Mais do que não fazer exercício: entenda como você pode ser sedentário e nem sabe

Mesmo quem faz atividade física todo dia pode ter esse comportamento

Publicado em 1 de julho de 2018 às 07:02

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akin Nassor/Arquivo CORREIO

O trabalho ficou difícil, a rotina apertou. Quando deu por si, o analista de sistemas Arilsson Ramos, 49 anos, estava há cinco anos sem fazer exercícios físicos e tinha engordado 18 quilos. Antes, quando era corredor, pesava 74 quilos para uma altura de 1,69 m. Hoje, chegou aos 92 em um trabalho que tem uma jornada de oito horas sentado. 

O problema é que, como explica o professor Francisco Pitanga, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e conselheiro federal de Educação Física, por muito tempo, o conceito de ‘sedentarismo’ difundido foi equivocado. Simplesmente acreditava-se que ser sedentário era não praticar exercícios físicos nunca. 

Só que as coisas não são bem assim. “O comportamento sedentário é o tempo que você fica sentado. Você pode fazer uma hora de atividade física por dia, mas, se depois disso, passa o dia todo sentado pelo trabalho, estudo, você é ativo, mas também é sedentário”, diz. Até a origem grega da palavra ‘sedentário’ tem a ver com isso – trabalhar sentado. 

“Eu sou meio extrovertido, então até levanto um pouco porque a empresa é grande, vou ao café, bebo água. Mas, fora daqui, também fico sentado. Em casa, é aquela rotina: ou vai sentar ou vai deitar para dormir”, conta Arilsson. No ano passado, no exame periódico da empresa, veio o resultado: além do sobrepeso, estava com os índices de colesterol altos. 

Até subir uma ladeira mais íngreme é difícil. Mas ele pensa em mudar. Já conseguiu transformar a alimentação – pelo menos durante a semana, passou a ter hábitos mais saudáveis. “Tirei o pão, tirei o açúcar e até estabilizou, porque eu estava numa crescente de aumento de três quilos por ano. Desde o ano passado, não emagreci, mas também não cresci mais”, explica. 

Obesidade  Não adianta só se exercitar. Deixar de ser sedentário inclui reduzir o tempo sentado. De acordo com o professor Francisco, o comportamento sedentário é estudado de duas formas: pelo tempo acumulado que uma pessoa passa sentada ou pelo tempo em que essa pessoa fica sentada e exposta a telas (na prática, exposta à tecnologia, como computadores, videogames, televisão).  

Em um estudo conduzido com 137 estudantes do curso de Enfermagem da Ufba, os pesquisadores identificaram que entre aquelas que passavam oito horas ou mais – de tempo acumulado – sentadas, era comum existir obesidade abdominal, sobrepeso ou obesidade. A Escola de Enfermagem foi escolhida justamente por ser um dos locais em que há aulas em tempo integral. “Isso pode causar vários tipos de problema. No nosso estudo, a gente focou em variáveis morfológicas, como sobrepeso, obesidade, mas tem estudos que mostram que esses resultados acontecem também para diabetes, hipertensão, alteração lipídica, de colesterol...”, enumera ele, que participou da pesquisa. A obesidade abdominal – ou seja, quando a pessoa é magra, mas tem aquela ‘barriguinha’ – é considerada um problema sério para os especialistas. De acordo com o professor Pitanga, esse tipo de condição física traz mais riscos de doenças cardiovasculares e metabólicas do que quando uma pessoa tem obesidade (a gordura distribuída). 

“Quando você tem muita gordura no abdômen, as gorduras ficam localizadas na região interna. Significa dizer que tem excesso de gordura dentro das vísceras e a gordura visceral é drenada para o fígado. Isso causa vários distúrbios cardiovasculares e metabólicos, como hipertensão, diabetes”.

Adolescentes Os pesquisadores também conduziram um estudo com 613 adolescentes com idades entre 15 e 18, moradores de Camaçari, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), justamente para identificar os efeitos no outro aspecto – o tempo diante de telas. E a conclusão foi bem parecida: aqueles que passavam quatro horas ou mais sentados diante de videogames, computadores e aparelhos de televisão apresentavam, com mais frequência, quadros de obesidade, sobrepeso e obesidade abdominal. 

“Nossos resultados não conseguiram demonstrar o mesmo efeito nos meninos, mas, na literatura internacional, há pesquisas que mostram o mesmo aspecto para ambos os sexos. E a gente entende que a ação deve ser feita para todos. A Sociedade Americana de Pediatria, inclusive, fala em menos tempo. Eles dizem que o ponto de corte (tempo máximo para passar diante das telas sem sofrer essas consequências) é de duas horas”. 

A preocupação dos especialistas é que um adolescente com sobrepeso ou obesidade provavelmente será um adulto obeso. E isso, ao longo da vida, pode trazer os problemas conhecidos: hipertensão, diabetes e até mais probabilidade de infarto do miocárdio. 

Número de passos  Outra boa forma de medir se alguém tem hábitos sedentários também é através do número de passos dados por dia. Um adulto – ou até mesmo adolescente – que anda menos do que cinco mil passos por dia seria considerado sedentário, de acordo com o cardiologista Marcos Barojas, vice-coordenador da unidade coronariana do Hospital Português e sócio da Sociedade Brasileira de Cardiologia – Seção Bahia. 

