Mesmo sobre-humanos, atletas olímpicos ainda são humanos

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

  • Foto do(a) author(a) Gabriel Galo
  • Gabriel Galo

Publicado em 29 de julho de 2021 às 05:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Uma das primeiras lições que aprendemos ao nos descobrirmos amantes do esporte é identificar os maiores palcos de cada modalidade. E não há maior que o das Olimpíadas. Somos bombardeados por grandes exemplos de superação, obstinação imparável, romantização do sofrimento. Não há objetivo maior senão o da glória em uma edição dos Jogos Olímpicos.

A cena da maratonista suíça Gabrielle Andersen na chegada da prova em Los Angeles 1984, com o apoio do discurso de Olimpíada acima de tudo, desistir jamais!, se tornou símbolo da romantização desmedida. De um certo modo, uma narrativa tóxica. Porque ali, não vejo beleza e determinação: vejo tão somente com o esporte pode ser prejudicial à saúde, tanto física quanto mental. Desistir tem que ser visto como opção viável. Desistir pode ser a melhor opção disponível para nós em determinada situação.

Um caso emblemático é o do ex-tenista Marcelo Saliola. Prodígio do tênis brasileiro, ainda adolescente acumulava troféus, vitórias contra os melhores do mundo, capas de revistas, fortuna sendo acumulada. Aos 17 anos, decidiu parar de jogar. Descobriu-se infeliz. Simplesmente não gostava de jogar tênis, nem do ambiente de competição. O Brasil perdeu um excelente prospecto – mas Saliola ganhou sua vida de volta. Nas artes, exemplos de jovens-maravilha perdidos não faltam. Por que, afinal, no esporte haveria de ser diferente?

A hiperexposição em redes sociais transformou qualquer um num potencial guarda da esquina, fiscal oficial do alheio. Não basta a cobrança pelo desempenho esportivo: tem-se que ter o corpo perfeito, publicar foto ideal, gerar conteúdo diário, atender às demandas de opiniões certeiras.

Manter-se afastado da imposição de comportamentos e atuações é tarefa que exige esforço mental sobrenatural. Nem ao menos trata-se de questão com a qual poucos conseguem lidar: não é possível vencer. Não é duelo de forças iguais. É a ditadura de todos contra o isolamento de um.

A tóxica cultura autoevidente impõe outros dogmas. A vitória e a glória vêm para quem merece – perder, portanto, não é parte do esporte, mas fracasso. Trabalhe enquanto eles dormem é mantra de muitos – e como fica o descanso? Por fim, desistir é para os fracos de corpo, mente e caráter – como se a teimosia estúpida fosse elemento imutável.

No fundo, é impossível saber o que vive cada um para que, na somatória de motivos, decida-se pela desistência. Pese-se o tamanho do palco olímpico, e faça-se a pergunta: você consegue captar quão dolorido tem que ser o sofrimento para que a desistência venha?

Simone Biles e Naomi Osaka são exemplos de como a saúde mental é tema atual e urgente. Para muitos, a incompreensão advém justamente da incapacidade de compreender a individualidade da situação. Não há regra, ou fórmula: cada um é o único que sabe do fardo que carrega. Ao se desistir, não deveria importar se certo ou errado. A primeira ação idealmente oferecida deve ser a de acolhimento.

Mas insistimos em terceirizar a responsabilidade de superar nossas frustrações para nomes forjados em ufanismo e em violentos conceitos de perfeição. Sentimo-nos, ao vermos eles desistirem, abandonados. Sobretudo, nos confrontamos com nossa atroz falibilidade. Se até mesmo os sobre-humanos são capazes de desistir, quão fraco sou eu? Esquecemos, no entanto, que mesmo os ídolos sendo sobre-humanos, ainda são, ora, humanos. Como nós.

Gabriel Galo é escritor e desiste sempre que necessário.