Moradores que comeram carne de baleia morta correm risco de intoxicação

'Tirei bastante carne e guardei na geladeira', diz morador; especialistas fazem alerta

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  • Eduardo Dias

Publicado em 2 de setembro de 2019 às 16:41

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO

Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO De nada adiantou o alerta feito pelo Instituto Baleia Jubarte, que recomendou à população não consumir a carne da baleia morta após encalhar na praia de Coutos, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, na manhã de sexta-feira (30). Além de se tratar de uma prática ilegal, causa riscos à saúde.

A carcaça da baleia atrai muitos curiosos à praia de Coutos. Nesta segunda-feira (2), por exemplo, alguns ainda passavam pelo local, onde estão os restos do animal. Uns reclamavam do mau cheiro, que chega a ser sentido até do outro lado da Avenida Suburbana, enquanto outros só buscavam a chance de ver o animal de perto.

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O auxiliar de pedreiro Jorge Silva, 28 anos, é um deles. Nas primeiras horas após o anúncio da morte do animal pelas equipes de resgate, ele aproveitou para chegar o mais perto possível e, com um facão, retirou pedaços da carne da baleia, enquanto ainda estava fresca. O objetivo, segundo conta, era garantir seu estoque de carne no freezer por dois meses.“Eu tirei bastante carne e guardei na geladeira. Devo ter o suficiente para passar uns dois meses sem ir no açougue. Eu quis aproveitar a oportunidade, usei meu facão e tirei o quanto pude. Já comi um pouco desde o dia que tirei, gostei do sabor, tem gosto de carne de boi e, ao mesmo tempo, de peixe”, relatou.  Desde a morte, na sexta, funcionários da Empresa de Limpeza Urbana do Salvador (Limpurb) trabalham no local para destrinchar a carcaça. Na manhã desta segunda, aguardavam a chegada do guincho para a retirada dos restos do animal.

Por meio de nota, a Limpurb informou que "rebocou a carcaça da baleia da praia de Coutos para a de Tubarão às 17h, com uso de um barco, após algumas tentativas sem sucesso, devido à praia ser de difícil acesso e pela dimensão do animal, de cerca de 15 metros de comprimento e 39 toneladas. O novo local foi escolhido por facilitar o acesso dos equipamentos necessários para a total remoção dos restos do animal morto". 

Acrescentou ainda que, nesta etapa, serão utilizados uma retroescavadeira, dois caminhões, duas caçambas, um munck (veículo com guindaste) e dois contêineres de 20 metros cúbicos. "A equipe inicia o trabalho a partir das 20h, quando a maré começa a baixar, e segue até que o nível da água permita".

A retroescavadeira vai retalhar a carcaça, cujos pedaços serão dispostos no contêiner e depois nos caminhões para posterior encaminhamento ao Aterro Metropolitano Centro (AMC), localizado no CIA. Jorge cortou vários pedaços da jubarte encalhada (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Lei e saúde Assim como Jorge, muitos outros moradores não seguiram à risca a recomendação da bióloga Luena Fernandes, que esteve no local. Ela voltou a alertar para o perigo do consumo da carne da baleia e reforçou que se trata de uma prática ilegal.

“Consumir a carne de baleia, além de ser crime ambiental, por se tratar de um animal protegido por lei, é também um risco grave à saúde humana. Se esse animal encalhou, é porque estava muito doente. Não é recomendável que comam a carne desse animal”, disse a bióloga.

A lei que protege os animais de toda espécie de cetáceo - animais de vida aquática e mamíferos das águas jurisdicionais brasileiras - é a Lei nº 7.643, de 18 de dezembro de 1987, que em seu Art. 1º, que prevê a proibição da pesca ou qualquer forma de molestamento intencional de toda espécie.

Quem for pego cometendo o ato, pode responder por crime ambiental, além de ser punido com pena de dois a cinco anos de reclusão e multa.

A gastroenterologista Cristina Martins atesta o que disse a bióloga e, além de alertar para o risco do consumo da carne de baleia, diz que torna-se ainda mais danoso à saúde se o alimento não for devidamente refrigerado.

Ela explica que, embora o consumo seja autorizado em países da Ásia, no Brasil não se trata de uma prática comum e pode causar uma intoxicação alimentar, que pode provocar sintomas como vômito, náuseas e diarreia.

Quem consumiu a carne deve procurar um posto de saúde ou um médico imediatamente. Curiosos ainda se aproximam de animal, que morreu na sexta (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Óleo Mas não foi só a carne que seduziu os moradores do entorno do local onde a baleia ficou encalhada. O óleo do animal também era um dos principais desejos de quem estava por perto. Além de ser famoso pela crença popular, que diz que ele pode ser usado como medicamento de cura de doenças dos ossos no corpo humano, serve como componente para a mistura de argamassa de cal para a construção civil.

“Existe um relato, mas faz muito tempo, da utilização desse óleo para essas finalidades. No entanto, eu reitero que ninguém em sã consciência deve comer ou consumir a carne ou o óleo dessa baleia. Isso pode gerar uma intoxicação alimentar severa”, alertou a bióloga.

Os moradores, crentes que a ação do óleo funciona para amenizar dor no corpo, recomendam o uso após pancadas. Não há nenhuma comprovação ou recomendação médica nesse sentido.  Forte cheiro incomoda moradores (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) Mudança na rotina Embora ainda tenha curioso que vai à praia para ver o animal, alguns moradores querem distância da areia da praia, já que animal está em estado de decomposição e exala forte odor.

Pescador e morador do bairro, Ivan Ferreira, 44, contou que não entra no mar para pescar desde que soube da morte do animal. Segundo ele, a água ficou contaminada e afastou os peixes.“Não vou pescar desde sexta-feira, os peixes somem com esse mau cheiro. Dá para sentir de longe, as famílias que moram aqui perto também não estão mais aguentando. Não sei como as pessoas conseguem comer essa carne. Vi muita gente carregando vários pedaços grandes”, contou o pescador.A catadora Maria Silva também reclama da demora para a remoção dos restos da baleia. “Nós é que ficamos aqui com esse mau cheio desde sexta. Ninguém consegue trabalhar, nem muito menos dormir em paz”, afirmou.

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro