Mais lixo, menos coleta: para onde estão indo os recicláveis na pandemia?

Covid-19 força redução de cooperativas e de programas de coleta; veja onde descartar os seus resíduos

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  • Vitor Villar

Publicado em 17 de maio de 2021 às 07:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paula Fróes / CORREIO

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Essa é a realidade de muita gente há mais de um ano. É fácil notar que, com a pandemia, estamos produzindo mais lixo em nossas casas. Especialmente nesta segunda-feira (17), em que se comemora o Dia Internacional da Reciclagem. A data, instituída pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência, e a Cultura (Unesco), busca estimular a reflexão sobre a importância do descarte correto dos itens que consumimos.

Boa parte desses resíduos produzidos – papel, plástico, alumínio e vidro – poderia ser reaproveitado, já que são recicláveis. Só que, também por conta das restrições impostas pela covid-19, a rede de coleta desses materiais sofreu baixas consideráveis. E o resultado dessa operação – mais lixo, com menos coleta seletiva – é negativo para Salvador: cada vez mais resíduos recicláveis estão indo para o aterro sanitário metropolitano.“Isso é o que mais preocupa a gente. Como as cooperativas tiveram que reduzir a sua atuação e também o catador de rua está sem trabalhar, a gente tem notado toneladas e mais toneladas de recicláveis indo para o aterro, todos os dias. Resíduos que poderiam estar gerando renda e preservando o meio-ambiente. Então a vida útil do aterro vai diminuir demais”, lamenta Edmundo Góes, presidente da Cooperguary, de Periperi.Segundo a Empresa de Limpeza Urbana de Salvador (Limpurb), são recolhidas por dia uma média de 2,8 mil toneladas de resíduos domiciliares desde o início da pandemia. Além disso, têm sido retiradas das ruas uma média de 2,4 mil toneladas de entulho diariamente.

Ainda de acordo com dados do órgão, 913.571,41 toneladas de lixo doméstico foram recolhidas ao longo de 2020 na capital. Somadas à quantidade de entulho, dá um total de quase 1,7 milhão de toneladas de resíduos descartadas ao longo do ano passado.

Só para se ter uma noção, 1,7 milhão de toneladas é a capacidade de 14 Emma Maersk, o maior navio-cargueiro do mundo. Ainda segundo a Limpurb, a produção de lixo doméstico em Salvador aumentou 19 mil toneladas em 2020, um crescimento de 2,26% em relação a 2019.

Coleta seletiva O programa de Coleta Seletiva de Salvador começou em 2015, sob comando da Secretaria Municipal de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência (Secis). A prefeitura espalhou 150 Pontos de Entrega Voluntária (PEV) em diferentes locais da cidade.

Eram contêineres nos quais a população podia depositar os resíduos recicláveis de maneira separada. A prefeitura fazia a coleta desses materiais e os entregava para as cooperativas de reciclagem mais próxima e que estavam credenciadas na Limpurb.

Até abril do ano passado, segundo a pasta, eram coletadas, em média, 30 toneladas por mês através dos PEVs. Naquele mês, o segundo da pandemia no estado, os contêineres tiveram de ser recolhidos.“Com a pandemia, a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes) publicou um documento recomendando a suspensão da coleta seletiva, por considerar que o transporte e o manejo desses resíduos era um fator de transmissão do coronavírus”, explicou Edna França, secretária da Secis.Foram recolhidos 60 PEVs, porque os demais já não existiam: “Foram destruídos, queimados ou até mesmo levados por vândalos. Além disso, tivemos problemas. As pessoas infelizmente colocavam todo tipo de lixo neles, até animais mortos, para se ter uma ideia”, disse Edna França.

Cooperativas reduziram A pandemia também afetou a atuação das cooperativas de reciclagem, que são organizações de catadores que fazem a coleta desses materiais. Depois de tratados, os resíduos são vendidos pelas cooperativas às indústrias capazes de reaproveitar papel, alumínio ou plástico.

São 14 cooperativas registradas e parceiras da Limpurb. Antes da pandemia, o órgão dava apoio à atividade, cedendo veículos e combustível para que recolhessem os recicláveis nos chamados grandes geradores de resíduos: supermercados, restaurantes, hotéis, entre outras empresas.

Com a chegada do coronavírus e a necessidade de distanciamento social, a cessão dos veículos foi suspensa. Os catadores cadastrados passaram a receber o auxílio de R$ 270 mensais através do programa Salvador Por Todos.Algumas poucas cooperativas mantiveram o serviço: “Temos um galpão alugado, pais de família e custos que precisamos manter. Afastamos cooperados que estão no grupo de risco e estamos operando com 60% do efetivo”, disse Sandro Camargo, coordenador da Camapet, da Ribeira.“Temos um caminhão próprio e, com isso, ainda conseguimos fazer 50% da rota que fazíamos com o caminhão da Limpurb”, completa o cooperado. A instituição passou a coletar os resíduos diretamente em grandes condomínios, com os quais fizeram parceria durante a pandemia. Os moradores dão uma ajuda de custo para pagar o combustível.

