MP investiga suposta jurista acusada de plágio por ex-alunas

Cátia Regina Raulino é acusada de plágio por alunas e de ter exercido função ilegal como advogada

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  • Marcela Vilar

Publicado em 20 de agosto de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Reprodução
Currículo de Cátia na plataforma lattes por Reprodução/currículolattes

Parece o caso do ex-ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli,  que fraudou o currículo e quase ocupou o cargo, ou até mesmo o enredo da série norte-americana Suits, em que Mike Ross, sem nunca ter cursado uma faculdade de Direito, foi contratado pelo escritório do renomado advogado Harvey Specter.  Essa é mais ou menos a história da suposta jurista Cátia Regina Raulino, 35 anos, que atuava como professora em diversas faculdades particulares de Salvador e chegou a ser coordenadora do curso de Direito da Faculdade Ruy Barbosa (agora Uniruy) sem ter a carteira da OAB, nem doutorado e nem mesmo o mestrado que alega na Plataforma Lattes, na qual pesquisadores de todo o país publicam seus feitos acadêmicos. 

Além disso, pelo menos duas de suas alunas a acusam de plágio intelectual. Segundo Lorena Falcão, 27 anos, e Solimar Musse, 39 anos, Cátia teria usado os trabalhos de conclusão de curso após orientá-las sobre o assunto e publicado com o seu nome, sem qualquer menção às estudantes. 

O TCC de Lorena foi publicado no livro da universidade, no qual Cátia se colocava não como orientadora, e sim como co-autora, e também em um livro do Caed (Conselho Internacional de Altos Estudos em Direito). Ou seja, Lorena teria sido plagiada duas vezes. Ela entrou com um processo ao Ministério Público da Bahia na última sexta-feira (14). 

“Em julho, vi que meu texto tinha sido publicado com o nome de Cátia e não tinha menção ao meu nome. Todas as palavras estavam iguais. Comecei a investigar e descobri que no livro de melhores TCCs da faculdade, ela tinha sido incluída como co-autora sem minha autorização. Nunca autorizei nem dividi nada com Cátia”, conta Lorena, formada em 2017 em bacharel em direito pela Uniruy, onde foi orientada por Cátia. 

Na instituição, Lorena afirma que ela ministrava as aulas de direito tributário e empresarial, além de coordenar o curso de Direito. Fora das salas, ela era uma amiga da aluna. “Além dela ser próxima a mim, a gente sempre teve afinidade uma com a outra”, conta Lorena. Convidada para sua formatura, Cátia teria inclusive elogiado o TCC de Lorena à mãe dela. “Ela falou para minha mãe que meu TCC era uma das coisas mais preciosas, que estava muito bem escrito”, narra Lorena. 

Quando descobriu a fraude, Lorena comunicou o caso ao Caed, que tirou imediatamente o livro de circulação, tanto no formato online quanto nas lojas físicas. Por meio de nota, o  Caed informou que a professora deixou em branco o campo de co-autor e fez inclusive uma apresentação sobre o trabalho em um dos eventos promovidos pelo Centro.  

Já no caso de Solimar, a professora teria publicado um artigo igual à pesquisa da aluna, depois de adicionar um capítulo e fazer mínimas modificações de siglas, na revista de Desenvolvimento Socioeconômico da Unesc (Universidade do Extremo Sul Catarinense). 

“Eu tomei um susto muito grande porque era o meu TCC que estava ali. Eu fiquei chocada, tremia, chorava. Ela fez algumas mudanças, adicionou um tema a mais e mudou 20% das palavras. Mas 80% era todo meu, inclusive as referências bibliográficas”, conta a advogada Solimar ao ver a publicação sem seu nome. Ela se formou em 2018 na Uniruy, foi orientada por Cátia e diz nunca ter autorizado a publicação de nenhuma obra. 

Assim como era com Lorena, a relação com a professora era de amizade, além das salas de aulas. “A gente conversava muitas coisas particulares. Ela era uma pessoa cativante, eu a admirava como pessoa e como profissional. Ela dizia que veio também de classe pobre e conseguiu vencer na vida”, narra Solimar. 

Depois da repercussão na mídia, Cátia entrou em contato com Solimar nesta semana. “Ela disse ‘você sempre teve abertura comigo, nao entendi por que você fez isso, você pode me mandar o artigo pra eu ver qual é o problema? Mas ela não é louca, ela é dissimulada, sabe o que fez” conta Solimar, que a bloqueou nas redes sociais e nem a respondeu. 

Solimar ainda diz que Cátia teria prejudicado professores da Ruy Barbosa. “Quando ela se sentia ameaçada, ela tava um jeito de demitir professores de empresarial e tributário. Um deles me disse que na primeira conversa viu que ela não sabia nada da área dela” comenta Solimar. Após compartilhar a situação de plágio nas redes sociais, pelo menos mais 7 estudantes relataram a Lorena e a Solimar que tinham passado por situação semelhante com Cátia. 

Por meio de nota, o MP-BA informou que pelo menos três processos contra Cátia tramitam na Justiça. Dois se referem a denúncias de suposta prática de exercício ilegal da advocacia, que foram encaminhadas ao Departamento de Polícia Metropolitana (Depom), no último dia 26 de junho, e solicitou instauração de inquérito policial para apurar o caso. O outro se refere a suposto crime de plágio, encaminhado por Lorena, no último dia 14 de agosto. 

Procurada, Cátia não quis comentar nenhuma das acusações. “Hoje (ontem) passei o dia reunindo documentação, amanhã (hoje) me reunirei com meu advogado e aí me manifestarei. São apenas alguns cuidados diante de tanta repercussão”, disse a ex-professora.

