Mais de 289 mil empresas estão inadimplentes na Bahia

Pesquisa aponta que economia ainda sofre os impactos da pandemia

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  • Gil Santos

Publicado em 23 de maio de 2022 às 06:00

. Crédito: Ana Lúcia Albuquerque

No início da pandemia, o isolamento necessário provocou o fechamento de bares e restaurantes, reduziu operações e o efeito colateral de tudo isso diminuiu a quase zero o número de contratos de fornecimento de pão de alho da empreendedora Cleide Andrade.

“Três meses após o início da pandemia eu já não tinha quase mais nenhum contrato. Os restaurantes tiveram quedas no faturamento, mudaram os cardápios e suspenderam a parceria. Eu recorri às redes sociais para conseguir manter o negócio e montei um sistema de entregas. Ainda assim, o faturamento não é o mesmo, porque o poder de compra das pessoas ainda está baixo”, afirmou. 

O coronavírus veio em um momento que a empresa estava crescendo. A Rainha do Pão de Alho (@rainhadopaodealho), na época, tinha consolidado parceria com grandes marcas, contratado uma auxiliar e estava ampliando as vendas. “Eu recorri às redes sociais para conseguir manter o negócio e montei um sistema de entregas. Ainda assim, o faturamento não é o mesmo”, conta. 

Apesar de a economia ter voltado a girar, a crise ainda afeta a rentabilidade e crescimento dos negócios.  O número de empresas inadimplentes na Bahia aumentou 4,3% em 2022, na comparação com o ano passado. Até março, 289.650 micro e pequenas empresas estavam no vermelho, e os setores de serviço e de comércio são os mais afetados. O Indicador de Inadimplência das Empresas da Serasa Experian, divulgado em maio, apontou que 5,51 milhões de negócios estão endividados em todo o Brasil, e os especialistas estão pouco otimistas com o futuro.   

Diante desse cenário, não teve outro jeito: Cleide precisou buscar outras alternativas para garantir a sobrevivência do seu negócio.  “Encontrei outra atividade para complementar a renda e abri uma empresa de entrega de quentinhas em parceria com uma amiga doceira que também foi prejudicada pela pandemia”. Pela manhã, as duas trabalham no Rango das Meninas (@rangodasmeninasofc) e, à tarde, se dedicam aos seus negócios individuais. 

Segundo a pesquisa, o crescimento da instabilidade econômica foi provocado por uma sucessão de acontecimentos desastrosos. Primeiro, surgiu o vírus que arrastou o mundo para uma crise financeira. Depois, a inflação disparou, o poder de compra do consumidor diminuiu e o desemprego aumentou. E, em seguida, houve o reajuste nas taxas de juros. 

No início do mês, por exemplo, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou a taxa Selic de 11,75% para 12,75% ao ano. Esse foi o décimo aumento seguido da taxa básica de juros da economia. Isso sem contar o fato de que o Brasil alcançou a maior inflação dos últimos 26 anos em um mês de abril, quando o índice chegou a 1,06%. Em 12 meses, os preços subiram, em média, 12,13%.  

Professora de Administração da Unifacs, especializada em empreendedorismo e estratégia empresarial, Luciana Buck, destaca que o aumento da inadimplência no país não foi uma surpresa: “Não surpreende porque foram dois anos de pandemia, em que alguns setores ficaram até 12 meses sem funcionar. No caso da Bahia, foram dois anos sem carnaval, o que causou impacto direto nas áreas de serviço e comércio. Muitas empresas que pegaram financiamento para sobreviver nesse período, agora estão tendo que fazer lucro para conseguir pagar, mas o poder de compra das famílias ainda está baixo”, analisa.  

Os setores mais prejudicados são os de serviço, que tem 2,8 milhões de inadimplentes, e comércio, com 2,2 milhões de endividados. Em seguida, aparece a indústria 446 mil e outros segmentos somam juntos 28 mil micro e pequenas empresas no vermelho. O presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio do Estado da Bahia (Sindilojas), Paulo Motta, pontua que cerca de 4 mil lojas fecharam as portas durante a pandemia e que 15 mil empregos foram perdidos. Ele reclama dos juros, mas está otimista. 

“O reajuste de taxas como a Selic impacta diretamente nos setores de bens duráveis, aqueles que usam muito do crédito como móveis, eletrodomésticos etc. Então, isso atrapalha o crescimento. Mas acreditamos que teremos uma melhor recuperação no segundo semestre deste ano, e esperamos que no último trimestre a gente consiga atingir o patamar de antes da pandemia”. 

