Militância levava mensagem do Grupo Palmares ao Brasil inteiro por cartas

CORREIO mostra, com exclusividade, troca de cartas entre o poeta gaúcho Oliveira Silveira e a historiadora sergipana Beatriz Nascimento

Publicado em 20 de novembro de 2021 às 05:07

- Atualizado há 10 meses

. Crédito: Acervo Oliveira Silveira

Em 1970, o censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não incluía uma pergunta sobre a cor da pele. Portanto, não é possível dizer qual era o percentual de negros entre a população do Rio Grande do Sul - onde a história das comemorações no dia 20 de novembro começou, há 50 anos - ou de qualquer outro estado do país na década que teve os primeiros atos referentes ao 20 de novembro como Dia da Consciência Negra. De qualquer forma, o poeta Oliveira Silveira fez chegar a irmãos negros de todo o país as palavras e as ações desenvolvidas no Grupo Palmares de Porto Alegre.“O meu pai se correspondia com diversas pessoas de diversos lugares do Brasil. Ele ia informando sobre o trabalho que ele estava fazendo no Grupo Palmares e essas pessoas foram se interessando”, relata a professora Naiara Oliveira Silveira, filha do poeta.Entre os destinatários dessas correspondências estava a historiadora sergipana Beatriz Nascimento, que morava, na época, no Rio de Janeiro. Ela havia dado uma entrevista para a Revista Manchete e ele decidiu escrever uma carta para felicitá-la pelas colocações a respeito da história dos negros e dos quilombos.

Duas cartas trocadas entre eles, em 1976 e 1977, e cedidas com exclusividade ao CORREIO, dão conta do teor das conversas. Num trecho escrito em 1976, Oliveira menciona a existência do Grupo Palmares e diz que ele está um pouco desarticulado, mas destaca que vem fazendo ações em homenagem a Zumbi desde 1971, enquanto ele, particularmente, escreve artigos sobre o negro. Na resposta, que só chega em 1977, Beatriz se diz muito contente em receber a carta do poeta, diz que gosta dos trabalhos dele e lhe envia um livro. Isso era comum. Carta de Oliveira Silveira para Beatriz Nascimento, em 1976, após ler entrevista dela na revista Manchete (Foto: Acervo Oliveira Silveira) Em 1977, a historiadora Beatriz Nascimento respondeu correspondência do poeta gaúcho e lhe enviou um livro (Foto: Acervo Oliveira Silveira) “O Grupo Palmares trabalhava com lançamento de livros, com projetos culturais, de teatro, de dança, de poesia. Não aconteceu só naquele 20 de novembro, e isso dá para ver também na imprensa, porque todo o trabalho que o grupo fazia era divulgado na imprensa”, completa Naiara, lembrando que o próprio pai escrevia muitos dos artigos que eram publicados e corriam o Brasil.

Para a atriz gaúcha e militante Vera Lopes, não era estranho que os feitos de um pequeno grupo de Porto Alegre fossem conhecidos no restante do país.“Oliveira era uma pessoa que se comunicava com o Brasil e com o mundo. Assim como a gente recebia através do Oliveira informações além das fronteiras do Rio Grande do Sul, a gente também conseguia transmitir além. A gente editou a Revista Tição lá em Porto Alegre, mas rapidamente ela chegou aqui em Salvador”, comenta.Aliás, não só a revista chegou por aqui, como o próprio poeta. A filha, Naiara, que tinha apenas dois anos de idade quando aconteceu o primeiro ato do 20 de novembro, em 1971, acompanhou o pai em viagens à Bahia em 1983 e 1984. “Nós fomos fazer pesquisa, não só passear. Fomos pesquisar nos grupos de afoxé, nos blocos afro, no Ilê Aiyê, no Olodum, Muzenza. Fomos para lá e trouxemos muita informação que depois nós fomos divulgando”, afirma.

Quando vinha para cá, Oliveira Silveira costumava se hospedar na casa de amigos como a professora Ceres Santos – que também havia integrado o Grupo Palmares –, da ex-ministra Luiza Bairros que, além de também ser militante, tinha sido casada com o ator Jônatas Conceição, amigo da turma, e também o escritor Landê.