Morte no Carrefour: ‘foram socos e pontapés em todos nós’, diz manifestante em ato na Bonocô

Protesto pediu justiça por João Alberto, assassinado por seguranças de supermercado em Porto Alegre

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  • Da Redação

Publicado em 22 de novembro de 2020 às 17:06

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Nara Gentil/CORREIO
. por Foto: Nara Gentil/CORREIO

A Justiça por João Alberto Silveira Freitas, o homem negro que foi morto por seguranças no Carrefour, em Porto Alegre, foi reclamada pelos cerca de 250 manifestantes que protestaram na frente do Atacadão, na Avenida Mário Leal Ferreira (Bonocô), a partir das 10h30 deste domingo (22). Junto com ele, outros tantos negros mortos, como Marielle Franco, Davi Fiúza e George Floyde, também estavam nos corações e mentes de todos aqueles que se opunham, em forma de manifestação, ao genocído negro e ao racismo. O supermercado escolhido para o ato integra a rede do Carrefour.

A manifestação começou a se desmobilizar por volta das 12h30, como havia sido programado pela organização. Segundo os organizadores, o clima tenso causado pela presença ostensiva de policiais militares também pesou para o fim do ato. O protesto integrou uma série de atos que ocorrem pelo Brasil em resposta à morte de João Alberto.

“A gente também dispersou para garantir a segurança porque em uma manifestação como essa, que envolve a emoção, pode ser que um ou outro fique mais exaltado. Mas nós tínhamos planejado um tempo de ato e, ao chegar nesse teto, dispersamos de forma controlada”, contou Bruno Tito, coordenador da Torcida Antifacista do Bahia, entidade que organizou o ato.

O mercado foi fechado durante o protesto e não reabrirá mais neste domingo. Um tumulto entre manifestantes e policiais ocorreu no começo do movimento. Segundo os organizadores do protesto, apenas uma pequena parte dos manifestantes se exaltou e, no geral, a atuação foi pacífica. Os responsáveis pelo protesto dizem que não é possível dizer que houve confusão com a polícia. Policiamento foi reforçado na entrada do supermercado (Foto: Nara Gentil/CORREIO) A Polícia Militar tem outra versão. De acordo com a corporação, os agentes tentaram, sem sucesso, negociar o funcionamento da atividade com alguns dos representantes do grupo. “Os responsáveis já foram deixando claro que o objetivo era adentrar o estabelecimento e promover a depredação do patrimônio”, alegou a PM em nota.

Integrante da organização do ato, Bruno diz ter conversado com os militares e entrado em um acordo para a realização pacífica da manifestação. “Antes de começar, conversamos com a PM e dissemos que um ou outro manifestante poderia se exaltar, mas que o protesto seria pacífico”, disse.

A ideia inicial realmente era entrar no mercado, mas para manifestar pacificamente. “A organização do ato queria entrar para dialogar com a população. As pessoas que estavam no mercado precisavam entender que o estabelecimento não pode continuar funcionando normalmente depois do que aconteceu. A gente também queria falar com os funcionários. Nossa ideia não era fazer uma radicalização, mas uma ato simbólico com uma pauta justa de expressar nossa opinião”, explicou Priscila Costa, ativista do Coletivo Afronte, que também organizou o ato.

A partir do momento que não foi possível entrar no estabelecimento, uma minoria de manifestantes tentou furar a barreira de Policiais Militares que protegia o portão do mercado. 

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Os manifestantes se reuniram em frente ao portão bloqueando a saída dos clientes do mercado por, pelo menos, duas horas. Durante o período, apenas os pedestres conseguiramm deixar o local por um portão menor. 

“Negociamos a saída das pessoas que estavam dentro, a pé. Só não poderia sair de carro porque isso abriria o portão, podendo gerar uma confusão. Mas, ao final do ato, todos saíram de forma tranquila”, afirma Bruno.

Dentro do mercado os clientes estavam divididos entre os apoiadores da ação e os contrários ao ato. Apenas dois momentos de maior atrito entre os protestantes e o clientes do mercado foram registrados: quando alguns integrantes do protesto soltaram bombas de São João e quando uma placa do Atacadão foi quebrada. Essas situações geraram um rápido bate boca entre os grupos. A organização do ato ressaltou que essas ações foram executadas por uma minoria que foi acalmada. 

O empresário Roberto Campello, 31 anos, estava no mercado durante o ato. Ele contou que o clima entre os clientes não era de pânico e que, inclusive, alguns continuaram fazendo suas compras. A maior chateação era o fato de estar preso no estabelecimento. Em um vídeo gravado pelo empresário, é possível ver que os motoristas deixaram o local buzinando.

"Por volta das 10h30, o mercado anunciou que os clientes não poderiam sair devido à manifestação. Com isso, ninguém podia sair e entrar. Fiquei preocupado quando escutei as bombinhas, mas vimos o que estava acontecendo. Algumas pessoas ficaram no estacionamento e outras esperaram a reabertura dentro do mercado", contou Roberto.

Fundador da Torcida LGBTricolor e ativista do movimento negro, Onã Rudá, conta que a presença da Polícia Militar na frente do mercado surpreendeu os manifestantes, os deixando tensos. "A presença da polícia não nos entrega segurança. Existia um clima de alerta até mesmo os polícias estavam tensionados e estressados. Mas não teve conflito físico" Foto: Nara Gentil/CORREIO Segundo os organizadores, cerca de 50 agentes da PM realizavam o policiamento no local no começo do ato, mas o contingente aumentou com o decorrer da ação. Em nota, a corporação afirma que militares da 12ª CIPM, 26ª CIPM e do Esquadrão de Motociclista Águia foram acionados para o local após informação de que ocorrida uma manifestação em frente ao estabelecimento comercial.

