'Medo nos manteve vivos', diz bombeiro baiano sobre Brumadinho; leia relato

Equipe baiana participou de 12 dias de buscas por sobreviventes em Minas Gerais

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  • Tailane Muniz

Publicado em 15 de fevereiro de 2019 às 12:27

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Almiro Lopes/CORREIO

Bombeiro militar Orígenes Maurício Rocha Júnior, 32, passou 12 dias com equipe baiana em Minas (Fotos: Almiro Lopes/CORREIO) É como se o sonho de vida, realizado ao entrar para a tropa do Corpo de Bombeiros da Bahia, há nove anos, fizesse mais sentido agora. À procura de corpos, num terreno cercado de escombros - restos de árvores a animais, até casas inteiras -, sob um sol que aquecia a ponto de ferver a pele.

O cenário, que, nem de longe, inspira os sonhos da maioria das pessoas, é motivo de realização e honra para o soldado BM Orígenes Maurício Rocha Júnior, 32 anos, que, por 12 dias, participou de buscas por sobreviventes na área invadida pela barragem Mina Córrego do Feijão, no município de Brumadinho, em Minas Gerais.

Ele é um dos 31 bombeiros militares da Bahia que atuaram na força-tarefa de Brumadinho e retornaram para Salvador no final da tarde desta quinta-feira (14). 

Desde a ruptura da represa, de propriedade da mineradora Vale, em 25 de janeiro, a terra foi da lama à solidificação atual, o que pôs fim à participação das tropas, devido à impossibilidade de trabalho na área. Até agora, 166 corpos foram encontrados, e outros 155 seguem desaparecidos. 

O trabalho dos bombeiros, que só conseguiam chegar ao local por meios aéreos, foi substituído por maquinários que têm, agora, a missão de remover o que restou do mar de lama que, ao longo das buscas, parecia ter sede por engolir o que via pela frente.

"O risco de morte era altíssimo. A lama afundava a gente. Foi um trabalho muito honrado e difícil. É duro deixar sua família, saber que você está indo, mas que pode não voltar. Saíamos sempre com essa consciência", disse à reportagem. 

O medo de morrer soterrado tinha nome e sobrenome: barragem B6, vizinha ao local. "O medo só não era maior que o nosso objetivo. Mas ele é importante, é o medo quem nos mantém vivos. A cada vez que o comando dava um alerta, a gente sabia que era o risco mais perto", relatou.

A esposa, também bombeira militar, Maurício conheceu quando entrou na corporação, aos 23, em Teixeira de Freitas, no Extremo-sul do estado, onde nasceu, e para onde retorna nos próximos dias. 

Veja relato de bombeiro: "Me senti honrado pelo convite. Saber que o Corpo de Bombeiros da Bahia disponibiliza profissionais que podem fazer frente a esse tipo de ocorrência. Ao mesmo tempo, apreensivo pelos colegas bombeiros que já estavam lá. 

A primeira impressão foi o engolfamento, que é você pisar e precipitar na lama, não tem estabilidade e afundar. O risco era real, o tempo todo. Deixar sua família em casa e saber que a gente poderia não voltar, é muito difícil. 

Havia o risco de rompimento da outra barragem, a B6, então, em caso de ruptura, cada um de nós estando lá, não haveria como sair dali. Trabalhamos com risco de morte. 

Todos os dias a nossa rotina começava às 5h, e terminava por volta de 22h, 23h. Nós planejávamos a ação no dia anterior, e depois nos reuníamos e replanejávamos novamente. Sempre planejando a ação do dia seguinte. 

Estávamos subordinados ao comando de Minas Gerais, que coordenou a operação, e eles confiaram no nosso trabalho. Mas tínhamos essa apreensão diária de não voltar. As aeronaves deixavam a gente bem próximo do solo, quando era possível.

 Nós descíamos rastejando pela lama, até o ponto de trabalho. Éramos divididos em grupos de 13 bombeiros. A depender da necessidade, as equipes eram redivididas. Geralmente, trabalhávamos a tropa da Bahia, mas houve situações em que trabalhamos com Rio de Janeiro, Sergipe, eles tinham cães de farejamento.  

A área era dividida em quadrantes e cada quadrante era determinado para uma equipe trabalhar, de modo que toda área pudesse ser varrida e tivesse o maior êxito possível.

Em respeito à honra das famílias, às determinações deles, há detalhes da operação de resgate que eu não posso revelar. Não vamos divulgar o que encontramos, mas posso dizer que foi muito proveitoso.

Nossa equipe progride bem em terrenos difíceis, nós fomos colocados em terrenos difíceis, perigosos e fomos felizes. Nós trabalhamos com o risco da B6, em alguns locais a profundidade era de 10, 12, 15 metros. As forças trabalhavam unidas o tempo todo. 

O comando de incidentes foi muito transparente, as aeronaves ficaram monitorando o nosso trabalho, para dar certo apoio, porque o comando de incidentes era bem claro: havia risco. Eu tive medo em vários momentos. O medo nos mantém vivos.

É claro que o medo não pode ser maior que o objetivo. O objetivo foi cumprido. Os familiares tinham um contato com uma equipe especializada em tratamento psicológico. Todos os momentos, o calor, os riscos, os vários momentos de emoção, com todos se emocionando juntos. 

Havia pessoas voluntárias que cozinharam, organizaram, que prepararam o ambiente pra gente. O lado mais bonito de tudo isso eu vi com o fato de como as pessoas são solidárias nessas situações. 

Minha esposa ficou apreensiva mas feliz ao mesmo tempo. A gente não mantinha contato, o foco era total na operação, falávamos muito pouco com nossos familiares".