Moradores do Bosque das Bromélias temem vingança após morte e tortura de estudante

Jovem era de bairro dominado pelo CP e foi morto em local comandado pelo BDM

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  • Bruno Wendel

Publicado em 10 de janeiro de 2019 às 04:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

(Foto: Reprodução) Moradores do Conjunto Bosque das Bromélias, na Cia-Aeroporto, relatam o clima de medo e tensão após a morte do estudante Jonas Ribeiro dos Santos Neto, 17 anos. Foi no conjunto do programa Minha Casa Minha Vida que traficantes torturaram e executaram o jovem. De acordo com parentes, o crime foi cometido por integrantes da facção Bonde do Maluco (BDM).

Jonas foi encontrado no porta-malas de um carro, no último sábado (5), no bairro de São Cristóvão. Ele foi enterrado, desenterrado e deixado pelos seus assassinos no veículo, com mãos e pés amarrados e com marcas de tiros e facadas no corpo. Depois do crime, moradores relatam um grande sentimento de medo de vingança.

O Planeta dos Macacos, em São Cristóvão, onde Jonas morava, é uma localidade dominada pela facção Comando da Paz (CP), que está em guerra há pelo menos dois anos com os traficantes do Bosque das Bromélias, que são do BDM. Com a morte brutal do estudante, integrantes do CP prometeram vingança na mesma circunstância.“Eles disseram que vão matar quem é, e quem não é envolvido, que andar por São Cristóvão. A conversa já rolava quando o rapaz estava desaparecido e intensificou quando o corpo dele foi achado”, disse uma pessoa, que não quis se identificar, ao CORREIO. Ainda de acordo com a pessoa ouvida pelo CORREIO, as ameaças têm causado desespero em pais que moram no Bosque das Bromélias e têm filhos que estudam em escolas de São Cristóvão.

“Eles estão dizendo que vão pegar os estudantes daqui e darão o mesmo tratamento que o BDM deu a Jonas. A maioria dos estudantes pega ônibus no ponto em frente à antiga garagem da empresa de ônibus São Cristóvão, que fica perto do reduto da CP. Eles estão falando que vão também invadir as escolas para pegar quem não mora lá. Já têm pais procurando transferir os filhos para uma escola distante”, disse o entrevistado. 

A fonte contou ainda que, certa vez, um rapaz que morava no Parque São Cristóvão, que fica ao lado oposto do Planeta dos Macacos, foi decapitado. “O menino passava em frente ao ponto de ônibus da garagem, quando foi abordado por um grupo de outros jovens”, relatou. A vítima teve a cabeça arrancada e exposta num campo de futebol. “Foi terrível. É a forma que eles encontraram de intimidar as pessoas”, concluiu.

Procurada pela reportagem, a Polícia Civil informou que não há, ainda, indícios de autoria e motivação do crime.  A Polícia Militar também foi procurada para saber se o policiamento foi reforçado na região e se eles estavam cientes das ameaças relatadas pelos moradores, mas corporação não e posicionou até o fechamento desta edição.

A família ainda não encontra respostas para Jonas ter sido morto de forma tão brutal. “Meu filho só tinha 17 anos. Ele tocava na fanfarra da escola, lutava boxe e se preparava para disputar seu primeiro campeonato. No dia 3 deste mês, ia começar a estagiar na Procuradoria Geral do Estado. Além disso, trabalhava ajudando a mãe a vender mingau na frente do Salvador Norte Shopping", lamenta o pai de Jonas, o pedreiro Djalma de Sena Santos, 52.

 "Um rapaz, com todas essas qualidades, teria envolvimento com o crime? Claro que não. Meu filho era um rapaz de que dava orgulho a qualquer pessoa e foi morto sem ter feito nada”, completa ele.

