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Da Redação
Publicado em 26 de setembro de 2019 às 09:39
- Atualizado há um ano
Nesta semana, o Brasil se chocou com a morte de pequena Ágatha Felix, de oito anos, atingida por “bala perdida” no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. A menina estava dentro de uma Kombi, na comunidade de Fazendinha, quando foi baleada nas costas, por um tiro, segundo relatos de moradores, disparado pela polícia. A vida de Ágatha foi ceifada. A criança que fazia balé e estudava inglês, como dito aos gritos de dor do avô, foi morta sem a possibilidade de qualquer justificativa do estado. Não tinha como dizer “ela era envolvida”. Tanto o artigo 28, quanto o 33, da lei antidrogas 11.343/2006, não poderiam dar uma “resposta” para a sua morte.
Não há argumentos que possam tirar o peso dessa morte do estado brasileiro que utiliza a necropolítica, por meio da ação dos policiais, como metodologia de trabalho. A morte de Ágatha está diretamente conectada a todo o processo genocida que enclausura pessoas. E ela precisou se tornar um símbolo para que todos e todas que naturalizam as mortes nas favelas, passem a pensar sobre a mão do estado, que dá e tira vidas de pessoas negras através de uma falsa perspectiva de segurança. A menina Ágatha Félix, de 8 anos, morreu com um tiro de fuzil nas costas (foto/reprodução redes sociais) Recentemente o Instituto da Defesa do Direito da Defesa, de São Paulo, lançou o Relatório O Fim da Liberdade: A Urgência de Recuperar o Sentido e a Efetividade das Audiências de Custódia. O IDDD acompanhou 2,7 mil casos em 13 cidades de nove estados. A maioria são de jovens, negros, não concluintes do ensino fundamental e sem renda fixa. Em 70% dos casos analisados, as pessoas foram acusadas por crimes não violentos, como furto e tráfico de drogas. O que nos reafirma, como traz a publicação, que “as políticas penais são formuladas e praticadas para criminalizar a pobreza e encarcerar a maioria negra das periferias”.
Os caminhos de Ágatha se cruzam com os da audiência de custódia quando pensamos nas prisões visíveis e as invisíveis/simbólicas. Quantas Ágathas e Vitórias [menina de 11 anos baleada no Morro da Mineira, também no Rio] seguirão em seus territórios, enclausuradas dentro das suas casas. Há casos como os dos três irmãos assassinados no bairro de Sete de Abril, em Salvador, que que nem o próprio lar foi espaço seguro. Pessoas privadas de liberdade até quando são “livres”. E falar em liberdade no Brasil é pauta fixa e constante desde a era colonial. Precisamos falar, por exemplo, como o pacote anticrime de Sérgio Moro impacta todas as dimensões de liberdade, que vão desde o caminhar na rua ao dialogar com um juiz. Tudo está conectado.
O Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, que assegura às pessoas presas apresentação a uma autoridade competente, para analisar as circunstancias da prisão. E, apenas em 2014, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamenta a audiência de custódia. Determinação que ainda não possui um marco legal. Ou seja, não há uma norma debatida pelo Congresso que regulamente o fluxo. O pacote anticrime de Moro estimula a discussão das bases normativas de operacionalização. Entretanto, não ocorre de forma positiva, pois fere os princípios da garantia de direitos e presunção de inocência.
Os projetos de lei do pacote instituem, por exemplo, a obrigatoriedade de realização das audiências de custódia por videoconferência. E isso fere totalmente todos os acordos e vitórias conquistadas até o momento. As audiências evitam a penalização de inocentes, possibilita diálogo entre juiz, acusação e defesa, possibilita a denúncia de situações de violência policial e faz análise quase que imediata das circunstancias da prisão, legalidade ou ilegalidade.
As audiências de custódia ainda possuem muitos desafios e por mais que existam os marcadores do racismo institucional e criminalização de territórios, a defesa da sua existência numa perspectiva de respeito a partir da presunção da inocência é de suma importância para enfrentar, sobretudo. o encarceramento em massa. O encarceramento iniciado de forma subjetiva nos territórios não pode ser vitorioso nas prisões.
*Texto dedicado ao colega e amigo Ednilson Couto, advogado e educador jurídico, que me escurece cotidianamente as ideias por meios dos diálogos aulas, e quem eu admiro profundamente pela capacidade de análise e superação as adversidades impostas pelo racismo. Obrigada por tudo que representa e ainda irá representar para nós.
Ubuntu.