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Bruno Wendel
Publicado em 10 de janeiro de 2020 às 03:30
- Atualizado há 2 anos
Na próxima segunda-feira (13) completa um mês da chacina da Mata Escura, que vitimou quatro motoristas de transporte por aplicativos – todos brutalmente espancados e assassinados. Mas a poucos dias dessa data, uma terceira versão para a barbárie veio à tona. >
As mortes teriam sido cometidas pela facção Bonde do Maluco (BDM) como uma espécie de resposta à ação policial realizada dias antes na comunidade Paz e Vida, local da chacina. Policiais teriam ido ao local disfarçados de motoristas de aplicativo para chegar a um alvo.>
A informação chegou ao CORREIO através de uma fonte da Secretaria da Segurança Pública (SSP) e confirmada por alguns motoristas de aplicativo. >
Segundo eles, uma semana antes da chacina, dois policiais civis e um P2 (como é chamado um policial militar que trabalha à paisana) entraram na comunidade Paz e Vida em um carro que tinha um adesivo luminoso indicando que o veículo era conduzido por um motorista de aplicativo.“Eles estavam atrás de um cabeça cara da localidade e para isso não podiam chegar numa viatura porque seria fuga na certa. Então, foram como se o carro era de motorista de aplicativo que estaria levando alguém de volta à comunidade”, detalhou a fonte.Quando chegaram, os três policiais teriam descido armados e provocado pânico nos moradores da comunidade, que fica nos fundos do Complexo Penitenciário da Mata Escura. >
“Barbarizaram daquele jeito, batendo em tudo e em todos, apontando as submetralhadoras, e as pessoas ficaram apavoradas. Entre as pessoas agredidas estava a mãe do chefe do tráfico da área”, complementou. >
Leia também: SSP-BA cria grupo para tratar de segurança para motoristas de aplicativo>
De acordo com a fonte, o líder do BDM da Paz e Vida, o traficante Jeferson Palmeira Soares Santos, conhecido como Jel, jurou vingança por acreditar que havia, de alguma forma, a participação de motoristas de app na ação dos policiais.>
“Por tudo isso, ele ficou com muita raiva. Achava que foi ‘canal dado’, porque, até então, apesar do perigo, os motoristas de aplicativo entravam lá sem problema, pois a população precisava do serviço. Então, resolveu descontar na parte mais fraca e fácil de atrair para uma emboscada. Por isso que ele estava com muita raiva e dizia que iria fazer o maior número de vítimas”, comentou a fonte do CORREIO. Foto: Bruno Wendel/Arquivo CORREIO Procurado, o presidente do Sindicato de Motoristas por Aplicativos da Bahia (Simactter-BA), Átila Santana, disse que também soube da versão. “Fiquei sabendo, dias depois do episódio, que policiais foram, dias antes, até a comunidade se passando por motoristas de aplicativo”, disse ele, que ponderou em seguida: “mas acredito na versão da polícia, porque a investigação esclareceu muitos pontos”.O CORREIO procurou a SSP para comentar as informações, mas até a publicação da reportagem a resposta não havia sido enviada.>
Dúvida Apesar de a Polícia Civil ter dado o caso como encerrado – alegando que as mortes de quatro envolvidos no crime, entre eles o traficante Jel, e a prisão da travesti Amanda, 25 anos, apontada como a última envolvida na chacina –, dois pontos põem em dúvida não só a versão oficial para as mortes dos motoristas, como também a conclusão da investigação policial.>
Segundo a fonte da SSP que conversou com o CORREIO, o motorista sobrevivente da chacina disse em depoimento à polícia e a uma emissora de TV que ao chegar no cativeiro, após ter sido levado pelos traficantes a um dos barracos da Paz e Vida, já encontrou uma das vítimas morta, indo de encontro com a versão apresentada pelo delegado Odair Carneiro, da Delegacia de Homicídios Múltiplos (DHM), unidade do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP).>
