Medicamentos à base de cannabis devem ser distribuídos no SUS em 2023

Câmara de Vereadores aprovou o projeto de lei que prevê a política municipal de uso da cannabis para fins medicinais

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  • Da Redação

Publicado em 15 de dezembro de 2022 às 05:00

. Crédito: Foto: Ana Lúcia Albuquerque/CORREIO

Poucos dias depois de nascer, Heloa, de 4 anos, começou a apresentar crises convulsivas. A menina chegou a enfrentar até 30 episódios diários, mas há cinco meses está saudável. Ela faz uso do canabidiol (CBD), óleo extraído da maconha, medicamento que custa em média R$ 500 o frasco. Ontem, como foi antecipado pela coluna Satélite, do CORREIO, foi dado o primeiro passo para que esse tipo de medicação seja distribuído gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde em Salvador, a partir da aprovação de projeto de lei pela Câmara de Vereadores. A previsão é que os remédios à base de cannabis comecem a ser entregues pelo SUS na capital no ano que vem.

O PL nº 172/2021, de autoria do vereador André Fraga (PV), prevê a distribuição gratuita em unidades de saúde conveniadas ao SUS de medicamentos prescritos à base da maconha, que contenham em sua fórmula as substâncias CBD ou o tetrahidrocanabinol (THC). Também são propostas a criação de uma política municipal de uso da cannabis para fins medicinais e o fomento à pesquisa científica. O projeto segue agora para análise do prefeito Bruno Reis.

Um frasco do medicamento usado por Heloa dura, em média, três meses, mas a quantidade administrada pelos médicos varia conforme a condição de cada paciente. Apesar das crises convulsivas lembrarem a epilepsia, a mãe da menina explica que o diagnóstico ainda não foi fechado e que os médicos tratam o caso como uma "síndrome rara”. 

Patrícia Freitas, 25, que cuida da filha desde o nascimento, conta que a família precisou apertar o orçamento para que a menina pudesse fazer o uso da medicação.“Ela é outra criança agora. Quando ela tinha crises era muito difícil, não dormia à noite e ficava toda desconcertada. Graças a Deus hoje ela está bem”, conta aliviada.  Há cinco meses Heloa não enfrenta crises de convulsão (Foto: Acervo pessoal) Heloa faz parte de um tratamento da Fundação de Neurologia e Neurocirurgia Instituto do Cérebro e, por isso, está tendo acesso ao medicamento de forma gratuita. Mas a distribuição pelo SUS das medicações é uma reivindicação de muitos pacientes que não conseguem acessar o tratamento caro. Ainda não é possível dizer quando os medicamentos vão estar disponíveis, mas André Fraga acredita que no que vem a lei seja implementada no município.“Os medicamentos ainda são caros e a ideia é que a gente possa, através do fornecimento deles no SUS, democratizar o acesso para aqueles que não tenham condições de comprar”, explica o vereador. Comprovação 

A eficácia de medicamentos feitos à base de CBD e THC no tratamento de diversas doenças já foi comprovada cientificamente, como explica o presidente da Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil (Cannab), Leandro Stelitano. 

O uso medicinal da planta não se assemelha com o consumo recreativo, no qual prevalece a planta de origem desconhecida e com possibilidade de misturas tóxicas. No manejo voltado à saúde são utilizadas formulações legais e aprovadas por agências regulatórias. 

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“A Anvisa autoriza o uso dos medicamentos à base de cannabis para mais de 30 patologias. Hoje, na Associação, temos pacientes com epilepsia refratária, autismo, esclerose múltipla, insônia, fibromialgia, entre outras”, diz. 

Há sete anos, a bióloga Rita de Cássia Costa, 56, convive com a ciatalgia crônica, dor que irradia ao longo do nervo ciático e desce para as pernas a partir da lombar. Muitos foram os tratamentos que ela procurou antes de conseguir uma autorização judicial para fazer o uso do óleo feito com óleo extraído da maconha. Para ela, o frasco dura cerca de 15 dias. “Eu comecei o uso do óleo neste ano e tem sido uma mudança fantástica. Imediatamente a dor começou a diminuir e hoje eu consigo dormir a noite inteira”, relata.  Rita de Cássia começou a fazer o uso do óleo no início deste ano e já sente a melhora do quadro de ciatalgia (Foto: Acervo pessoal) Apesar de a eficácia do tratamento já ter sido colocada em prova e existirem diversos medicamentos aprovados pela Anvisa, ainda há muito desconhecimento em relação ao uso da cannabis medicinal. “O preconceito ainda existe, mas de cinco anos para cá vem diminuindo porque mais informação está sendo disseminada e cada vez mais pacientes estão querendo ir para a terapia”, analisa Leandro Stelitano. 

Para o presidente da Cannab, o projeto de lei aprovado pela a Câmara de Vereadores abre um caminho importante para que mais pesquisas sobre o assunto sejam realizadas no estado.

Salvador está na vanguarda na discussão do uso dos medicamentos

A aprovação do projeto de lei que estabelece a distribuição de remédios à base de cannabis nos postos municipais de saúde coloca Salvador entre as cidades e estados brasileiros que já avançaram nessa legislação, como Búzios (RJ), Marília (SP), Goiânia (GO), Distrito Federal, Rio Grande do Norte, Alagoas, Pernambuco e Paraná.

O projeto na capital foi aprovado após a cosutra de um acordo entre os vereadores da situação e oposição na Câmara Municipal, inclusive com a bancada evangélica. O pastor licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, vereador Isnard Araújo (PL), é um dos que concorda com o uso medicinal de substâncias extraídas da cannabis. 

“Eu não posso ser contra uma medicação que é natural e criada por Deus. Alguns fazem o uso indevido, mas sendo usado adequadamente a fim de salvar vidas e medicinal não acho que a bancada [evangélica] deva ser contra”, afirma.

Como ainda não há regulamentação federal sobre o uso medicinal da cannabis, estados e municípios se adiantam para estabelecerem leis próprias.

“Salvador está adiantada na discussão, mas não é a primeira. Existem algumas cidades em que os projetos já foram sancionados. Mas colocar o projeto em prática demanda tempo”, explica Leandro Stelitano. Segundo ele, apenas Búzios já colocou a distribuição dos medicamentos através do SUS em prática. 

*Com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo.