'Morreu tentando uma nova vida', diz mulher de eletricista atingido por descarga elétrica em Plataforma

Juarez da Silva, 47 anos, e Carlos Alberto, 26, morreram em acidente com a rede elétrica enquanto faziam uma mudança. Esposa de Juarez e irmã de Carlos, a autônoma Juliane falou sobre a tragédia e o trauma

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  • Nilson Marinho

Publicado em 25 de julho de 2017 às 21:00

- Atualizado há um ano

A dor é grande e recente, afinal, foram duas pessoas da família que morreram de forma trágica no último sábado (22). Do episódio, a autônoma Juliane Silva Souza, 24 anos, evita falar muitas coisas. Quer esquecer o dia em que o marido, o eletricista Juarez Araújo da Silva, 47 anos, e o irmão dela, Carlos Alberto, 26, morreram depois de receber uma descarga elétrica ao tentar puxar um sofá pela varanda da nova casa da família, na Rua Iguaçu, no bairro de Plataforma, em Salvador.

Desde a morte dos dois, a autônoma evita dar entrevistas e não deixa ser fotografada, tampouco quer mostrar as fotos dos últimos momentos juntos. Compreensível. Em um encontro breve com a equipe de reportagem do CORREIO, na casa da mãe, no Largo do Bariri, no mesmo bairro, onde pretende tocar a vida ao lado do seu filho de dois anos, Juliane falou dos últimos momentos que antecederam a tragédia familiar. 

"Nós estávamos saindo de um lugar para ser feliz em outro. Eu queria meu marido junto comigo, mas infelizmente não sabemos da vontade de Deus. Meu irmão morreu me ajudando e meu esposo tentando uma nova vida", declarou a autônoma. 

Segundo a Companhia Elétrica do Estado (Coelba), somente no ano passado, foram 82 acidentes com comunidade em toda a Bahia, 20 deles fatais. Ainda conforme a empresa, "70% dos acidentes são relacionados com intervenção indevida da rede, como por exemplo subir em postes para colocar faixas, troca de antena, construção e manutenção de casas".A família pretendia se mudar para a Rua Iguaçu, em Plataforma(Foto: Nilson Marinho/CORREIO)MudançaJuliane e Juarez já estavam juntos há dois anos e meio e moravam com o filho de apenas dois, na Rua Eduardo Dotto, no bairro de Paripe, também no Subúrbio. Desde fevereiro deste ano, o casal tinha chegado à conclusão de que a estrutura da casa não atendia mais aos três e que o convívio entre Juliane e o restante da família de Carlos Alberto estava complicado.

Os dois fizeram planos então de procurar um novo endereço. O local escolhido foi o primeiro andar do prédio 158, na Rua Iguaçu. Ali seria a residência perfeita, já que o imóvel fica próximo da casa da mãe da autônoma. "Pretendíamos procurar um lugar em agosto, mas eu decidi adiantar as coisas. Sentamos pra conversar e eu resolvi sair pra procurar uma casa na quarta-feira. Encontrei um conhecido na rua da minha mãe e ele me disse que o pai dele estava alugando um cantinho", conta.

A vontade de mudar era tanta que Juliane e Carlos Alberto fecharam negócio no mesmo dia. A mudança estava prevista para esta sexta (28), mas o local precisava de alguns reparos antes de receber a nova família.

Foi no sábado que os móveis do casal começaram a ser desmontados e preparados para serem levados. Entre eles, estava um sofá; o mesmo que horas mais tarde o eletricista, com a ajuda do cunhado, do vizinho Oleriano Fonseca dos Santos, 52, e de Sidney Souza de Santana, 31, cunhado de Juliane, tentaria erguer, sem sucesso. 

Pressentimento e tragédiaTodos os móveis já estavam acomodados no novo endereço, mas apenas o sofá continuava do lado de fora. O móvel era grande demais para passar pelo corredor que dá acesso ao primeiro andar da casa. Inclusive, o sofá deveria ter sido descartado antes da mudança. Juliane, em uma espécie de pressentimento, que nem ela mesma consegue explicar, teria colocado na cabeça que o móvel não tinha mais nenhuma serventia e que precisava ser doado ou ter um outro fim. 

"Não consigo explicar, mas eu não queria de forma alguma aquele sofá. Pode ter sido um toque de Deus. Queria um novo e pedi para que ele (marido) deixasse com a mãe ou jogasse fora", conta Juliane. Para fazer com que o sofá entrasse na casa, eles utilizaram uma corda para puxá-lo até o primeiro andar. O eletricista resolveu, então, com ajuda de um cano de ferro, afastar um dos fios de alta tensão que ficam na mesma altura do imóvel. 

