Março nem acabou e já é o mês mais mortal da pandemia na Bahia

Último recorde de mortes mensais foi em agosto do ano passado

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 22 de março de 2021 às 05:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO

O mês que marca um ano da decretação de pandemia também será lembrado, até então, como o mais mortal na Bahia e também no Brasil. Faltando ainda nove dias para acabar, março já é o mês com o maior número de registros de óbitos de covid-19 de todo o histórico. Esta situação já havia sido prevista e alertada por cientistas brasileiros antes mesmo de acontecer. Foram 2.280 vidas perdidas no estado em março, ultrapassando agosto do ano passado, quando mais de 1,9 mil morreram pela doença. Um aumento de 20% em relação ao recorde anterior. Ao todo, 14.099 baianos vieram a óbito, segundo números da Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab). 

Desde o começo do mês, foram raros os dias em que não houve mais de 100 mortes por dia computadas no estado. Se continuar nesse ritmo, março pode encerrar com mais de 3 mil óbitos. A data com maior número de vidas perdidas foi a última quarta-feira (18), com 153. Entre as pessoas públicas estão o cantor e vereador de Salvador Irmão Lázaro (PSC), 54 anos, e o prefeito reeleito de Vitória da Conquista, Herzem Gusmão (MDB), de 72 anos.

Esta última semana foi a mais mortal de março, com 860 registros de mortes, contra 709 e 711 das duas anteriores, respectivamente. Coordenador do laboratório de Biossistemas do Instituto de Física da Ufba e pesquisador do projeto Geocovid, José Garcia lembra que, no começo da pandemia, os modelos matemáticos previam um crescimento de casos e mortes próximo ao que estamos vivenciando, mas foi possível “achatar a curva” graças à adesão das pessoas ao isolamento social.

No entanto, no último semestre o isolamento caiu com o movimento das eleições, festas de fim de ano, Carnaval e, por fim, encerramento do auxílio, relembra. “Deu no que estamos vendo agora, especialmente com a nova variante”, observa. 

Os pesquisadores do projeto estão refazendo o modelo de cálculo das projeções, incluindo agora esses cenários de novas variantes e chegada de vacinas. O que já se sabe é que os valores são “assustadores” para um quadro em que o isolamento não seja respeitado. Para Garcia, agora não faz tanta diferença interromper o fluxo intermunicipal porque as novas cepas do vírus já estão espalhadas por todo o país. O que poderia ajudar, neste momento, seria o esforço nacional de manter as pessoas em casa, mas sem um auxílio-emergencial isso seria muito cruel para os mais vulneráveis.

Quanto ao status da campanha de vacinação em andamento, o pesquisador opina que, pelo que se sabe do comportamento do vírus, é muito provável que, antes de terminar de vacinar a população, já tenhamos uma nova variante resistente ao imunizante. “Pois o vírus está tendo muitas chances de se modificar no nível de reprodução [de casos] que está tendo agora. O pior é que todos os modelos já previam isso”, diz.

Há quatro dias, pesquisadores do grupo Observatório Covid-19 BR, um dos que reúnem mais cientistas no país, escreveram uma carta aberta classificando o momento não apenas como “catástrofe sanitária”, mas também humanitária. A entidade destacou que a situação atual reúne colapso do sistema hospitalar, sobrecarga do sistema de saúde e impasses quanto ao auxílio emergencial. Os signatários disseram que a situação poderia ter sido evitada se os governantes tivessem ouvido a ciência e adotado políticas públicas com antecedência.“A falta de ações de mitigação ou supressão em tempo hábil resultou no estado de emergência no qual, lamentavelmente, nos encontramos”, afirmaram.O quadro brasileiro é considerado alarmante, mas existem diferenças na forma como a pandemia foi combatida em cada estado que podem ser observadas para efeito de análise. Médico infectologista e especialista da Fiocruz, Júlio Croda detalha que quatro estados têm registrado menor mortalidade para cada 100 mil habitantes, segundo dados do Ministério da Saúde desse domingo (21): Alagoas (99,4), Bahia (94,1), Maranhão (80,3) e Minas Gerais (102,8). No Brasil, a taxa geral é bem acima, com 139,3 mortes para cada 100 mil habitantes.

“Alguns estados responderam melhor do que outros muito por conta da gestão local. Não houve uma recomendação técnica e nem apoio do Governo Federal, então estados e municípios fizeram ações específicas em relação a essas intervenções de cunho mais coletivo. No geral, o Brasil respondeu muito mal à pandemia e, por isso, chegamos a esse momento”, comenta Croda, que acrescenta ainda que o discurso que polariza economia e saúde não é real. “Se a gente faz essas medidas efetivas, a economia se recupera mais rápido”, argumenta.

O infectologista adianta que chegamos onde chegamos principalmente por falta de postura comprometida do presidente Jair Bolsonaro, que, em diversos momento, se manifestou contra a vacina, colocando-a em dúvida, como na ocasião em que disse que quem tomasse poderia “virar jacaré”. Bolsonaro também desincentivou o uso de máscaras e estimulou publicamente o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença. Estes fatos levaram a uma condução não baseada em evidências e “bastante enfraquecida do ponto de vista da gestão da crise, sendo que desde o início a gente sabia quais são as medidas efetivas individuais e coletivas”, completa ele.  

O que mais fez aumentar as mortes?

Por trás da alta no número de mortes em todo o país estão, segundo o observatório, fatores como o tempo de espera por vagas em UTIs, esgotamento dos estoques de medicamentos, dificuldades na reposição de oxigênio nos hospitais por causa do aumento do consumo. A tudo isso, soma-se, ainda, a escassez de profissionais da saúde para atuar em UTIs, unidades porta-aberta e emergências, bem como esgotamento físico e mental destes trabalhadores.

Em parte, a evolução a óbito acontece porque milhares de pessoas com indicação de necessidade de cuidado intensivo estão internadas fora de UTIs, sem assistência adequada e sem a possibilidade de transferência, nem mesmo para outras regiões do país, já que quase todas estão colapsadas.

Ainda assim, mesmo quem tem acesso a UTI tem alto risco de morte. E não adianta apenas abrir novos leitos, dizem os cientistas, porque isso não detém o espalhamento do vírus. “Em resumo, se mantido o crescimento acelerado atual do número de casos, não há possibilidade de atendimento hospitalar adequado e o número de mortes evitáveis vai aumentar ainda mais”, prevê o Observatório Covid BR.

Dentre as medidas sugeridas pelos cientistas do grupo estão: investir em vacinação em massa da população, conter a transmissão do vírus com a redução da circulação de pessoas, assegurar expansão de leitos e contratação de profissionais treinados, fechamento de estabelecimentos que não prestem serviços essenciais, restrição de viagens não essenciais entre municípios e estados, reforçar a comunicação sobre a necessidade de proteção individual; proteção de pessoas mais vulneráveis com um auxílio de R$ 600 para garantir a subsistência das famílias nesse momento de alta inflação nos itens da cesta básica e oferta de linhas de crédito e redução de impostos para empresas.