No dia 27 de dezembro, numa coletiva para falar sobre a conclusão das investigações, Odair Carneiro disse que primeiramente os bandidos espancaram, depois aplicaram golpes de facão e, por último, atiraram. E que, inicialmente, a intenção era só roubar os carros, celulares e dinheiro dos motoristas para fazer dinheiro da facção, mas não contavam com a reação de duas das vítimas. “Mas isso não bate. Por que, então, o sobrevivente diria que ao chegar já tinha uma vítima morta? Por que mentiria?”, indagou a fonte.Neste dia, o delegado justificou o motivo do encerramento do caso. A investigação apontou o envolvimento de cinco pessoas na chacina. Duas delas, Antônio Carlos Santos Carvalho e Marcos Moura de Jesus, que morreram em confronto com equipes da 81ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Itinga), na noite do crime. Os outros dois, um adolescente de 17 anos e Jel, líder da facção na comunidade, foram encontrados mortos dias após a chacina em locais distintos. >
Ainda no mesmo dia, Carneiro apresentou a travesti Amanda. Questionado sobre a possibilidade de haver mais envolvidos no episódio, o delegado foi categórico: “não”. >
No entanto, instantes após a declaração do responsável pela investigação e ainda no auditório do DHPP, a travesti disse que foram sete participantes da chacina, e não cinco, como foi dito pela polícia. As outras duas pessoas são também travestis. >
“Uma conheço porque andávamos juntas. E a outra não conhecia, mas também era travesti”, disse ela.>
Segundo Amanda, ela e as demais levavam os motoristas para a comunidade, alegando serem moradoras da região. Questionado na hora, o delegado respondeu: “Ela está mentindo. Na verdade, essas duas pessoas são desafeto dela e, por isso, quer incriminá-las”, explicou.>
Outra versão Logo após o crime, a primeira versão que circulava entre os próprios motoristas de app dava conta de que as mortes foram uma vingança do traficante Jel pelo fato de um motorista ter se recusado a entrar na comunidade. >
Nas primeiras horas após o crime vir à tona, Átila Santana, do Simactter-BA, disse que o Coroa, como também era conhecido Jel, ficou revoltado porque a mãe dele passava mal e acionou motoristas na Paz e Vida, que recusaram devido à insegurança no local; a idosa acabou socorrida por vizinhos. >
Então, ainda de acordo com Santana, Jel determinou uma emboscada para matar o maior número de motoristas de aplicativos. Questionado sobre essa versão, o delegado Odair Carneiro negou.>
Versões para motivação da chacina1ª versão contada pela categoria - As mortes foram uma vingança do traficante Jel pelo fato de um motorista de app ter se recusado a entrar na comunidade quando a mãe dele precisa do serviço, pois necessitava de deslocamento para atendimento médico de urgência. 2ª versão dada pela Polícia Civil - Que inicialmente a intenção dos traficantes era só roubar os carros, celulares e dinheiro dos motoristas para fazer dinheiro da facção. Mas não contavam com a reação de duas das vítimas e decidiram matar todos. 3ª versão sustentada por fonte da SSP relatada ao CORREIO - As mortes cometidas pela facção BDM teriam sido uma resposta à ação policial realizada dias antes na comunidade Paz e Vida, local da chacina. Os policiais teriam entrado no local a bordo de um ‘falso’ carro de aplicativo para prender um alvo. Pontos sem esclarecimentosPor que a Polícia Civil disse que as mortes aconteceram devido à reação de duas das cinco vítimas que estavam no cativeiro, se o sobrevivente disse que ao chegar no local já havia um dos motoristas morto? A Polícia Civil disse que encerrou o caso com a prisão da última pessoa envolvida na chacina, a travesti Amanda – os outros quatro que participaram do crime foram mortos pela polícia e por rivais. No entanto, durante coletiva, Amanda disse que outras duas travestis também atuaram como iscas para levar as vítimas para a morte. >