Muito trabalho e pouca renda: conheça o perfil dos catadores baianos

Nesta segunda, 7 de junho, foi marcado o Dia Nacional dos Catadores de Material Reciclável

Publicado em 8 de junho de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Diego Luz/ Defensoria Pública

A pele castigada pelo sol, as marcas de cortes nas mãos, a incerteza se haverá dinheiro para comprar comida para os filhos no dia seguinte e o envelhecimento precoce por causa da má qualidade de vida. Essa é a realidade da maioria dos catadores baianos. O dia 7 de junho é marcado como o Dia Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, mas não há motivos para comemoração, apenas para luta.

O perfil fica estabelecido: pretos e pobres. Em Salvador, 97,1% dos catadores são negros e cerca de 25% são analfabetos. Além disso, 75% deles não arrecadam mais que R$ 100 reais por mês com a reciclagem. Os dados são de uma pesquisa realizada pela Defensoria Pública do Estado da Bahia – DPE/BA, por meio do Núcleo de Gestão Ambiental (Nugam), em conjunto com o Fórum de Catadores de Rua em Situação de Rua. Na capital, foram coletadas informações de 174 catadores cadastrados. 

Enfrentar a rotina da profissão não é nada fácil. Passar dos 50 anos trabalhando nas ruas, carregando centenas de quilos de material é realidade para 40% dos catadores de Salvador. Para piorar o cenário, cerca de 29% têm algum problema de saúde ou deficiência. 

O quadro não é exclusivo de Salvador. Em Vitória da Conquista, onde a pesquisa também foi feita, 83,5% dos catadores são negros e pardos. Também chama a atenção que a maioria (57%) tem renda mensal familiar de no máximo R$ 500 reais. No município, o levantamento consultou 347 catadores cadastrados na Associação Coletores de Resíduos Sólidos Recicláveis de Vitória da Conquista. O cadastro é feito pelo Programa Mãos que Reciclam, projeto desenvolvido pela Defensoria desde 2014. “A gente sai e deixa os filhos com fome, como várias vezes já aconteceu lá em casa de não ter nem um quilo de arroz. Vai trabalhar debaixo de chuva e sol e não reclama de nada”, desabafa a catadora Aparecida Batista Silva, mulher negra de meia idade que tira o sustento da família catando latinhas, plásticos, papéis e recicláveis em geral, em Vitória da Conquista.Além dos sacos de materiais, a idade também pesa. Por lá, 39% dos entrevistados têm mais de 50 anos, como é o caso de Marcos Antônio Ferreira, que trabalha há mais de 40 anos como catador. “Tô desde os 10 anos trabalhando no lixão, com todo esforço, derramando o suor, lutando. O que eu tenho tô tirando pela reciclagem. Já trabalhei na área de pedreiro, mas adoro reciclar, porque tô limpando a cidade, o meio ambiente, por causa da poluição”, conta.

Em Vitória da Conquista, o percentual de catadores com algum problema de saúde ou doença é quase o mesmo que em Salvador: 39%. Já a taxa de analfabetismo fica um pouco maior: 29%. Por lá, apenas 1% dos catadores chegou ao Ensino Médio.  Trabalho é pesado e pode durar três turnos (Foto: Diego Luz/ Defensoria Pública) Uma das maiores reclamações dos catadores é que são xingados e tratados na rua como se fossem animais que estão remexendo o lixo.“Muitas pessoas olham torto e criticam o trabalho da gente. Tem nojo da gente e muito preconceito, (a gente) passa muita humilhação também, né? Agora que tá melhorzinho, antigamente era pior”, comenta Gilson Chagas.Os riscos do trabalho também são preocupações constantes. “Tem vezes que a gente rasga a sacola e vem tudo misturado. Tem vezes que a gente se corta. A gente tem medo, e seringa vem junto também”, conta Gilson Chagas Santos, que recicla há 8 anos em Vitória da Conquista.

Essência da Cadeia Produtiva de Reciclagem

“Os catadores são prestadores de serviço público de manejo de resíduos e coleta seletiva, mas, via de regra, não recebem adequado apoio dos gestores públicos municipais. O catador é protagonista na cadeia produtiva da reciclagem; toda ela se sustenta por meio da exploração do trabalho deles”, declara a defensora pública Kaliany Gonzaga, que coordena o Nugam e o programa Mãos que Reciclam.

A reciclagem gera mais de 138 milhões de reais todos os anos para as organizações de catadores, conforme dados do Anuário da Reciclagem 2020, mas ainda é uma indústria pouco explorada no país. O Brasil “joga no lixo” R$ 14 bilhões de reais ao deixar de lado o investimento em reciclagem, conforme indica um estudo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

Responsáveis por 90% da coleta de recicláveis no país, muitos começam a jornada de trabalho cedo para ter o que comer meio dia, trabalham de tarde para ter o que comer à noite; e à noite para ter o que comer pela manhã. E nem pedem muito. Anseiam apenas por mais reconhecimento do poder público, garantia de café e pão na mesa e dos boletos pagos.

Atuação da Defensoria 

Ciente dessa vulnerabilidade, durante a pandemia do coronavírus, a Defensoria baiana, além da assistência jurídica à categoria, está distribuindo milhares de cestas básicas para as famílias de catadores, pessoas em situação de rua e mulheres em vulnerabilidade social.

A Defensoria da Bahia já distribuiu também centenas de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s), como botas, luvas, máscaras, água sanitária, sabão e álcool em gel para catadores em comarcas onde o programa Mãos que Reciclam está instalado.

De acordo com a defensora pública Kaliany Gonzaga, a Defensoria da Bahia tem atuado intensivamente para esclarecer os direitos, estimular a organização dos catadores em associações de coleta e criar oportunidades e soluções para implantação de coleta seletiva de baixo custo – o que ajudaria bastante na emancipação da categoria.