Fora das redes sociais Dona de um extenso currículo - que faz menção a pelo menos oito faculdades baianas, ao Tribunal de Justiça da Bahia e até à Unesco  - Cátia Raulino era muito ativa nas redes sociais e tinha mais de 180 mil seguidores no Instagram, por onde fazia lives com outros professores e profissionais da área. Após a repercussão do caso, ela deletou o perfil do Instagram e do Facebook.  

O CORREIO procurou as instituições onde Cátia diz ter se formado e nenhuma encontrou os diplomas no banco de dados. A Uniruy, a Unifacs, a Maurício de Nassau, a Ucsal, o Cejas e a Unijorge declararam que Cátia não faz mais parte do corpo técnico das instituições. 

Em nota, a Uniruy disse que "a instituição esclarece que a profissional não integra o quadro de colaboradores da IES e que, na contratação de trabalhadores, é solicitada a documentação legalmente exigida, nos termos da lei trabalhista".

A Ufba, onde Cátia diz ter feito doutorado em administração em 2018, disse que não consta no sistema acadêmico qualquer menção ao seu nome.  Já a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde ela teria feito mestrado em 2010, também não encontrou o nome de Cátia no registro dos cursos de pós-graduação ou no registro de diplomas. 

A Universidade Federal do Maranhão (UFMA), onde a jurista diz ter se graduado em Direito, não respondeu à reportagem até o fechamento desta matéria. A OAB-BA afirma que ela nunca teve a carteira emitida. 

Processo O professor de direito autoral da Ufba  e presidente da Comissão de Direito Intelectual da OAB-BA, Rodrigo Moraes, esclarece que, se a acusação de plágio for verdadeira, Cátia pode responder processos na área cível e penal, sujeito a multa por indenização ou detenção de 3 meses a um ano. “O plagiador viola um dos direitos morais, o direito autoral. É uma desonestidade intelectual, um ilícito civil que gera danos morais e patrimoniais”, explica o professor. 

De acordo com Moraes, como a lei não determina o valor da multa nem o que é considerado plágio, cada caso é analisado pelo juiz responsável, com base na gravidade do caso, onde o plágio foi publicado e a repercussão gerada.

Veja abaixo o posicionamento das unidades de ensino e entidades:

Uniruy

“A instituição esclarece que a profissional não integra o quadro de colaboradores da IES e que, na contratação de trabalhadores, é solicitada a documentação legalmente exigida, nos termos da lei trabalhista”.

Unifacs

“Unifacs não comenta dados sobre profissionais que não integram o quadro de colaboradores da instituição”

Ucsal 

"Comunicamos que a Sra. Cátia Regina Raulino não possui nenhum vínculo empregatício com a nossa Universidade. Ela apenas ministrou aulas esporádicas, como convidada, em nossos cursos de Pós-Graduação”.

Cejas

A professora Cátia Raulino nunca fez parte do corpo docente efetivo do CEJAS. Ela ministrou poucas aulas, na condição de professora convidada, em apenas dois dos inúmeros cursos ministrados aqui no CEJAS, e estamos igualmente surpresos com as informações que chegam através da imprensa. Sabemos que os fatos a ela imputados estão sendo investigados pelo Ministério Público, e por se tratar de pessoa que não faz parte de nossos quadros, não dispomos de mais informações sobre o caso. Estamos acompanhando, pela imprensa, as investigações conduzidas pelas competentíssimas autoridades responsáveis.

Unijorge

A Unijorge esclarece que a Sra. Cátia Regina Raulino nunca fez parte do seu quadro de docentes, em regime CLT. Informa que o único vínculo foi como prestadora serviço em 2014.

Maurício de Nassau

Cátia não é nossa professora, como confirmado com o Departamento pessoal das nossas três unidades em Salvador.

UFBA

“Não consta no sistema acadêmico da Superintendência Acadêmica da UFBA qualquer menção à Sra. CÁTIA REGINA RAULINO. Logo, ela não realizou doutoramento, mestrado ou mesmo graduação nesta Universidade”.

UFSC

"O Departamento de Administração Escolar da da Universidade Federal de Santa Catarina (DAE/UFSC) verificou os registros de alunos de graduação e pós-graduação e não localizou o nome de Cátia Regina Raulino como tendo registro em curso de graduação ou registro de diploma de pós-graduação na UFSC. Verificamos também nos sistemas de processos da instituição (SPA e Notes) sobre a existência de processo de registro de diploma e não foi encontrado. Temos um registro de  Katia Regina Urbano Raulino, grafado com K, e é uma ex-aluna do curso de EaD em Física que desistiu em 2009.1."

CAED

A Sra. Cátia Raulino participou de um dos nossos eventos alegando ser autora do artigo intitulado A ADOÇÃO DA LEI MODELO DA UNCITRAL NOS CASOS DE INSOLVÊNCIA TRANSNACIONAL. No momento da submissão, é dada a possibilidade de inclusão dos dados dos eventuais coautores do trabalho, campos deixados em branco pela Sra. Cátia Raulino. Ao submeter o artigo, ela também precisou aceitar os termos do edital, que preveem: a) cessão de direitos autorais do artigo e da apresentação ao evento; b) responsabilidade civil e criminal por eventual plágio. Ao receber a denúncia de plágio, retiramos imediatamente o livro de download e venda. Esclarecemos que esse foi o único trabalho submetido pela Sra. Cátia Raulino aos nossos eventos.

Sefaz-BA

A empresa TS Consultoria foi contratada para apoiar na implantação de uma ferramenta que auxilia na área de planejamento. Esta empresa apresentou equipe técnica liderada pelo instrutor principal, Cláudio Boros, cuja assistente era Cátia Raulino, que o auxiliou durante período de 30 dias.

*Sob orientação da subeditora Clarissa Pacheco