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Modernismo com açúcar e com afeto

  • Foto do(a) author(a) Kátia Borges
  • Kátia Borges

Publicado em 20 de fevereiro de 2022 às 07:00

 - Atualizado há 2 anos

. Crédito: .

Fiz questão de ver de perto, sem filas quilométricas ou atropelos, o Abaporu de Tarsila. Foi numa exposição permanente do acervo do Museu de Arte Latinoamericano de Buenos Aires bem no finalzinho de um dezembro dramático, em 2018, ano em que perdi meu cachorro e em que concluí o doutorado em Letras. Desses desafios simultâneos que, olhando para trás, soltamos um suspiro: “ah, nem sei como”. E, olha, não sabemos mesmo. A vida às vezes vai no piloto automático. É como se o destino viesse em nossa direção e nos pegasse pela mão aos gritos. A gente nem sabe onde é o incêndio, apenas segue em frente em passo lento ou em desabalada carreira.

Então, nessa levada, ir ao Malba ver o quadro de Tarsila de perto foi o principal item que levamos na bagagem do coração quando decidimos passar o Natal na cidade portenha quase deserta. Por conta dos feriados de final de ano, boa parte dos argentinos deixa a capital rumo aos balneários, nem todos os parques funcionam. Não conseguimos conhecer o Rosedal Garden, por exemplo, segundo objetivo da ida a Buenos Aires, lacuna que foi compensada por uma tarde agradável no Jardim japonês e pela visita à deslumbrante livraria El Ateneo Grand Splendid, na Avenida Santa Fé.

Dessa viagem, ainda guardo registros da movimentada Calle Florida em raríssima pausa. A observação dos prédios, a parte nova e o centro antigo. Os fogos de artificio na noite de Natal, que consideramos descabidos. Poucos meses depois, a obra modernista viria ao Brasil e ficaria exposta no Museu de Arte de São Paulo numa mostra batizada como “Tarsila Popular”, que reuniu 120 peças da artista, incluindo o quadro Operários, que inspirou a capa de “Soteropolitanos”, coletânea organizada pelo escritor Matheus Peleteiro e lançada de modo independente em 2020.

Esse livro traz uma crônica até então inédita em livro, “Quando começamos a contar os mortos”, que escrevi a partir do sumiço dos pássaros, bem no começo da pandemia, quando a tragédia do nosso século parecia (parece ainda?) revestido de um tom místico. A exposição das obras de Tarsila, em 2019, foi a mais visitada do MASP em duas décadas. De tão longas, as filas na Avenida Paulista viraram matéria de TV. Tudo ali girava em torno de ver de perto o Abaporu, ainda que fosse com atropelos. Algazarra semelhante a visitar a Mona Lisa no Louvre? Quase isso.

Mas, afinal, como Abaporu foi parar em Buenos Aires? Embora seja a obra brasileira mais cara do mundo, ela foi arrematada em um leilão, em 1995, por um colecionador argentino, Eduardo Constantini, por US$ 2,5 milhões — numa avaliação atual, valeria cerca de US$ 40 milhões. Integra o acervo do museu que ele criaria em 2001, o Malba. Qual a chance de repatriação? No momento, nenhuma. Numa entrevista recente, Constantini disse que recebeu uma proposta de US$ 20 milhões, feita por empresários brasileiros, e que a recusou. Para ele, a tela não tem preço. Um detalhe interessante é que o quadro foi feito para presentear Oswald de Andrade em seu aniversário. Espécie de “Com açúcar, com afeto” modernista? Talvez.