Com o contato entre o cano e o fio, o eletricista recebeu uma descarga elétrica que atingiu a ele e todos os outros que estavam à sua volta. Entre eles, o filho do casal, que também acabou levando um choque. Juarez e Carlos Alberto foram eletrocutados e morreram no local. Já o cunhado e o vizinho de Juliane foram socorridos por equipes do Samu e encaminhados para o Hospital do Subúrbio. 

"Foi questão de segundos. Eles tentaram puxar uma vez e perceberam que o fio atrapalhava. Eu ainda pedi para que ele desistisse, mas não adiantou. Vi meu marido morrendo e poderia ter sido meu filho também, já que ele estava próximo", diz a autônoma.

O vizinho Oleriano foi transferido no mesmo dia para o Hospital Geral do Estado (HGE), onde deu entrada com queimaduras de terceiro grau nas costas, pés e mãos. Sidney, o cunhado de Juliane, teve queimaduras leves e recebeu alta nesta segunda-feira (24). O filho do casal ficou em observação e no mesmo dia foi liberado. 

"Foi horrível. Eu estava dentro de casa quando escutei os gritos da família. Assim que saí, olhei para cima e vi o corpo dele (Juarez). Jamais vou esquecer aquela cena", descreve a comerciante Ronélia Barbosa, 59. Ela mora bem em frente à casa e conhece toda a família do casal.

Juliane não vai mais poder desfrutar do novo lar com a família, e não tem mais coragem de voltar para a casa que foi palco da tragédia. Todos os móveis continuam lá. O sofá e o cano também permanecem no local. "Não dá pra voltar. Por enquanto, vou ficar morando com a minha mãe. Também não quero ver nunca mais aquele sofá. Tenho que pedir pra que alguém dê um jeito", concluiu. 

Segurança na rede elétricaSegundo a Coelba, eventos que discutem questões de segurança envolvendo a rede elétrica foram iniciados nesta segunda-feira (24). A Semana Nacional de Segurança da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee) e a XI Semana Nacional de Segurança/Campanha de Uso Consciente de Energia Elétrica ocorrem em todo o país, e têm o objetivo de alertar a população sobre os riscos dos acidentes com a rede elétrica.

A Coelba participa da iniciativa e uma das ações de conscientização será realizada, durante a semana, no bairro de Águas Claras. A pedido do CORREIO, a empresa disponibilizou uma lista com dicas de segurança para que os consumidores possam fazer um uso sem riscos da rede elétrica.

- Não fazer ligações clandestinas: Ao tentar fazer os chamados gatos, as pessoas correm riscos de sofrer um choque e ainda prejudicam a qualidade da energia de seus vizinhos por causa da interferência na rede.

- Não construir muito perto dos fios da rede elétrica: As pessoas devem respeitar um limite de distância entre a casa e a rede elétrica (cerca de um metro e meio). Isso deve ser observado também quando o morador for bater laje e construir varandas.

- Não se aproximar de fios caídos no chão: Neste caso você deve ligar para a Coelba imediatamente e se afastar do local. Os fios podem estar energizados.

- Não instalar antenas de TV próximo aos fios da rede elétrica: A antena pode pender para o lado e tocar na rede, provocando o choque em quem está segurando a antena.

- Não soltar arraias perto da rede:

Os pais precisam alertar as crianças sobre o perigo de empinar pipa perto da rede elétrica, principalmente se os fios forem de cobre e se utilizarem o cerol.

A linha pode conduzir a energia, provocando queimaduras na criança. Se elas enroscarem nos fios, não tente tirar.

Não use material ou fio metálico para fazer pipas, pois conduzem eletricidade.

Os "temperos" das linhas, feitos com vidro moído, também são extremamente perigosos, pois podem cortar os fios elétricos.

Além de provocar descargas perigosas, as pipas na rede elétrica podem causar interrupção no fornecimento de energia.

Escolha lugares abertos e espaços livres, como praias, campo de futebol, praças e parques.

Atenção com motos e bicicletas. A linha pode ser perigosa para quem dirige estes veículos.

- Não ligar aparelhos elétricos com a mão molhada. Isso evitará o choque.

- Não mexa com eletrodomésticos em locais com água ou umidade, nem com as mãos ou pés molhados. A água torna o choque muito mais perigoso.

- Não subir em postes ou estruturas da Coelba: Somente técnicos autorizados pela Coelba e muito bem treinados podem subir em postes.

- Não energizar cercas nem se aproximar das que são energizadas.

Manter a distância é importante para evitar choques.

- Não cortar árvores próximo à rede: O consumidor pode solicitar o serviço de poda à Prefeitura ou, se a árvore estiver tocando na rede elétrica, pode solicitar à própria Coelba. A empresa tem profissionais especializados para isso.