Marcelino, pão, vinho e ‘otros chicos’ de batom

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  • Da Redação

Publicado em 2 de junho de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Ultrapassando todos os limites possíveis do kitsch, o filme Marcelino, Pão e Vinho atraiu multidões aos cinemas do planeta nos anos 1950-60. ‘Bombado’ por acólitos da santa madre igreja ávidos por + devotos e + cifrões, a produção espanhola dirigida pelo tcheco Ladislao Wajda foi um ‘estouro’ até mesmo aqui nesta remota urbe onde passei a infância – e na qual, por safada ironia do destino, voltei a morar há 3 anos. [No papel central Pablito Calvo – bonitinho,  mas ordinário.]

Para mim e outros milhões de petizes ao redor do mundo submetidos aos ditames católicos – à época implacáveis e monopolistas em brasis profundos e rasos – o subtexto da trama era: se não víssemos o bendito filme, anátema se abateria sobre nós: seríamos castigados por Deus.

Nunca quis ser castigado por deus algum – quem quer? – e corri para ver. Debulhei-me em lágrimas. O enredo  doutrinador – [seja santo, ou não seja nada!] – me abduziu. Revi essa xaroposa propaganda religiosa até que veio a náusea. Enjoei – e me recusava a assistir de novo quando o filme era reprisado – feito circo mambembe, de tempos em tempos voltava a ser exibido.

Elementar: tudo que acontece de ordinário ou de extraordinário na infância nos marca para o bem e para o mal para todo o sempre. Já adulto, marxista de raiz, anticlerical até a medula, gay assumido, fã ardoroso do cinema profano do genial Luis Buñuel, senti ardente desejo de rever esse filmezinho execrável àquela altura imerso no ostracismo da história do cinema: culpa dos novos tempos nos quais a igreja católica fazia do coração tripas para ainda atrair devotos.

Eis-me em Lisboa, em algumas das visitas que fiz à cidade no final do século 20. Flanava pelas cercanias do Rossio, quando obscuro cinema anunciava em tosco cartaz a atração do dia: ‘Marcelino Pão e Vinho’. Não cri. Apressei o passo. Seria possível? Tirei dúvida com o porteiro traveco – traveco? Como assim? Traveco trabalhando em lugar que exibia filme tão ‘imaculado’? Voz de patodonald me arrancou do transe: - E tu entras, e tu sais quando bem quiseres!

Entrei. No breu total, revi o rosto familiar de Pablito Calvo – e, às cegas, sentei na cadeira mais próxima. Durante abdução inicial de quase uma hora só conseguia ver e ouvir o que emanava do écran. De repente, passei a captar uivos de prazer vindos de outros cantos. Desviei o foco, olhei ao redor: flagrei casays gays em  atos sexuais das mais variadas coreografias. [Nada mais natural à minha alma vivida – cinemas de ‘pegação’ gay existiam aos montes no Brasil, e eu os frequentava. Mas senti certo estranhamento]. 

O meu foco era rever filme que marcou minha infância. Assisti até o final. Os homens que ocupavam a sala, recompostos, se dirigiram ao bar-café, à paisana ou travestidos. Animados, proseavam, comiam petiscos, bebiam. Logo estariam de volta à faina sexual d’antes. Pedi dose de conhaque, e mergulhei de volta nas ruas do Rossio. Antes, ouvi a voz do porteiro traveco: - Já vais embora? Só fechamos de madrugada!