Mato, cachorro e lixo substituem fábricas no Centro Industrial de Aratu: Entenda

Atividade industrial vem perdendo participação no PIB da Bahia e em relação a outros estados

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 21 de julho de 2019 às 05:29

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga
Local atualmente abriga veículos que irão a leilão por Foto: Evandro Veiga

Lentamente, como se quisesse atrasar o fim da caminhada, um homem deixa a unidade da Ball Corporation no Centro Industrial de Aratu (CIA), em Simões Filho. Após dez anos de casa, ele foi um dos 70 demitidos da antiga Latapack, que em breve vai se tornar mais uma fábrica fechada no distrito industrial. O trabalhador prefere não se identificar, porque sonha em ser recolocado em outra planta industrial da empresa – em Recife (PE) ou Manaus (AM). Ou, quem sabe, na que está sendo implantada no Paraguai, para onde os funcionários dizem que os equipamentos da fábrica baiana estão sendo transferidos. 

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“Foi o melhor emprego que eu tive na vida. O salário que eu recebia lá, não vou achar igual em lugar nenhum”, diz. Por isso, o auxiliar de produção diz que toparia, “sem dificuldade”, deixar sua terra natal. Caso não esteja entre os 18 que serão recolocados pela Ball, ele vai tentar a vida como motorista de Uber. Se para o homem anônimo ainda há esperança de continuar a viver da atividade industrial, a saída da Ball deixa mais um espaço vazio na indústria baiana e ilustra, sem uma perspectiva clara de reversão neste momento, um fenômeno econômico chamado de desindustrialização – que é quando a atividade industrial é eliminada ou perde importância numa região. 

Um levantamento da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que em um intervalo de três décadas, entre 1985 e 2016, a participação da atividade industrial na economia baiana caiu de 42,3% para 23,7%. Quando se leva em conta apenas a indústria de transformação, aquela em que uma matéria-prima em um produto final, ou num intermediário para o uso de outra indústria, a queda registrada é de 25,5% em 1985 para 13,8% em 2016.Num período mais recente, a Pesquisa Industria Anual (PIA), do IBGE, mostrou recentemente que a participação da Bahia no PIB industrial da região Nordeste caiu de 52,6% do total para 40%. Nacionalmente, o estado manteve o sétimo lugar, mas com uma queda na participação de 4,4% do total para 4%. Numa volta pelo CIA, ainda é possível perceber a pujança da indústria baiana. Mas o distrito industrial não passa incólume às dificuldades das últimas décadas. Além das fábricas, os 250 milhões de metros quadrados (m³) de área expõem em galpões vazios, vias intransitáveis, algumas mal sinalizadas, o momento do setor. Por lá, fecharam as portas unidades da DOW (Cellosize e TDI), Alcan, Xerox e, no início deste ano, a Taurus Helmets. Para não ficar só em Aratu, é importante lembrar as unidades da Semp Toshiba, Rhodia, Du Pont e Papaiz, na Região Metropolitana (RMS). No interior, fecharam a Yazaki, em Feira de Santana e a Azaleia, em diversas cidades. 

Os escombros da antiga Bahia PET, no CIA, hoje abrigam catadores de reciclagem. Muitos anos antes, ali funcionava uma fábrica para a reciclagem de Polietileno Tereftalato (PET), que chegou a empregar 100 pessoas, de acordo com notícia publicada pelo CORREIO em 2009. Perto dali, a sede de uma antiga fabricante de fios de nylon, a Banylsa, hoje é um pátio que guarda veículos que serão leiloados. 

A Stepan,  produtos químicos básicos e intermediários, fechou as portas há dois anos. Na época, demitiu 50 funcionários e levou todo o seu maquinário para outras unidades. Por lá, atualmente, apenas três trabalhadores se revezam na guarda do patrimônio, sempre com a companhia de dois vira-latas, que fazem as vezes de cães de guarda, informalmente. Entretanto, nem sempre foi assim, quem está há mais tempo lá pelo CIA conta que 700 pessoas chegaram a trabalhar naqueles galpões gigantescos quando ali funcionava uma fábrica da Bombril e, posteriormente da P&G. 

Logo ali ao lado, outra fábrica fechada. Um cão de guarda, de pedigree, repousa dentro de seu cercado, enquanto três vira-latas fazem o seu trabalho. Longe, o vigilante caminha sem dar bola à reportagem. 

Na unidade da Taurus Helmets, a grama ainda está aparada. Andaimes indicam serviços de manutenção no espaço, possivelmente para passá-lo a um novo proprietário, já que desde o início deste ano a fabricante de capacetes encerrou as suas atividades. Notícias da época indicam que fez 70 demissões, mas em seus melhores dias a empresa chegou a 300 empregos. 

