Meio vacinados e infectados: entenda por que existe infecção após a imunização

Enfermeira primeira vacinada na Bahia está internada no Instituto Couto Maia; quadro é estável 

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  • Marcela Vilar

Publicado em 24 de fevereiro de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO

Foi no dia 19 de janeiro, no santuário das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), que a primeira pessoa na Bahia recebeu a vacina contra o novo coronavírus - a enfermeira Maria Angélica de Carvalho Sobrinho, de 53 anos. Cerca de um mês depois, Maria Angélica está internada no Instituto Couto Maia, onde trabalha, por complicações da covid-19. O quadro de saúde dela é estável, segundo a diretora do Couto Maia, Ceuci Nunes. A infecção acometeu a profissional de saúde três dias antes de antes de receber a segunda dose do imunizante, ou seja, ela não estava completamente imunizada da doença.  

“Ela está melhorando e já teve todos os sintomas: febre, dor de garganta, tosse, tudo. Está internada há 8 dias e, se tudo correr bem, porque covid não á algo previsível, ela vai poder sair até o final dessa semana”, comenta a infectologista Ceuci Nunes. Maria Angélica iria tomar a segunda dose da Coronavac no dia 16 de fevereiro e no dia 13 começou a sentir os sintomas. A enfermeira não tinha tido a infecção antes.  

A médica e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Viviane Boaventura tranquiliza que esse tipo de situação já era prevista. “Isso já vinha sendo avisado, que a taxa de proteção que a primeira dose da vacina confere é muito baixa. Somente após duas ou três semanas da segunda dose é que a gente espera ver uma resposta de eficácia. Antes disso, não é esperado”, esclarece Viviane. 

Mesmo após tomar as duas doses, ainda é possível haver contaminação, já que não existe, até então, vacina com eficácia de 100%. “Depois da segunda dose, não se pode descuidar, já que o vírus está circulando livremente e a gente tem uma variação na eficácia da vacina. Tem gente que reage muito bem e tem que gente que não, isso acontece com qualquer vacina, até de gripe, e pode ocorrer em qualquer pessoa, em qualquer época”, detalha Boaventura.  

A pesquisadora da Fiocruz enfatiza que essa espera para a resposta imune é essencial. “A vacina não é uma bala de prata, a gente tem que vacinar as pessoas, mas essa imunização não é perfeita e a resposta demora de acontecer. Tem uma taxa muita baixa de pacientes que, mesmo tomando as duas doses, podem ter a infecção e isso varia também de acordo com a vacina, mas até com a Pzifer [que tem a maior eficácia até agora, de 95%], acontece, só que em uma quantidade menor”, reforça Boaventura. 

Vacina ainda é o melhor remédio  A médica defende que a vacina é a melhor arma que temos contra a covid-19 até o momento. “A vacina é uma estratégica de saúde pública, você reduz a circulação do vírus, o número de pessoas doentes e consegue conter a doença. Mas não se pode deixar relaxar, muito menos porque tomou as duas doses. Em um momento como esse, de plena ascensão de casos no Brasil, com novas cepas, a recomendação é vacinar todo mundo, para que tenha uma queda na transmissão da covid e um número menor de pessoas internadas, ou seja, para que a gente tenha um risco menor de pegar a doença, é a nossa melhor arma contra a infecção do coronavírus”, defende Viviane.  

Com a interrupção do processo de vacinação, a pesquisadora pontua que a imunidade demorará mais tempo para chegar no país, ainda mais em larga escala, que é o ideal agora. “O Brasil precisa de vacina para ontem. Era muito importante que tivessem outras vacinas disponíveis, quanto mais e o quanto antes, melhor, porque o efeito de imunidade demora 60 dias, então, quanto mais cedo a gente começar a vacinar, mais cedo terá esse efeito. Se a vacina está em conta-gotas, vai ter um impacto muito fraco e a gente deixar o vírus proliferando livremente”, critica.  

A pesquisadora também diz que, quanto mais tempo demorar, mais variantes do vírus podem surgir. “Quanto mais ele se multiplica, mais mutações ele pode sofrer, ou seja, quanto mais gente vai se infectando, o vírus vai sofrendo mutações e há variantes que preocupam, como essas três, de Manaus, da África do Sul e a inglesa. Elas são variantes que aumentam a taxa de transmissibilidade, elas conseguem se disseminar muito rapidamente e mais gente é internada”, completa Boaventura.  

Conheça outras pessoas que se infectaram após a primeira dose  Além da enfermeira Maria Angélica, o médico cirurgião geral Radmesse Brito, pegou o novo coronavírus após ter tomado a primeira dose da Coronavac, em 26 de janeiro. Doze dias depois, no dia 7 de fevereiro, ele começou a sentir dores no corpo, moleza e teve diarreia. Uma semana depois disso, os sintomas pioraram: Rad começou a sentir falta de ar e a saturação no pulmão ficou abaixo de 92%. O médico, que mora em Jequié, veio para Salvador para buscar internamento. Ele está internado desde o dia 15 no Hospital Aliança, com quadro de saúde estável e já deixou a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ele já havia se infectado pela covid-19 em agosto em 2020 e foi assintomático.  

