre isso?

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 10 de janeiro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Cerca de 20% das mulheres grávidas passam por perdas gestacionais, antes do terceiro mês, quando ainda sequer anunciaram que seriam mães. Se muitas lidam bem com esse acontecimento, outras mergulham em sofrimento profundo e, muitas vezes, silencioso. Essa é só uma das situações onde um aborto pode acontecer. O sentimento da mulher, nesses casos, é um tema que está longe de ser bem administrado na família, em outros núcleos sociais e por equipes médicas. O Coletivo Flor de Jasmim nasceu com a proposta de mobilizar mulheres que passaram por essa perda em qualquer fase da gestação e também aquelas que perderam seus bebês no trabalho de parto ou na UTI neonatal. O grupo, que promove a sua primeira roda de conversa, gratuita, às 13h deste domingo, na Casa Rosada (Travessa dos Barris, 30), pretende inserir esse tema na pauta de políticas públicas, protocolos hospitalares e direitos das mulheres. Puxando o debate, Adriana, Kelly e Letícia. Adriana Cerqueira Silva, antropóloga, mãe de Jasmim (bebê estrela), idealizadora do coletivo Flor de Jasmim "Tive contato com a perda gestacional através da minha, pois até então eu não ouvia falar muito e tive contato próximo apenas com uma amiga que passou por uma perda neonatal. Estou falando da dor na alma que sentimos, dos maus tratos, da invisibilidade dessa mãe e da violência obstétrica também sofrida nesse momento. Eu estava me preparando para parir, queria um parto natural, humanizado, minha gravidez era de “risco” como a medicina denomina, pois tinha 42 anos. Vi meu sonho desvanecer e recebi toda a brutalidade que um serviço de maternidade oferece para as mulheres que sofrem abortos. Fui preparada para passar pelo procedimento da curetagem, senti uma forte cólica era a saída do saco gestacional, então chamei a enfermeira, ela trouxe um pote, perguntei a ela se meu bebê estava dentro do saco gestacional, prontamente ela me respondeu: " tem uma coisa aqui dentro". Eu me calei, fui para o centro cirúrgico da maternidade, onde tive que passar por uma longa espera ao lado de mães que estavam ali para darem a vida a seus bebês, mães que já haviam dado a vida a seus bebês, ouvi os primeiros choros dos bebês que nasciam. Implorei a enfermeira chefe para me tirar daquele lugar, que eu pudesse esperar a minha hora lá fora, e não fui atendida, o pai da minha filha não podia entrar comigo afinal eu era a paciente da curetagem e não da cesariana, então não podia ter acompanhante. A partir daí, uma sucessão de falta de empatia até a hora da permitida alta hospitalar. Meu sofrimento naquele espaço foi ignorado e o de muitas mulheres que perdem seus bebês são ignorados todos os dias, pelo mundo. Tenho elaborado e vivido meu luto tentando entender o tabu secular que é falar sobre a perda gestacional, o silêncio impera desde nossas avós e mães, ninguém sabe tratar essa mãe, sejam as equipes de saúde, sejam amigos, sejam os pais dos bebês, (não desconsiderando que alguns pais sofrem a perda dos seus filhos, insisto que nessas situações a dor abissal é da mãe, o coração bate dentro do nosso útero). A sociedade não sabe tratar o luto, ainda menos o luto de uma mulher que passa por um óbito fetal". Kelly Oliveira Lima, socióloga, mãe de Benjamim "Muitas mulheres me falavam do medo de perder o bebê, mas poucas vezes ouvi sobre cuidados com as mães que perdem suas crianças ainda no seu ventre. Perdi três sobrinhos ainda no ventre de minhas cunhadas, senti, tentei ajudar, mas percebo que o silêncio foi o caminho mais breve para tratar dessa questão dolorosa. Até que depois de ser mãe, vi de perto uma amiga que perdeu o seu bebê e agora eu entendia o que aquilo significava. Mesmo não tendo perdido o meu filho, compreendi que “quando uma mãe perde um filho/filha, todas as mães perdem um pouco também”. A gente entende pois teve medo de perder e sabe como seria tamanha dor. Foi na maternidade de minha amiga, que eu conheci essa realidade invisibilizada. Percebi os silêncios em torno disso, quando muitas vezes algumas pessoas evitaram visitá-la, ou não sabiam se poderiam falar ou não sobre a perda. Ou até mesmo a falta de entendimento de muitas pessoas sobre aquela dor, pois afinal de contas: -“o bebê não nasceu”... “você pode tentar de novo”. Entendi com tudo isso, que cada bebê é único e uma mãe, com seu filho nos braços ou não, será para sempre mãe. Notei, então, o quanto a sociedade está despreparada para essa realidade, despreparo esse expresso na falta de protocolo adequado nos hospitais/maternidades, na falta de trato dos profissionais envolvidos, e na incompreensão das pessoas sobre todo esse processo de profunda dor." Leticia Cárceres, psicóloga e terapeuta de thetahealing "É muito difícil falar de luto abertamente, sendo que estamos todos os dias falando sobre nossas perdas de maneira cotidiana sem perceber, mas imagine o difícil que é falar sobre um luto gestacional, de um bebê que não nasceu? É justamente por isso que a dor de essa mãe acaba sendo a maioria das vezes negligenciada, ignorada e até esquecida. Para a grande parte da sociedade que não viveu um caso de perda gestacional, trata-se de uma perda sem tanto peso já que não existe uma materialização do ser perdido, não existe um corpo humano para ser chorado e - no caso de gravidez de primeira viagem - também não existe uma mãe que acabou de perder um filho. Porém, é importante destacar aqui que, sim, existe uma mãe atrás dessa mulher que está tentando por todos os meios ficar bem e ser forte para continuar em frente….”porque vida que segue, não é?” Ninguém para pensar o que está acontecendo por dentro com aquela mulher, ninguém se pergunta se ela vai ficar bem, porque todos tem certeza disso, inclusive ela mesma que poucas vezes se permite chorar pela perda “imaterial” no sentido de não ter um corpo materializado para enterrar. Mas na verdade ela tem muito por que chorar, o luto dela é imenso, se trata de um processo de simbolização enorme que acontece desde o momento em que essa mulher sabe da gravidez e decide continuar em ela para automaticamente passar a ser mãe. É em essa nova situação física e psíquica que começamos a ver o quanto está envolvido naquele útero minúsculo capaz de alojar tanto, não só a pessoa por nascer, mas milhões de expectativas".