Lei do silêncio Comportamento comum em áreas dominadas pelo tráfico de drogas, a lei do silêncio também é soberana no Bosque das Bromélias. A sentença da morte para quem a descumpre é igualmente aplicada pelos traficantes do local.“Ninguém no conjunto aceitaria falar sobre a facção de cara limpa, porque a consequência é a morte. Só concordei em dar essa entrevista por causa das condições", esclareceu a vizinha que, além de ter o nome preservado, concedeu entrevista fora do conjunto.O CORREIO tentou conversar com outros moradores sobre a atuação da facção no conjunto, mas, mesmo com o sigilo garantido, a resposta foi negativa. “Sou novata aqui. Cheguei hoje”, disse uma mulher, da janela, vestida com pijama. “Moço, a gente não pode falar nada. Tenho meu comércio e preciso do meu sustento. Aqui é ‘olho viu, boca piu'’”, disse outra. “É melhor você procurar outra pessoa. Só o fato de verem você falando comigo, eu já estou correndo risco de morte”, alertou um homem.

Domínio do BDM Parte dos moradores do Bosque das Bromélias residia, anteriormente, em áreas de risco da Avenida Suburbana e de Cajazeiras, regiões onde o BDM exerce domínio do tráfico. Uma moradora antiga do conjunto, que aceitou conversar com o CORREIO e preferiu não se identificar, por questão de segurança, confirma que alguns vizinhos têm ligação com o BDM. “Vem muita gente de bem desses locais, mas também vieram pessoas ligadas à facção e que estabeleceram os pontos de vendas de drogas”, contou. Apesar disso, a moradora diz que o assassinato de Jonas foi um fato isolado.“Até porque as pessoas sabem da fama daqui. O pessoal barra pesada mexe somente com quem é de fora, ou com quem deve dinheiro por causa de droga. Fora isso, não bole com ninguém daqui de dentro. Como são jovens que cresceram aqui, conhecem e respeitam todo mundo”, disse ela. Embora pacíficos com moradores, a vizinha conta que os integrantes da facção não costumam ter piedade nenhuma quando encontram os rivais ou com àquelas que devem dinheiro às bocas de fumo.

“Quando a polícia fez batidas aqui, para pegar quem fez aquilo com o rapaz (Jonas), encontraram dois corpos numa cova, mas nenhum deles era do menino (Jonas). Descobriu depois que eram dois jovens de uma facção rival, que foram mortos e enterrados num matagal atrás do conjunto, como fazem sempre. Com certeza para a polícia não descobrir”, opinou.

Líder Líder do BDM, considerada a facção mais truculenta do estado, José Francisco Lumes, o Zé de Lessa, é o Ás de Ouro do Baralho do Crime da Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), que indica os foragidos mais perigosos do estado.  Zé de Lessa está foragido desde 2015 (Foto: Seap/Divulgação) No dia 25 de dezembro do ano passado, uma quadrilha roubou R$ 100 milhões de um banco em Bacabal, no Maranhão. O próprio Zé de Lessa teria comandado o assalto, segundo a Secretaria da SSP maranhense. No entanto,  a suspeita é que ele esteja bem longe do Nordeste - tudo indica que o criminoso ordenou o crime diretamente do Paraguai.

O irmão do criminoso, Edielson Francisco Lumes, morreu em confronto com a polícia maranhense no mesmo dia. No Maranhão, era Edielson, o Dó, o responsável por repassar as ordens de Zé de Lessa, direto de outro país, aos cerca de 30 homens da quadrilha. 

No dia 3 do mesmo mês, a polícia de lá prendeu 10 pessoas e matou outros três suspeitos de terem participado do crime. Entre os dez presos está Ricardo Santos de Sousa, o sobrinho de Zé de Lessa, conhecido como Ricardinho, e que é apontado como um de seus homens de confiança.

Enquanto isso, o grande líder do BDM permanece foragido desde 2014, quando a facção sequer existia com o nome atual. Na ocasião, ele conseguiu autorização judicial para fazer uma cirurgia, após o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-BA) ter concedido prisão domiciliar. Zé de Lessa nunca fez a cirurgia, nem voltou para a prisão. 

A origem exata do BDM, dentro do presídio, é incerta. Porém, a facção começou a crescer no fim de 2015, justamente quando Zé de Lessa se tornou foragido. Inicialmente, ela foi criada para desviar atenção da facção Caveira, de quem era uma ramificação.