Dividas de tributos, dívidas financeiras de tomada de credito, contratos com fornecedores e funcionários. O economista e educador financeiro, Edísio Freire, afirma que estas são as principais despesas que tiram o sono do empreendedor endividado. Assim como nas finanças pessoais, muitos negócios acabam operando sem reserva de emergência para momentos de crise.  

“Aquelas empresas que tinham essa reserva conseguiram superar os efeitos de forma um pouco melhor, mas a grande maioria não teve isso. Sem economia girando, consumo e renda, inevitavelmente, as empresas se endividaram. As empresas que continuaram funcionando elevaram muito seu nível de endividamento com essa redução drástica na receita”, disse.  

O conselho é reorganizar os números, entender qual é a real situação da empresa e trazer os elementos do endividamento para mesa. “E a partir daí, comece a traçar um plano dentro da capacidade financeira de operação do negócio para ir sanando essas dívidas. Busque acordos com fornecedores, instituições financeiras, aproveite linhas de parcelamento para tributos e vá diluindo essa dívida para tentar manter a empresa ativa”, orienta.   

Virando o jogo  Se planejamento é o remédio, a administradora e fundadora da Cafeína Escola de Empreendedores, Anajúlia Paes recomenda um outro exercício para sair do vermelho: trabalhar com previsões. “É ter o controle das finanças não só em relação as contas a pagar e a receber, mas a noção do seu ponto de equilíbrio, ou seja, saber exatamente o quando precisa vender para poder pagar as contas”.  

O passo seguinte é analisar de acordo com histórico de venda e de faturamento dos anos anteriores, cenários de períodos de desempenho melhor ou não dessas vendas, como explica Anajúlia. “Fazendo isso,  o empreendedor vai ter ali uma análise financeira estratégica dos próximos meses junto com uma simulação, uma previsão de pior cenário, melhor cenário ou um cenário neutro. E a partir disso, fazer uma gestão preventiva”, completa.  

A analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-BA), Adriana Pereira, ressalta que identificar oportunidades é crucial nesse momento em que o negócio tem a necessidade de recompor sua sustentabilidade. “A pandemia alterou muitos hábitos e o empresário precisa ficar atento para adaptar seu negócio ou oferecer um produto diferente que atende ao público. Uma possibilidade pouco explorada é a portabilidade de dívidas. É possível levar as dívidas de um banco para outro com taxas menores. Planejamento e controle são essenciais”. 

Dicas para sair do vermelho Renegocie as principais dívidas   Estenda os prazos, mesmo que isso signifique pagar mais juros, o importante é encontrar um meio de tornar os pagamentos viáveis. Quite dívidas com juros altos através de novos financiamentos com taxas menores e maior período de parcelas. Erradique todo gasto desnecessário   Pequenos cortes como a substituições de papéis e impressões por processos digitais e a racionalização de água, luz e telefone podem ajudar. É importante não cortar os itens essenciais na recuperação do seu negócio. Analise suas finanças diariamente   Saber o que entrou e saiu, qual foi o volume e o resultado do período ajuda a traçar melhores estratégias. O principal mecanismo a se ter controle é o fluxo de caixa: com ele, você saberá qual seu poder de renegociar as dívidas ou investir no que está dando resultado. Foque em ações com os clientes   Vender itens pelo preço de custo, para girar o estoque e atrair mais clientes, pode ajudar. No começo, você não terá grandes lucros, mas ao menos terá um alívio financeiro e prospectará novos consumidores. Faça um planejamento   É preciso ter paciência e projetar uma recuperação a médio e longo prazos. Para isso, o planejamento é indispensável. Crie metas, trace indicadores para os próximos meses e busque soluções de mercado para a recuperação. Peça ajuda   Há uma série de especialistas e profissionais que podem te ajudar a arrumar as contas, mas é preciso estar aberto às mudanças. Funcionários que atuam na ponta também podem ter boas ideias. Seja transparente   Converse com os clientes e fornecedores, abra os números e tente renegociar. Busque alternativas como investidores para o seu negócio. Você terá que aceitar novos sócios, mas pode salvar sua empresa. Fique atento às oportunidades   A pandemia alterou a cara de diversos negócios, perceba o que mudou na sua área, analise as ameaças e use da criatividade. Talvez seja necessário adaptar o negócio ou o produto e expandir para outras plataformas e mercados. Faça o cálculo do seu custo   Muitas vezes o concorrente está vendendo por um preço mais baixo porque está desesperado e vendendo com prejuízo. Faça as contas e, caso seja necessário, substitua insumos ou altere processos para ser mais competitivo.