Morte de general iraniano pelos EUA eleva temor de conflito em escala global

Ataque com drone foi ordenado por Donald Trump e gerou tensão no mundo

  • Foto do(a) author(a) Jairo Costa Jr.
  • Jairo Costa Jr.

Publicado em 4 de janeiro de 2020 às 06:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: AFP

Para os Estados Unidos, o general iraniano Qassim Suleimani era considerado o maior inimigo vivo do país e tão odiado quanto Bin Laden e Sadam Hussein. Ainda assim, os dois últimos presidentes americanos, George W. Bush e Barack Obama, nunca levaram adiante eventuais planos para matá-lo, mesmo pressionados pelo alto escalão do Pentágono. Ambos sabiam o tamanho das consequências de um ataque fatal ao segundo homem mais poderoso do Irã, chefe da Força Quds, elite da temida Guarda Revolucionária da nação dos aiatolás, e idolatrado como herói pelos muçulmanos avessos à forte influência dos EUA no Oriente Médio. Na sexta-feira, em atitude que surpreendeu o mundo, Donald Trump decidiu fazer os que seus dois antecessores sempre evitaram, pela possibilidade de um conflito bélico com os iranianos ou de guerra em escala global.

O cheiro de pólvora surgiu no ar antes do sol nascer, quando, em ataque autorizado pessoalmente por Trump, um drone armado com mísseis disparou contra o comboio de veículos que saía do Aeroporto Internacional de Bagdá, capital iraquiana. Entre os alvos, estavam Suleimani, Abu Mahdi al-Muhandis e Mohammed Ridha Jabri, respectivamente, líder e porta-voz das Forças de Mobilização Popular, grupo que reúne as milícias extremistas do Iraque apoiadas pelo Irã. De imediato, a ofensiva dos americanos elevou a temperatura no mundo árabe, tanto por provocar a morte do general de um país com o qual não entraram oficialmente em guerra quanto por ter ocorrido em território iraquiano. Como era previsto, a reação deixou a atmosfera ainda mais densa.

Líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei clamou por "severa vingança". Pelo Twitter, disparou Khamenei: "O martírio (de Suleimani) é a recompensa por seu trabalho incansável durante todos esses anos. Uma vingança implacável aguarda os criminosos que encheram as mãos com seu sangue e o de outros mártires". Enquanto a população tomava as ruas no Irã para exigir resposta na mesma medida, o primeiro-ministro iraquiano, o xiita Adel Abdul Mahdi, disse não ter dúvidas de que o ato provocará guerra no Iraque, na região e no mundo.

O clérigo xiita Muqtada al-Sadr, um dos homens mais poderosos do Iraque, anunciou a imediata reativação de sua milícia, conhecida internacionalmente como Exército Mahdi. A ordem de al-Sadr é combater as tropas dos Estados Unidos no país. Lá, ainda há cerca de cinco mil militares americanos. Em resposta, o Pentágono decidiu enviar mais de três mil soldados ao Oriente Médio. A movimentação disparou o alerta ao redor do mundo.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, não escondeu a preocupação. "Este é um momento em que os líderes devem exercer o máximo de restrição. O mundo não pode permitir outra guerra no Golfo", disse. Após discutir, por telefone, os efeitos do ataque com o líder russo Vladimir Putin, o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que o Irã precisa evitar provocação. Na conversa, Putin e Macron demonstraram temor com a possível escalada da violência. 

Principal aliado dos EUA no Oriente Médio, Israel colocou o exército em alerta. O Reino Unido reforçou a segurança das bases militares britânicas na região. Já o Pentágono afirmou que ação foi feita para impedir que o Irã realizasse novos ataques contra alvos americanos. "O general Suleimani estava desenvolvendo planos de atacar diplomatas americanos e militares a serviço no Iraque e em toda a região”, disse o Pentágono. Agora, os olhos do mundo estão voltados para os capítulos seguintes, quando será possível saber se o Irã vai contra-atacar na mesma altura ou se os dois países entrarão em guerra, com consequências imprevisíveis que Bush e Obama evitaram a todo custo.    Suleimani, o morto capaz de mover uma guerra Aos 62 anos, o general Qassim Suleimani tinha um porte físico que contrastava com o tamanho de sua influência, popularidade e poder. De baixa estatura e conhecido por ouvir muito mais do que falar, Suleimani era tratado entre os iranianos contrários ao regime anterior como um "mártir vivo". Para integrantes de milícias fundamentalistas no Oriente Médio, "herói das nações islâmicas". Já os americanos o consideravam um dos militares árabes mais sanguinários em atividade, responsável pela morte de quase 700 soldados dos Estados Unidos e real maestro dos grandes atentados e ataques cometidos contra os EUA  em países da região. (Foto: Arquivo AFP) O mito em torno de Suleimani começou a ser construído nos anos seguintes à Revolução Cultural de 1979, que alçou os aiatolás ao poder. Ainda jovem, o filho de uma família pobre que habitava a montanhosa região do sudeste iraniano, se incorporou à Guarda Revolucionária Islâmica, grupo militar criado para proteger os fundamentos da nova república teocrática e defender a ideologia de forte cunho religioso. 

Na década seguinte, Suleimani assumiu o comando da Guarda e ampliou sua influência no Irã. De acordo com relatório de inteligência elaborado pelo FBI, o general foi o grande artífice da "criação de um arco de influência - chamado pelo Irã de 'Eixo da Resistência' -, que se estende do Golfo de Omã até Iraque, Síria e Líbano, e chega nas costas orientais do Mar Mediterrâneo".