Aqueles que caminham mais do que oito mil passos por dia seriam considerados ativos. Quem fica entre cinco mil e oito mil não seria sedentário, mas também não teria os benefícios para a saúde de quem é ativo.“Quando as pessoas passam a medir quantos passos, é impressionante porque o que é feito é muito abaixo do preconizado. Eu brinco com os pacientes que só carteiro consegue atingir a meta”, diz o cardiologista. Outra medida é o tempo em que a pessoa se exercita – quem faz menos do que 160 minutos semanais seria considerado sedentário. O ideal seria completar mais do que 240 minutos por semana. Ele explica que o exercício, na verdade, é uma atividade física direcionada (como quem malha para ganhar massa muscular, por exemplo). 

O sedentarismo diz respeito a qualquer atividade física. “A gente pode botar um tênis e caminhar na Orla ou contratar um personal e fazer atividade física. Mas eu também posso saltar do ônibus um ponto antes do meu e andar, posso subir escada no local que vou trabalhar. Tudo isso é atividade física”, explica. 

Segundo ele, o sedentarismo é o fator de risco modificável que tem mais impacto na saúde. Isso significa que, entre os fatores em que há escolha (por exemplo: beber ou não beber; fumar ou não fumar; consumir drogas ilícitas ou não consumir), o sedentarismo é o pior de todos. Os fatores não modificáveis são aqueles como histórico genético familiar para doenças cardíacas, gênero e envelhecimento. 

“Passar a fazer atividade física é a intervenção que mais traz benefícios. Quem move o corpo previne pressão alta, diabetes, colesterol e, por consequência, as complicações que esses problemas trazem, diminuindo as chances dessa pessoa ter um infarto, derrame, problemas no rim que podem levar à diálise e problemas nos olhos”. 

Alternativas  O professor Francisco Pitanga explica que, hoje, há pesquisas no mundo inteiro tentando identificar soluções para isso. Até então, os países que mais avançaram foram a Austrália e os Estados Unidos. “Uma ação na Austrália é que, ao lado da carteira da criança na escola, eles colocam um pedestal. De hora em hora, elas são convidadas a estudar em pé por dez minutos, por exemplo”, cita. 

A própria Ufba tem desenvolvido uma pesquisa para identificar os impactos do chamado ‘break’ no comportamento sedentário – que seria exatamente esse intervalo entre as horas e horas em que uma pessoa passa sentada ao longo do dia. Até então, o que se sabe é que, quanto mais ‘quebras’ no comportamento sedentário, mais o problema é minimizado. 

“Aqui na Ufba, a partir da experiência em Enfermagem, levamos o problema para a Prograd (Pró-Reitoria de Ensino de Graduação), e eles acharam que era mesmo um problema grave. Resolveram fazer um trabalho em conjunto com a Escola de Teatro”, adianta o professor Pitanga. Segundo ele, a partir do próximo semestre, estudantes de teatro vão entrar em todas as aulas da universidade para encenar pequenos esquetes que mostrem os riscos aos estudantes e aos outros docentes.“O primeiro passo é conscientizar sobre isso no Brasil”, completa. Maioria da população soteropolitana tem excesso de peso Mais da metade da população de Salvador está acima do peso. A informação foi divulgada esta semana pela Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), de 2017, realizada pelo Ministério da Saúde. Em Salvador, 53% dos habitantes estão com excesso de peso e 19,5% obesos.

O quadro em Salvador é parecido com as outras capitais do país, onde o índice de pessoas com sobrepeso ou obesidade fica em 54%. “O Brasil deixou de ser subnutrido para ser obeso. Hoje, tem mais pessoas com excesso de peso do que com falta de peso”, alerta o cardiologista Marcos Barojas, vice-coordenador da unidade coronariana do Hospital Português e sócio da Sociedade Brasileira de Cardiologia – Seção Bahia. 

“Quanto maior o movimento, menos a pessoa é considerada sedentária. Acontece que nós, seres humanos ocidentais, que moramos numa cidade como Salvador, que tem uma mobilidade urbana péssima, a gente até evita fazer isso de andar até o ponto, por exemplo”, diz. Na prática, quase um em cada cinco (18,9%) brasileiros das capitais são obesos. 

No entanto, a pesquisa também revelou mudanças de hábitos. Após anos de crescimento, a prevalência de obesidade e excesso de peso começou a se estagnar e os brasileiros já demonstram práticas mais saudáveis. O consumo regular de frutas e hortaliças cresceu 4,8% (de 2008 a 2017), a prática de atividade física no tempo livre aumentou 24,1% (de 2009 a 2017) e o consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas caiu 52,8% (de 2007 a 2017).

“Mesmo com esta tendência a estabilidade e com o crescimento de pessoas que praticam atividade física e que estão consumindo alimentos mais saudáveis, não podemos deixar de continuar vigilantes. A obesidade e o sobrepeso são portas de entrada para doenças crônicas, como hipertensão e diabetes, que prejudicam a saúde da população e que poderiam ser evitadas”, afirmou a diretora do Ministério da Saúde, Fátima Marinho, em nota.