A mesma saída foi tomada pela Cooperbari, do Engenho Velho de Brotas: “Com o apoio de uma empresa a gente adquiriu um caminhão. Alguns condomínios do Horto Florestal e do Itaigara nos dão uma ajuda de custo. Eles perceberam que é vantajoso, pagam pouco e têm certeza de que a gente vai passar lá no dia acertado”, explica Elias Júnior, presidente da cooperativa. Cooperativas e catadores recomendam a limpeza de todos os resíduos antes da entrega (Foto: Paula Fróes / CORREIO) Elias destaca que, mesmo em tempos sem pandemia, o ato de destacar o resíduo é voluntário e fruto de conscientização. “Muitas pessoas já têm a boa vontade de separar, mas o problema de hoje ainda é como fazer para que esse reciclável chegue às cooperativas. Tem gente que não encontra para onde levar, não pode ficar esperando e acaba descartando no lixo comum”.“Por isso que nesse momento tem muita coisa útil indo para o aterro. E tem demanda, viu? As indústrias atualmente estão todas em falta. Elas estão procurando a gente, cobrando, porque estão precisando dessa matéria-prima que está indo pro lixo. Essa engrenagem entre o cidadão, as cooperativas e as indústrias, está quebrada”, completa Elias Júnior.Onde descartar os recicláveis Ainda que os PEVs tenham sido recolhidos, a prefeitura disponibiliza dois pontos na cidade para entrega de resíduos recicláveis. São os chamados Ecopontos, um no Itaigara, próximo à Av. ACM, e outro no Alto do Abaeté, em Itapuã, esse inaugurado em fevereiro último. A vantagem é que os agentes da Limpurb que lá trabalham separam os resíduos deixados pelo cidadão.A engenheira Juliana Tourinho, moradora da Pituba, é costumeira usuária do serviço no Itaigara: “Eu opto pelo Ecoponto por não ter muito espaço físico na minha casa para separar os resíduos em várias caixas. E, como eles fazem essa separação e tem a expertise de dizer o que é útil ou não, fica algo muito prático”.Sabe aquela história de cozinhar mais por estar em casa todos os dias? Juliana vive isso com a mãe dela: “Ela gosta muito de cozinhar, ainda mais nessa pandemia. Então, todo dia tem latas, potes de vidro ou de plástico descartados. Então, o único ‘trabalho’ que tenho é parar no Ecoponto a caminho do trabalho”, completa.

Outra opção para os soteropolitanos é o projeto Vale Luz, administrado pela Coelba desde 2008. Através dele, o cidadão pode entregar resíduos recicláveis – plástico, papel, metal e aparelhos eletrônicos – e obter desconto na conta de luz. A companhia de eletricidade repassa o material para cooperativas e empresas parceiras.

São dois pontos de coleta dos resíduos na capital – nos estacionamentos dos shoppings Salvador e Salvador Norte – e um na Praia do Forte, ao lado da sub-prefeitura de Mata de São João. A Coelba também tem um caminhão itinerante, cujo roteiro é divulgado no site da companhia.

Juliana Tourinho também é usuária do Vale Luz. “Ainda que o desconto seja pequeno, reciclar é um ato muito importante, que diante da importância, eu faço de graça. Mas, no fundo todo mundo adora uma economia, por menor que seja. Então, acho que essa iniciativa é um estímulo a mais para as pessoas reciclarem”, avalia.

Modelo sustentável Em substituição aos PEV, a Secis pretende ampliar ao longo de 2021 a parceria com a startup So+Ma. Através dela, a população troca resíduos recicláveis por uma moeda social, que pode ser trocada por produtos em comércios dos próprios bairros ou por cursos profissionalizantes.

O projeto começou em 2019 com duas casas So+Ma, como são chamados os contêineres onde os resíduos podem ser deixados. As unidades foram instaladas nos bairros de Paripe e Periperi, mas também deixaram de funcionar por conta dos riscos da pandemia.“Optamos por seguir com a So+Ma porque esses contêineres têm uma equipe de colaboradores, que recolhem esse material reciclável. E o projeto incentiva a economia circular da comunidade, além de fomentar a educação profissionalizante”, explica a secretária Edna França.O modelo também agrada mais às cooperativas. “A gente preza pela sensibilização da população da importância de reciclar e de valorizar a atividade dos catadores. Então, não tem que instalar um PEV só por instalar. Porque acontecia aquilo: muito lixo comum era depositado. É preciso informar com clareza como separar e destinar o resíduo”, diz Sandro Camargo, da Camapet.

A Secis espera retomar no segundo semestre deste ano a operação das duas casas So+Ma já instaladas e inaugurar mais oito pontos nos bairros Pituba, Imbuí, Stella Maris, Bonfim, Fazenda Coutos, Rio Vermelho, Itapuã e Cajazeiras.

Quem vive da reciclagem espera maior colaboração da população de Salvador e maior apoio do poder público: “Temos na cooperativa muitas pessoas que estão em reabilitação de drogas e de pessoas que perderam o emprego e vieram para a catação”, diz Edmundo Góes, da Cooperguary.

“Está muito claro como a miséria aumentou dramaticamente com a pandemia, e há uma procura enorme de pessoas querendo entrar nas cooperativas. Também há a demanda das indústrias e a importância para o meio-ambiente. Apoio é a única coisa que falta”, completa.“Nossa luta é mostrar que o poder público gasta mais ao mandar esses resíduos recicláveis para o aterro do que custeando a cadeia de reciclagem. O que precisamos é de infraestrutura ou uma parceria que apoie o trabalho que as cooperativas já fazem”, opina Sandro Camargo.

O que fazer?É importante que cada cidadão separe o seu lixo reciclável (papel, plástico, vidro e alumínio, sobretudo) e leve para um ponto de coleta. Ou, que entre em contato com alguma cooperativa de reciclagem e agende uma coleta em seu condomínio. Onde levar meus recicláveis?

Projeto Vale Luz: Através dessa iniciativa da Coelba, é possível trocar recicláveis por desconto na sua conta de luz.Locais:Salvador Shopping Salvador Norte Shopping Ecoponto na Praia do Forte Ecopontos da Limpurb: Nesses pontos, é possível deixar lixo reciclável ou entulho, que serão entregues a cooperativas.Locais:Rua Wanderley Pinho, 710, Itaigara (atrás do Hiperposto da Av. ACM) Rua Alto do Abaeté, S/N, Itapuã (em frente à sede do bloco Malê Debalê)