“Acreditamos que ele tenha contraído a covid entre os dias 2 e 4 de fevereiro, no trabalho no hospital. Ele estava afastado desde o dia 11 de dezembro, quando fez uma cirurgia na mão, e retornou no dia 2 de fevereiro. Graças a Deus ele não precisou de respirador, usou um cateter de alto fluxo, parecido com cateter normal, só que permite o envio de oxigênio mais concentrado, evitando a intubação. Estamos assustados, acho que essa é a palavra que define melhor”, relata a esposa de Radmesse, a psicóloga Patrícia Brito, que acompanha o marido no Aliança. Após 30 dias que tiver alta da unidade, ele está autorizado para tomar a segunda dose. 

Joselito Sena, 55, é motorista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) há 14 anos e também foi um dos que tomou a primeira dose da vacina e contraiu a covid-19 logo depois. Após quatro dias da primeira injeção da Coronavac, ele começou a sentir sintomas. “Tomei a primeira dose início de fevereiro, eu estava normal, mas, quatro dias depois, comecei a sentir sintomas. Tive falta de paladar e olfato, dor de cabeça e garganta inflamada”, conta o condutor.  

Joselito ficou afastado do trabalho durante 15 dias e já retornou – apesar de a garganta continuar “arranhando”. A esposa e o filho, que moram com ele, também pegaram a doença na mesma época. Pelos sintomas terem sido leves, não foram necessários medicamentos, mas o receio de pegar a doença mais uma vez persiste.  

“O medo existe e é intenso, de ficar contaminado de novo, não poder tomar a segunda dose, e levar a doença para a família toda, de novo. Aí que está o problema. Mas, tem que trabalhar senão não pode levar o pão para dentro de casa. E ainda tem a população que não respeita os decretos, as ordens e apelos das autoridades, com os casos só aumentando todos os dias. O SAMU está dobrando o trabalho sem ter aumento de quantitativo humano e aí todo mundo fica sobrecarregado”, desabafa Sena. A orientação que ele recebeu dos órgãos de saúde foi tomar a segunda dose após 30 dias do início dos sintomas.  

O técnico de enfermagem Alexandre Lincoln Andrade, de 45 anos, também foi um dos que contraiu a covid-19 após a primeira dose. Ele tomou a Coronavac no dia 19 de janeiro e, cinco dias depois, começou a ter tosse, dores no corpo e febre. Os sintomas persistiram durante três dias. "Não fiquei internado graças a Deus, só usei dipirona por causa da febre", conta Alexandre. O técnico, no entanto, tomou a segunda dose do imunizante no dia 17 de fevereiro, orientado pelo SAMU. 

"Dia 19 fiz o uso da primeira dose, e, após três ou quatro dias, comecei com os sintomas. Fui para o gripário, fiz o swab, tudo diretinho, e deu positivo. A segunda dose era pra ser administrada no dia 16 de fevereiro e tomei dia 17. Tomei antes dos 28 dias que é recomendado porque eu estava de plantão no dia 17, passei com a equipe, todo mundo ia se vacinar, e não me lembrei desse intervalo que tem que ter e fiz a administração da segunda dose", confessa. Alexandre disse que buscou informações com médicos, que o informaram que não seria prejudicial não ter esperado o intervalo. Ele não teve complicações após o episódio: "Estou bem".

Secretarias de saúde não monitoram quem contraiu covid após vacina  Não existe, no entanto, monitoramento algum das pessoas que contraíram a covid-19 após terem tomado a primeira dose da vacina, nem por parte da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), nem pela Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab). “A Sesab não tem nenhum monitoramento em relação a isso. A recomendação é que, mesmo aquelas pessoas que tomaram uma ou duas doses da vacina, continuem com as medidas recomendadas como utilização de máscaras, distanciamento social e higiene constante das mãos”, informou, por meio de nota. 

Já a SMS disse que não tem dados sobre o monitoramento direto de cada pessoa, mas “a orientação do fabricante do imunizante é que pessoas sintomáticas não recebam a primeira nem a segunda dose”, comunicou. A secretaria aguarda o envio de novas doses do imunizante para continuar o plano de imunização na cidade, interrompido na última terça-feira (16), por falta de estoque. A pasta afirmou ainda que iniciou o cadastramento de idosos entre 60 e 79 anos para “ter um levantamento mais assertivo de pessoas dessa faixa etária que residem na cidade”. A estimativa inicial era de que são 185.556 idosos de 60 a 74 anos, 63.358 idosos acima de 75 anos, além dos 102.997 trabalhadores de saúde.  