Após um ano e meio fechada, a fábrica da Xerox do Brasil deverá voltar a operar no final deste ano, com outra finalidade. Abrigará a fábrica da Ortobom. Quando era Xerox, empregava 200 pessoas, envolvidas na fabricação de equipamentos para impressão. Agora, de acordo com anúncio recente, feito pela Secretaria de Desenvolvimento da Bahia (SDE), vai gerar empregos para 500 pessoas.  

O diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Simões Filho, Nazareno de Oliveira, acredita que a saída da Ball tem relação com melhores condições de produção nas outras unidades da empresa. Segundo ele, com as unidades em Manaus, Recife e agora no Paraguai, a empresa domina 70% do mercado de embalagens de alumínio.“Na realidade, lá em Manaus eles terão uma isenção de quase 100% em impostos sobre a bobina de alumínio. Essa fábrica se pagava, é mais uma questão de mercado mesmo”, acredita. A direção da Ball informou através da sua assessoria de imprensa que está fazendo um rearranjo em suas operações na América Latina e garantiu que, mesmo sem a fábrica por aqui, nenhum dos clientes da empresa ficaram desassistidos. 

Momento difícil Para o empresário Marconi Oliveira, diretor-executivo da Associação de Empresas do CIA (Procia), a Bahia vem passando por um processo de desindustrialização, assim como o restante do Brasil. 

Ele lembra que o critério para que um país seja considerado industrial é uma atividade de transformação de 30% ou mais. “Nós conseguimos baixar nossa indústria de transformação para 13,8%”, lamenta. 

Com longa vivência na indústria química e petroquímica, Oliveira lembra que houve uma mudança muito grande nos processos relacionados a esta atividade, com impactos para empresas instaladas em todas as etapas das duas cadeias de produção. É o que explica fechamentos de unidades como a Rodhes, Du pont, a TDI e a Celosize, da DOW.  “Você tem uma percepção de definhamento em termos de indústrias. Houve uma migração de parte das atividades para a área de serviços, mas também houve uma redução significativa com o tempo. Você não chega a ter um cemitério, mas tem um bocado de indústrias que deveriam estar gerando riquezas para nós paradas”, destaca. Marconi Oliveira diz que há diversos fatores para explicar a situação. Ele lembra que a Novelis, antiga Alcan, saiu reclamando do preço da energia e dos custos portuários. A DOW fechou uma unidade porque deixou de ter matéria-prima a preços competitivos. “É fato que há uma industrialização no país e a Bahia não ficou fora deste processo. Nós estamos a reboque de um processo nacional, mas as variáveis da Bahia são aceleradas por processos próprios da gente aqui”, acredita. “Nós poderíamos ter uma indústria forte de sucos de frutas, mas não se conseguia colocar os produtos nos portos, porque os preços eram caríssimos”, exemplifica. Ele lembra ainda que ineficiências nas infraestruturas portuárias e ferroviárias “diminuem estupidamente as nossas condições de competitividade”.  Oliveira ressalta que dificuldades com infraestrutura podem inviabilizar a atividade econômica. 

Outro problema é a área tributária. Numa comparação com o cenário em Pernambuco, Marconi Oliveira avalia a política praticada na Bahia como mais conservadora. “A indústria se ressente muito da ausência de uma política efetiva de incentivos nesta tributária”, diz. Ele lembra que a tributação foi um importante fator para o fechamento da planta de TDI da DOW. “Estavam colocando o TDI no Brasil, vindo da Ásia, mais barato do que se produzia aqui. E os impostos eram determinantes neste processo”, lembra.  “E não é apenas o imposto, todo dia aparece uma taxa para a empresa pagar. É taxa disso, taxa daquilo que, quando junta, vai inviabilizando a atividade. Isso é custo Brasil”, complementa.O diretor-executivo da Procia explica que a entidade firmou um convênio com o governo estadual para gerir o distrito como um grande condomínio de empresas. Segundo ele, as primeiras obras devem ser anunciadas em breve. “Nos distritos industriais, se você tivesse o estado fazendo as coisas funcionarem, você não precisaria ter uma associação preocupada com isso. Antigamente, não era nosso papel, mas entendemos que este é o melhor caminho”, destaca. “Com pensamento privado e o interesse em manter o distrito funcionando podemos conseguir bons resultados. Isso está fadado ao sucesso”, acredita. Em um ano, a associação já passou de 35 associados para 70. O superintendente da SDE, Paulo Guimarães, reconhece que há uma desindustrialização no Brasil e na Bahia, mas acredita também que os fechamentos de indústrias estariam recebendo mais ênfase do que as aberturas. “Estão fechando? Sim, mas o saldo é positivo. O setor industrial está se pulverizando na Bahia, tem muita coisa acontecendo fora da RMS”, avalia. Como exemplos, ele cita investimentos em energias renováveis. 

