'Me abraçou como se estivesse se despedindo', diz irmão de motorista morto em chacina

Daniel foi velado juntamente com outra vítima da matança, Sávio, no Campo Santo

Publicado em 14 de dezembro de 2019 às 14:58

- Atualizado há um ano

(Foto: Bruno Wendel/CORREIO) A dor foi compartilhada também na hora do adeus. Depois de chegarem quase ao mesmo tempo no Instituto Médico Legal (IML) para a liberação dos corpos, parentes de dois dos quatro motoristas de aplicativo que foram vítimas de uma chacina velaram ao mesmo tempo os corpos dos seus entes queridos, na manhã deste sábado (14), no Cemitério Campo Santo, no bairro da Federação. 

Os quatro motoristas foram encontrados mortos, com sinais de golpes de facão, na manhã desta sexta-feira (13), na comunidade Paz e Vida, no bairro da Mata Escura. Os corpos estavam enrolados em sacos plásticos, numa área de vegetação da localidade, a poucos metros de um barraco, onde as vítimas foram mantidas em cárcere privado, torturadas e depois executadas. 

Um quinto motorista de aplicativo conseguiu escapar dos criminosos e relatou à polícia que todas as vítimas foram atraídas ao local para uma emboscada após atenderem ao chamado de duas travestis, que solicitaram as corridas para a comunidade. Lá, as vítimas foram rendidas uma a uma por três homens ainda não identificados. 

Neste sábado, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) divulgou que um dos suspeitos de participação na chacina foi morto em confronto com a Polícia Militar na noite desta sexta-feira (13), em Itinga, bairro de Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador (RMS). A troca de tiros aconteceu entre policiais da 81ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Itinga) e três homens armados – o segundo também morreu e o terceiro conseguiu fugir. 

Enterro  Enquanto Sávio da Silva Dias, 23, era velado no salão 4, o corpo de Daniel Santos da Silva, 32, recebia também as últimas homenagens no salão 5.  “Um dia antes de morrer, ele brincou comigo, me deu um abraço forte, como nunca havia feito, pois não era muito de demonstrar os sentimentos. Ele me abraçou como se estivesse se despedindo”, disse o irmão de Daniel, Edson Silva, enquanto recebia apoio de parentes e amigos. Os corpos foram enterrados a partir das 11h.  

Edson disse que estava com a família quando tomou conhecimento de que Daniel era uma das vítimas da chacina. “Estava com casa, brincando com o meu filho de um ano, quando vi pela TV a imagem do carro dele. Fiquei estático. Foi quando um outro irmão me ligou e tive a certeza de que Daniel era um dos mortos. Foi a pior notícia desse ano”, declarou, emocionado. 

De acordo com ele, era a primeira corrida de Daniel. “Ele saiu de casa às 6h30, tinha recebido o primeiro chamado e não mais foi visto com vida”, disse Edson. Daniel morava em Fazenda Grande do Retiro e trabalhou como motorista de transporte alternativo. “Rodava em Topics fazendo linha no Largo do Tanque e começou a trabalhar há 15 dias como motorista de aplicativo”, disse. 

Entre os amigos de Daniel abalados estava Afrânio Félix, 27, que também é motorista de aplicativo. Apesar de consternado, ele disse que o ofício já foi bom. “Logo no início, era mil maravilhas. Não havia violência. Só que os bandidos passaram a ter a gente também como alvos. Hoje, todo mundo que sair disso, mas quando vai ver a realidade da rua, desiste, porque o desemprego é grande. Isso não é um trabalho. É uma condição de sobrevivência”, declarou. 

Afrânio também conhecia Sávio. “Era um menino do bem”, disse. Sávio morava no Conjunto Arvoredo, na Estradas das Barreira, no bairro do Cabula. “Cresceu com os meus filhos. Um rapaz que só tinha tamanho e por isso era muito ingênuo”, disse o aposentado Ronilson Ferreira de Oliveira, que, para complementar a renda, também trabalha como motorista de aplicativo. 

Segundo ele, poderia estar no lugar de Sávio. “Somos vizinhos e, no dia, resolvi acordar mais tarde. Se tivesse levantado mais cedo, a corrida que o levou para morte cairia pra mim”, revelou.