Novo lote de vacinas chega ao Ministério da Saúde  O Ministério da Saúde (MS) informou que, na manhã desta terça-feira (23), chegou um voo com as 2 milhões de doses do imunizante da AstraZeneca/Oxford importadas da Índia. Segundo a pasta, "as vacinas já estão em Bio-Manguinhos/Fiocruz (RJ) para que possam ser rotuladas antes de serem distribuídas ao Programa Nacional de Imunização (PNI)". O Ministério ainda disse que outra remessa de doses da Coronavac está prevista para ser entregue nesta semana, pelo Instituto Butantan, mas não indicou quantas e quando chegarão à Bahia. 

Na última quinta-feira (18), o Ministério comunicou que o Butantan enviou um ofício no qual informava que só entregaria 30% das doses previstas para fevereiro. "O Ministério contava com a entrega de 9,3 milhões de doses da vacina contratada junto à Fundação Butantan, foi informado que receberá somente 30% dos imunizantes previstos em contrato para fevereiro, totalizando apenas 2,7 milhões de doses". 

O cronograma de envio das vacinas, no entanto, ainda não definido. Ele "está sendo organizado e será divulgado após o recebimento das doses". Diante do atraso na entrega das doses do Butantan, o órgão "precisará rever a distribuição e o quantitativo das doses das vacinas relativas ao mês de fevereiro, divulgada aos secretários de saúde dos estados e Distrito Federal".

Relembre o que acontece no corpo humano quando tomamos a vacina: 1. A primeira dose da vacina  Quando uma vacina é administrada, por via intramuscular, há uma inflamação e as células do sistema imunológico são ‘enviadas’ até o local e começam a analisar quimicamente a substância que foi injetada ali, incluindo o antígeno que a vacina leva – no caso da CoronaVac, o coronavírus inativado.

2. Quando percebem a presença da vacina, as células especializadas ‘orquestram uma ação’ As células que identificam a inflamação fazem parte do sistema imunológico e são chamadas de células dendríticas, ou DC. Elas começam a agir para produzir uma resposta imune, levando o antígeno presente na vacina até outra parte do nosso corpo, os linfonodos. Eles são gânglios cobertos por tecidos linfáticos aderentes. Nestes locais, se encontram linfócitos – outras células do sistema imunológico.

3. Tempo de resposta pode levar dias Uma das razões para que a resposta imune da vacina não seja imediata é o fato de que o sistema imunológico leva um tempo até orquestrar uma ação e fazê-la, de fato, acontecer. O transporte do antígeno até os linfonodos, onde a resposta vai acontecer, leva alguns dias – no primeiro contato do corpo com a vacina, a resposta completa pode levar 21 dias.

4. Linfócitos são acionados Todas as informações da vacina, incluindo, no caso do coronavírus, uma proteína chamada Spike, chegam até os linfonodos e, lá, elas encontram os linfócitos. Há vários, mas aqui nos interessam particularmente os linfócitos T e B. Os primeiros são produzidos no timo, uma glândula localizada entre os pulmões e o coração, onde os linfócitos T são ‘capacitados’ para comandar a defesa do nosso corpo a um agente invasor. Além dos linfócitos T, há ainda os linfócitos B, produzidos na medula óssea.

5. Linfócitos começam a produzir anticorpos Quando a vacina chega aos linfonodos, eles ativam os linfócitos T e B. Os linfócitos B são responsáveis pela produção de anticorpos neutralizantes. Eles têm uma grande capacidade de aderência à proteína Spike, presente no coronavírus e responsável por fazer com que ele entre nas nossas células. Com a grande capacidade de adesão, os anticorpos ‘colam’ nessa proteína e formam uma barreira, impedindo que ela infecte o corpo humano.

6. O corpo começa a responder Entre a chegada da vacina, a reação das células dendríticas e a atuação dos linfócitos T e B, o corpo começa a gerar uma imunidade adaptativa, que envolve a formação dos anticorpos neutralizantes. Esse processo leva em torno de três semanas após a primeira dose. Não significa que a vacina vai funcionar bem e para garantir que a resposta imune seja suficiente e duradoura, algumas vacinas necessitam de uma segunda dose (ou até de uma 3ª dose).

7. A segunda dose Imunologistas perceberam que se uma segunda dose da vacina for aplicada três ou quatro semanas depois da primeira, a resposta imune é acelerada e permanece por mais tempo no corpo. Isso gera uma inflamação aumentada no local, o que também faz aumentar a resposta imune. Assim, após o desenvolvimento da memória imunológica durante a vacinação - pode demorar 30 a 60 dias - da próxima vez que o corpo tiver contato com aquele invasor, a resposta vai ser mais rápida, de cerca de 3 a 7 dias. Isso evita em muitos casos o desenvolvimento da doença e circulação do coronavírus.

*Sob orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro