Maestro da mão abençoada: tocada por Dulce duas vezes e pelo Papa Francisco 

Na cerimônia de canonização, miraculado levou taça de ouro com pétalas de rosas brancas

Publicado em 14 de outubro de 2019 às 05:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Jorge Gauthier/CORREIO

Irmã Dulce tocou na mão direita do maestro baiano  José Maurício Bragança Moreira, 51 anos, por duas vezes quando ele era jovem. Quando ficou adulto, acometido por um glaucoma, perdeu a visão. Cego, foi justamente essa mão o que viu por último. Quatorze anos depois, em 2014, voltou a enxergar depois de rezar para Irmã Dulce - primeira santa brasileira, canonizada ontem em cerimônia de 2h30 no Vaticano.

A mão direita foi a primeira coisa que voltou a ver. Sua cura foi o segundo milagre reconhecido pelo Vaticano atribuído a Irmã Dulce. Ontem, durante a missa de canonização, participou do ofertório levando em uma taça de ouro pétalas de rosas brancas. As pernas tremeram e a mão direita também. “Foi aí que o papa tocou na minha mão direita. A mesma que Irmã Dulce havia tocado. Foi uma questão de segundos. Ele deu dois toques como se me acalmasse. Me sinto honrado por mais esse presente que Irmã Dulce me deu”, emociona-se José Maurício. Leia o especial Pelos Olhos de Dulce

Ele, inclusive, iria cantar antes da missa junto com Margareth Menezes, Waldonys e Padre Antônio Maria, mas em função do protocolo do Vaticano não pôde. “Como participei junto com os outros miraculados [pessoas que são salvas por milagres] não cantei, mas fui honrado por poder ver o papa de perto e ser tocado por ele”, agradeceu Maurício que cantará nesta segunda-feira (14) na primeira missa em homenagem a Dulce no mundo que será realizada na Basílica de Sant’Andrea della Valle, em Roma, e também na comemoração dia 20 de outubro na Arena Fonte Nova.  

Esposa de José Maurício, Marise Mendonça compartilhou da mesma emoção de está perto do papa. “Nunca imaginamos que a intercessão de Irmã Dulce para curar ele nos trouxesse aqui. É uma emoção muito grande ver o papa de perto”.

Na fila A primeira vez que Irmã Dulce tocou em José Maurício ele tinha 16 anos. Estava no estágio em uma fila para pegar um autógrafo de Dulce. Ao se aproximar da religiosa, lembrou-a que seu avô, dono do armarinho Bragança na Rua Chile, era seu apoiador e doador. Nessa hora, ela lhe deu um afago com o olhar, ele foi e beijou sua mão direita. Ela retribuiu o gesto. Os anos se passaram e a mão que Dulce beijou foi a última coisa que o então técnico em informática enxergou. Aos 31 anos, acometido por um glaucoma, ficou cego.

Em 2014, 14 anos depois de ficar cego e rezar para Irmã Dulce pedindo que ela aliviasse as fortes dores provocadas por uma conjuntivite, voltou a ver - a primeira coisa que enxergou foi justamente a mesma mão que, anos antes, a freira havia beijado. A cura de Maurício foi o segundo milagre atribuído a Dulce e reconhecido pelo Vaticano.

“Eu estava com uma forte conjuntivite e sentindo muitas dores. Peguei uma imagem que era de minha mãe, já falecida, e botei sobre meus olhos. Fiz uma prece muito forte. Pedi que ela diminuísse minha dor. Quando eu acordei, olhei para minha mão e vi como se ela estivesse em uma nuvem. Pouco mais de um mês depois desse dia, a nuvem já estava completamente dissipada e eu já enxergava tudo. Eu tive um derrame no olho. Estava três dias sem dormir. Eu não aguentava mais de dor”, conta ele que, após ficar cego, estudou e tornou-se maestro.

A oração, segundo Maurício, foi feita em silêncio por volta das 4h.“Pedi um sono tranquilo e que minhas dores diminuíssem. Assim que eu terminei de rezar, botei a imagem no criado-mudo e já dormi. Umas 8h comecei a fazer umas compressas com água gelada para acalmar o olho com papel toalha. Em uma das vezes, vi minha mão. Entrei em pânico de felicidade”, recorda Maurício.Trabalhando em corais, conheceu Marise Mendonça, 54, funcionária do INSS. Foi justamente ela, com quem casou quando era cego, a primeira pessoa que Maurício viu. “Quando eu cheguei em casa, ele estava na porta tremendo. Ele pegou meu rosto, olhou bem de perto e disse que eu era linda. Foi a primeira vez que ele me viu. Nós jamais imaginaríamos que um dia ele ia voltar a enxergar”, conta Marise, que é mãe de dois filhos - criados, hoje, com ela e Maurício.

Muitas coisas mudaram depois que a visão de Maurício voltou. Uma das mais sofridas para ele, foi a separação da sua cão-guia, Dini. Ela teve que ser doada para outra pessoa cega. “Meu coração sente até hoje”, resume o maestro.

Depois que ficou cego Maurício teve que construir uma nova vida.

“Eu tive que me redescobri. Como maestro, encontrei uma nova profissão e dei um novo sentido à minha vida. Irmã Dulce deve ter sentido isso. Eu acho que fui escolhido por ela para ser o objetivo desse milagre pela misericórdia. Ela intercedeu a Deus por mim. Foi muito misericordiosa comigo. Eu não pedi a ela para voltar a enxergar”, explica Maurício, que antes de se mudar para Recife chegou a trabalhar como maestro na Osid.

A relação de Maurício e Dulce também tem um toque de herança familiar. O avô e o pai de Maurício, que comandavam o armarinho, eram doadores constantes para a freira. “A primeira vez que eu a vi foi quando eu tinha 11 anos em uma excursão da escola. Mas não falei com ela. Aos 14 anos, quando eu fui trabalhar com meu pai, a presença dela era sempre constante lá. Um dia, ela chegou perguntando o que tinha para ela. Saiu de lá com piso, portas e janelas”, recorda-se.

“Minha família é da Cidade Baixa e sempre tive boas memórias e histórias sobre Dulce. Sempre houve muito respeito e admiração da nossa família com ela em vários momentos das nossas vidas. Minha mãe, antes de morrer, por exemplo, nos falava muito sobre Dulce”, completa Maurício que domingo (13) estará no Vaticano.

* Jorge Gauthier é chefe de reportagem do CORREIO e está em Roma para fazer a cobertura da canonização de Irmã Dulce

*O projeto Pelos Olhos de Dulce tem o oferecimento do Jornal CORREIO e patrocínio do Hapvida.