Para Guimarães, os números relacionados à participação da indústria indicando retração se explicam pela concentração da atividade econômica no estado no setor de petróleo e gás. “A verdade é que se a refinaria (Landulpho Alves) espirrar, o estado fica gripado. O que acontece lá, no Polo é determinante para o desempenho da economia”, diz. 

Ele acredita que com o passar do tempo a tendência é que a economia baiana se torne menos dependente. 

Problema nacional O movimento registrado aqui na Bahia é similar ao registrado nacionalmente. Em 1985, a industrial brasileira era responsável por 48% do PIB do país. Em 2016, esta participação caiu para 21,2%, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI). No final de 2018,  foi registrada uma pequena melhora e a participação aumentou para 21,6%, mas nada que se possa comparar com o que se registrou na década de 80. 

Hoje, o setor econômico que tem a maior participação na composição do PIB nacional é o de serviços, que acumula 62,2% de participação. Por aqui, a participação dos serviços é de 67,7%. 

A perda de participação no PIB não significa a ausência de crescimento da atividade, mas que a mesma vem perdendo ritmo e crescendo menos que as outras atividades econômicas. Entre os anos de 2009 e de 2018, por exemplo, o número de empresas ativas cadastradas como indústrias de transformação na Bahia passou de 44 mil para 124 mil, de acordo com dados da Junta Comercial da Bahia (Juceb). 

O Gerente de Estudos Técnicos e Pesquisas na Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Ricardo Kawabi, explica que a queda na participação se dá por conta do peso “excessivo” que o setor de petróleo e suas atividades correlatas, como refino e a indústria petroquímica, tem para o estado. “Se pegarmos só a Petrobras e a Braskem, já alcançamos 50% do VTI (Valor de Transformação Industrial) da Bahia. Quando o preço do petróleo cai, tudo aqui cai também. Quando sobe, tudo sobe”, explica. 

Kawabi acredita que o cenário que se verifica aqui é parte do que acontece em todo o Brasil, só que agravado por uma dependência grande em relação a um número pequeno de grandes empresas. “Se compararmos a situação com São Paulo, lá se uma empresa está mal, outras compensam. Por aqui, o cenário é de grande concentração”, diz. 

Ricardo Kawabi explica que o processo de desindustrialização é natural e até saudável no caso de economias desenvolvidas. Ele acredita, no entanto, que o Brasil está passando por este processo de maneira precoce.“À medida em que um país se desenvolve, é natural que a pauta econômica migre da indústria para os serviços e que os atores econômicos se concentrem em atividades mais sofisticadas na área de tecnologia, por exemplo”, diz.Hoje, a participação da indústria brasileira no PIB é menor que a de países como China, Japão, Coreia do Sul e Alemanha, lembra. “Estamos no patamar dos Estados Unidos e Reino Unido, mas estes já aproveitaram a indústria para se desenvolver”. 

Um reflexo negativo da perda de participação da indústria na economia é a perda de empregos de qualidade. “Normalmente, o emprego na indústria tem uma qualidade maior, em termos de benefícios, que em outras atividades. Quando uma vaga deste tipo é extinta, é uma família que perde o seu respaldo financeiro, que deixa de contar um plano de saúde, entre outros benefícios”, diz. “O problema é que o Brasil ainda precisa muito do setor industrial, que não é só transformação, mas é construção civil, precisa de infraestrutura de energia, telecomunicações, portos, ferrovias, etc. Temos um país para construir ainda e isso deveria ser mais forte em nossa economia”, ressalta Kawabi. Historicamente, o Brasil associou o estímulo a atividade industrial às políticas de incentivos fiscais. A grosso modo, concedem-se isenções ou reduções nas alíquotas de tributos para compensar a própria carga tributária elevada, ou outros gargalos como os custos trabalhistas, a infraestrutura de escoamento deficiente, o custo elevado da energia, ou até dificuldades financeiras. 

Entretanto, a solução definitiva passa pela construção de um ambiente de negócios mais saudável, acredita Ricardo Kawabi. “Está na hora de se fazer o dever de casa. Não vai se impulsionar a indústria com a criação de barreiras malucas a produtos estrangeiros, ou estimulando esta ou aquela atividade. Temos que refletir para entender porque é tão caro produzir no Brasil e mudar isso”, diz. 

O que é o CIA?

Complexo Industrial  que reúne cerca de 140 empresas de diversos segmentos, fundado em 1967. Gera aproximadamente 13.530 postos de trabalho e fica localizado na Região Metropolitana de Salvador, nos municípios de Simões Filho e Candeias. Às margens da BR-324, está a 18 km da capital, 20 km da Refinaria Landulpho Alves e 25 km do Porto de Salvador.