'Minha vida está aqui', diz funcionário mais antigo do Othon ao se despedir

Emoção marcou adeus de José Ramos, admitido em 1974, e outros funcionários

Publicado em 21 de novembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Betto Jr./CORREIO

José Ramos é funcionário mais antigo do Othon (Foto: Betto Jr/CORREIO) A biografia de José Ramos, 70 anos, se entrelaça com a história do Bahia Othon Palace, um dos mais tradicionais hotéis de Salvador que fechou as portas no último domingo (18). Antes mesmo do local abrigar seu primeiro hóspede, ele já estava com a carteira assinada para trabalhar no local: a admissão ocorreu em dezembro de 1974, dois meses antes do Othon, construção imponente na orla de Ondina, começar a operar, no dia 26 de fevereiro de 1975. O adeus definitivo, nessa terça-feira (20), não foi fácil.

A despedida oficial de Ramos, como é conhecido, foi realizada quando os trabalhadores do Othon assinaram a carta “de divórcio” com o hotel, o aviso-prévio.“Eu aproveitei, fui ali na frente do prédio, juntei mais dois amigos e fiz fotos. Eu vou guardar essas fotos para emoldurar, fazer um quadro, porque a gente tem que guardar. É uma vida! Vou fazer uma moldura e colocar (a foto). Vou deixar para os meus filhos e netos. É a minha história”, disse Ramos, visivelmente emocionado.Para fazer parte do quadro de funcionários do hotel, em 1974, não foi nada fácil, conta ele. Ramos lembra que houve diversos processos seletivos e entrevistas com os funcionários e que ele só conseguiu entrar por conta de duas experiências prévias, na Rede Monte de Hotéis e no Victória Solar.

“No começo, foram contratados quase 450 colaboradores. Aqui é o meu terceiro hotel. Você não imagina o tanto de gente que tinha aqui. Era muita! E era tudo de primeira qualidade, louças de prata… Era outra coisa! Sempre foi muito bom trabalhar aqui”, conta, saudoso.

Ramos foi contratado como o primeiro maître do hotel. Era ele o responsável por todo o processo de acomodação dos clientes e conta que já viveu muitas histórias inesquecíveis no hotel.“Saio daqui um pouco triste pela empresa sair assim. Aqui fez parte da minha vida. Minha vida está aqui. A minha história está ali dentro”, lamentou.Após alguns anos de serviço no Othon, José Ramos se licenciou para trabalhar no Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Salvador e Região Metropolitana (Sindhotéis-BA). “Eu fui presidente (do sindicato) por cinco mandatos. Agora passei a presidência para Almir Pereira e não posso abandonar a diretoria assim. Vou ficar um tempo lá e depois vou cuidar da minha família também”, adiantou.

Despedida O atual presidente do Sindhotéis, Almir Pereira, estava no Othon durante a tarde dessa terça (20) acompanhando a assinatura dos avisos-prévios. “Agora os trabalhadores irão ao sindicato fazer as homologações entre a próxima segunda (26) e quinta-feira (29). Tudo está saindo como o esperado até agora. A diretoria ainda se comprometeu a manter plano de saúde por um tempo e dar dois meses de cesta básica para os funcionários”, contou Pereira.

O movimento no Othon era de entrada e saída, a todo momento. Mais uma vez a equipe do CORREIO foi proibida de entrar no equipamento, mas falou na porta com os funcionários que assinaram seus avisos-prévios.

As amigas de trabalho Maria Lúcia e Mara Jesus fizeram questão de registrar a despedida do hotel com o celular. Na saída, as duas se despediram de décadas de história com um vídeo para as redes sociais. Maria Lúcia e Mara Jesus se despediram do hotel onde trabalharam (Foto: Betto Jr/CORREIO) “Eu criei meus filhos com o meu trabalho daqui. Criei a minha família. É uma grande tristeza. Não entendo o motivo do fechamento”, disse Maria Lúcia, que tem 25 anos de trabalho no Othon como camareira.

As duas contam que vão descansar e fazer extras durante o período do desemprego. “Mas a gente não pode parar a vida, não é? Temos que nos inserir no mercado de trabalho”, disse Mara Jesus, que tem 11 anos de trabalho no local e trabalhava no frigobar.

Maria Lúcia destacou, no entanto, que tem medo de não conseguir mais emprego.“A partir dos 40 anos ninguém quer contratar mais, imagine com 57? Eu acho que vai ser difícil”, lamentou.Faltava apenas um ano para que o barman Henrique Alves, que tinha 23 anos de trabalho, se aposentasse. Ele conta que assim como ele, outros quatro funcionários do Othon estão na mesma situação.

“Eu já tinha feito planos para me aposentar. Já estava com tudo planejado e agora terei que mudar. O que eles me orientaram a fazer foi pagar uma previdência privada durante este tempo. Eu acho que vou fazer isso. Isso tudo e eu descobri pela televisão”, contou. Faltava apenas um ano para Henrique Alves se aposentar (Foto: Betto Jr/CORREIO)