Ainda de acordo com a PM, os seguranças do Atacadão foram orientados a fechar o portão de acesso e as guarnições se posicionaram, em linha, no portão para evitar a referida invasão. “Após o isolamento da entrada, diversos manifestantes tentaram romper a linha e promover a invasão, sendo contidos. Não houve registro de prisões e nem de feridos”, completou a corporação em nota. Procurada, a rede Carrefour não respondeu. Manifestantes escreveram a frase "Vidas Negras Importam", no chão, na entrada do supermercado (Foto: Nara Gentil/CORREIO) O ato foi convocado pelas torcidas organizadas Antifascista do Bahia, Democracia tricolor antifacista, torcida LGBTricolor, com o apoio de coletivos do movimento negro, como Unegro e Coletivo Afronte. Entidades de mulhers e estudantis também compareceram ao protesto.

Os orgaizadores acreditam que o ato cumpriu com seu objetivo de se posicionar contra o racismo e o genocído do povo negro. O número de participantes também chamou atenção pelo fato da manifestação ter ocorrido em um domingo durante a pandemia do coronavírus. 

Para Onã Rudá, a morte de João Alberto foi um símbolo que denuncia a continuidade do extermínio racista que acontece no Brasil e no mundo. "O que motivou o ato de hoje é a incansável luta contra o racismo estrutural, que traz elementos de violência. A motivação é a indignação contra a sociedade racista que reproduz isso", afirmou.

Os socos e pontapés que João Alberto recebeu reverberaram por todo o movimento negro. "Foram socos e pontapés em todos nós e temos o direito de revidar com nossas ideias e falas. Nossas armas são o microfone e o movimento organizado", disse Priscila.

Agora, a ideia é manter uma agenda de atividades de cunho antirracista em Salvador alinhada à luta nacional com outros atos e debates. Até o momento, nenhuma atividade futura foi marcada.  Faixas com mensagem antirracista colocada em gradil de supermercado em Salvador (Foto: Nara Gentil/CORREIO) Morte no Carrefour João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, foi espancado e morto por seguranças brancos em uma unidade do supermercado Carrefour  Passo D'Areia, na zona norte de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, na noite da última quinta-feira (19).

De acordo com o delegado Leandro Bodoia, plantonista da Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa, teria havido um desentendimento entre a vítima e os seguranças. Os funcionários do supermercado, então, desferiram vários golpes em João Alberto. Uma ambulância do Samu foi ao local e tentou reanimá-lo, mas ele não resistiu. Os suspeitos foram presos em flagrante.

O primeiro laudo da necropsia  realizada pela perícia em Porto Alegre indicou que João Alberto pode ter sido morto por asfixia.

Após colher os primeiros depoimentos, a delegada responsável pelo caso, Roberta Bertoldo, da 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, recebeu, na tarde desta sexta, os médicos legistas para elucidar as causas da morte de João Alberto.

Durante as agressões, a vítima também foi imobilizada pelos vigias, com o joelho de um deles nas costas. "O maior indicativo da necropsia é de que ele foi morto por asfixia, pois ele caiu no chão enquanto os dois seguranças pressionavam e comprimiam o corpo de João Alberto dificultando a respiração dele. Ele não conseguia mais fazer o movimento para respirar", informou.

Em um vídeo que circula por redes sociais, a vítima está gritando enquanto recebe socos no rosto. Ao fundo, uma pessoa grita "vamos chamar a Brigada (Militar)". Uma mulher vestindo uma camisa branca e um crachá aparece ao lado dos agressores e parece estar filmando a ação.

O assassinato desencadeou uma série de protestos pelo Brasil. Em Porto Alegre, um grupo protestou em frente ao supermercado onde ocorreu o crime, com faixas como "vidas negras importam" e exigindo justiça. Em São Paulo, Porto Alegre e Fortaleza, os atos tiveram tumulto. Houve também manifestações nas ruas do Rio de Janeiro, em Brasília e de Belo Horizonte.

Casos de racismo Durante a manifestação, os ativistas relembraram diversos casos de racismo que ocorreram por todo o mundo. Em Salvador, infelizmente, o cenário não é diferente e este crime continua ocorrendo diariamente. Em 2020, alguns casos registrados na capital se tornaram emblemáticos pela sua repercussão.

Em Fevereiro, um jovem negro foi agredido e insultado por um Policial Militar durante uma abordagem em Paripe. Em um vídeo do ato, é possível ver que policial retira a boina do rapaz, que usa cabelo no estilo black power, e a joga no chão. Ao ouvir o rapaz dizer que é trabalhador, o PM retrucou: "Você pra mim é um ladrão. Você é vagabundo! Essa desgraça desse cabelo. Tire aí [o chapéu], vá! Essa desgraça aqui. Você é o quê? Você é trabalhador é, viado?".

O adolescente Adriel, 12 anos, foi vítima de racismo em um perfil que administra no Instagram, em maio. O jovem morador de Salvador recebeu a seguinte mensagem: "Eu achava que preto era pra ta cavando não lendo", disse o criminoso. O menino expôs e respondeu a mensagem: "Em pleno século 21 as pessoas ainda são racistas? Atualizem-se", escreveu.

No começo do ano, duas irmãs de 3 anos foram vítimas de racismo dentro de uma estação de metrô em Salvador. Em denúncia feita em janeiro, a mãe das meninas contou que estava na estação Rodoviária segundo a mãe das crianças quando um segurança chamou as meninas  de "bucha 1 e bucha 2", em referência a lã de aço, usada para lavar pratos.

*Com orientação do editor Flávio Oliveira.