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Gabriel Amorim
Publicado em 30 de janeiro de 2020 às 07:11
- Atualizado há 2 anos
“222 ml de esperança”. Foi assim que o baiano Alexandre Pimenta, 34 anos, começou seu relato de uma experiência um tanto incomum. Cadastrado no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome), ele foi chamado para uma doação e concluiu o processo em Recife na manhã de terça-feira (28). “Quando fiz o cadastro, repetia: 'Nunca vão me chamar', mas as missões vêm para quem as encara de coração aberto”, acredita.>
O cadastro que colocou os dados de Alexandre em um banco nacional de possíveis doadores aconteceu em 2014. “Tinha um ônibus do Hemoba no meu trabalho e eu resolvi tirar um tempinho pra fazer esse cadastro. Na época, não tinha nada muito forte que me fazia ter vontade de cadastrar, só a possibilidade de ajudar outras pessoas. Meu conhecimento também era muito pequeno, eu só sabia que era importante cadastrar”.>
Alexandre faz parte dos 184 mil baianos que estão, hoje, cadastrados no banco. Apenas em 2019, foram 20 mil novos cadastros, segundo informações da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab).>
A história do servidor público com doações é recorrente. Pimenta é doador regular de sangue e plaquetas e é, inclusive, acionado por bancos de sangue quando a necessidade de coletas de plaquetas está grande.>
“Sempre me ligam quando precisam de plaquetas, porque o processo de doação é um pouco diferente, então eles costumam recorrer a quem já tem costume. É algo que seu corpo se regenera, não lhe faz falta. É um gesto tão rápido para uma pessoa e pode significar tanto pra outra. Acho que é um papel que todo mundo devia estar fazendo”, opina ele.>
Médula Na nova doação de medula, o processo foi um pouco mais longo. Começou em setembro de 2019, quando Alexandre recebeu o primeiro contato sobre a possível compatibilidade. Ele lembra que, a todo momento, era questionado pelas equipes médicas se queria continuar o processo. A doação é anônima e voluntária, e o doador tem o direito de não prosseguir caso não queira mais. >
Sobre a pessoa que ajudou a tratar, Alexandre sabe apenas que mora em Natal. Todo o processo da coleta foi realizado em Recife, já que Salvador só realiza o procedimento em casos de doação entre pessoas da mesma família, e começou na última sexta-feira (24). As despesas são custeadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).>
Um mês antes, em dezembro, depois de novos exames, a compatibilidade entre doador e receptor havia sido confirmada. As chances de pessoas sem laços de sangue serem compatíveis são muito baixas, segundo o Centro de Transplante de Medula Óssea do Instituto Nacional do Câncer (Inca).>
Quando se trata de um anônimo, a chance de ser 100% compatível é de 0,001% - 1 a cada 100 mil. Já a de um irmão (mesmo pai e mesma mãe) é de 25%. Os pais são descartados por serem 50% compatíveis, já que doaram metade da carga genética dos filhos. >
Alexandre realizou uma das três formas possíveis de doação de medula. "A decisão é do médico assistente do paciente e vai depender da patologia, além de fatores como peso do doador e do receptor e acesso venoso. Pode acontecer por coleta de medula óssea no centro cirúrgico; coleta de células progenitoras no sangue; ou banco de cordão umbilical", explica a hematologista e diretora de hemoterapia da Fundação Hemoba, Rivânia Andrade.>
Todo o procedimento do baiano, que utilizou a coleta de sangue, começou com uma ida diária ao hospital para aplicação de um medicamento que estimulava a produção das células-tronco presentes na medula. Depois de quatro dias, a coleta do material que seria doado foi feita através de um processo denominado aférese - onde o sangue coletado passa por uma máquina, separando a parte necessária para a doação. No caso dele, o processo final durou cerca de quatro horas e foi necessária apenas uma sessão. >
Durante os dias em que esteve em Recife, o servidor diz que contou com todo o apoio dos colegas de trabalho, amigos e família. “Todos no trabalho deram muito suporte, até porque se cadastraram comigo. Eles lembraram do dia, foram todos muito compreensivos, incentivaram, apoiaram”.>
Depois do processo, nenhuma dor ou arrependimento. “Sempre tem um efeito colateral, mas não foi nada absurdo. É uma dor muito fraca, um cansaço, mas algo muito pequeno perto do que isso tudo significa”, acredita.>
Repercussão O gesto de Alexandre agora circula pelas redes sociais e emociona quem convive com ele. “Em momento nenhum, eu tive medo ou receio do que ia acontecer. Quantas vezes precisasse, eu doaria. Incentivo meus amigos, família. Levanto mesmo essa bandeira, que as pessoas se cadastrem, doem sangue, façam o que estiver ao alcance delas, que enfrentem seus medos. É uma chance muito pequena de encontrar alguém compatível. Então, quanto mais pessoas cadastradas, melhor”, relata.>
Para ser um doador de medula, é preciso ter entre 18 e 55 anos e não possuir doenças infecciosas, câncer ou deficiências no sistema imunológico, preencher um formulário com dados pessoais e realizar a coleta de uma amostra de sangue com 5 ml para testes de compatibilidade. >
“Ter concluído esse processo de doação de medula não me faz melhor que ninguém, mas me faz mais humano, me faz ter mais empatia com a dor do outro. Me mostra que meus gestos e os de cada um podem, sim, mudar o mundo”, diz o doador baiano.>
* Com orientação do chefe de reportagem Jorge Gauthier>