Mulher negra sofre ataque nas redes sociais após criticar esponja de aço

'Fique com sua palha de aço' e 'O racismo está na sua cabeça' foram algumas das frases escritas por uma internauta

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  • Bruno Wendel

Publicado em 25 de junho de 2020 às 19:12

- Atualizado há um ano

. Crédito: Nara Gentil/CORREIO

Negra retinta, como se define nas redes sociais, a comunicadora e professora Sabrina Bispo foi alvo de racismo recreativo no ambiente escolar - ou seja, quando fazem "piada" sobre negros. Os cabelos eram associados a palhas de aço e, por conta disso, surgiram insultos disfarçados de apelidos, como “Nega Preta do Bozó” e “Pedaço de Fumo”.

Hoje, aos 34 anos, ela sofreu o resgate dessas dores. Após se posicionar numa publicação do Instagram sobre a esponja de aço inox com nome "Krespinha", que faz menção ao cabelo crespo, Sabrina foi vítima de comentários ofensivos de uma outra mulher, de pele branca."Isso me transportou à infância e à adolescência, onde tive experiências de dor apenas por ser uma pessoa negra", lembra.

Tudo começou com uma polêmica, na semana passada. No site da marca Bombril, o produto era definido como "perfeito para limpeza pesada", utilizado para a remoção de sujeiras e gorduras "de um jeito rápido e eficaz, sem esforço". Depois de ter sido acusada de racismo nas redes sociais, a Bombril se desculpou e disse se tratar de um produto antigo, e não de um relançamento, como vinha sendo anunciado. Depois, a marca retirou o produto do seu portfólio.

Sabrina foi uma das pessoas que se posicionou contra à associação pejorativa da marca ao cabelo comum entre negros. No dia 17, nos comentários da publicação, um usuário posicionou e Sabrina concordou com ele. Foi o suficiente para que os comentários ofensivos fossem direcionados também a ela. "Fique com sua palha de aço também. Vocês são ridículos fazendo isso. Não porque são negros, adoro a sua cor, mas porque são burros mesmo”, escreveu a mulher que atacou a professora.  Foto: Reprodução Sabrina levou o caso à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), que trata o assunto, a princípio, como injúria racial – quanto o ataque é direcionado à a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Desde 2013, o centro já registrou 655 casos de racismo e intolerância religiosa, com pessoas de religiões de matrizes africanas. Só neste ano, foram 29.

Desabafo Sabrina conversou com o CORREIO sobre os ataques sofridos na rede social. "Vivemos num país racista, onde as pessoas definem pelo nosso fenótipo o tratamento dado e os espaços que ocuparemos. Mas, hoje, o racismo é crime e, em 2020, após tantos debates étnico-raciais, gera sensação de retrocesso. Uma mulher negra assumir seus cabelos naturais é sinal de autoestima, afirmação identitária e fortalecimento dessa mesma identidade. Por isso, mesmo tendo tanto desgaste, temos que denunciar atos racistas e buscar os órgãos necessários”, declarou.  

Sabrina apresentou como provas prints dos comentários da acusada, que direcionou os ataques também a outras pessoas que se revoltaram com a atitude dela. “Não sei se melanina tem algo a ver com inteligência e vontade de vencer”, escreveu a mulher na postagem.  O CORREIO tentou manter contato com a acusada, mas o perfil dela foi desativado.

A acusada também usou palavrões e disse "que os negros devem ter autoestima baixa. Que tudo é racismo". Escreveu ainda coisas como "Vocês negros adoram se aparecer", "Quem segrega são vocês", "O racismo está na sua cabeça. Vocês mesmos disseminam isso. Parem de mimimi". Ela ainda afirmou que o que estava fazendo era "liberdade de expressão, e que isso não é crime”. Foto: Reprodução Sabrina criticou o fato da acusada minimizar a importância do combate ao racismo. “Mimimi é aquela dor que não afeta esse outro. O racismo mata, silencia, adoece, afeta autoestima, lota presídios, gera negação da própria identidade. Racismo e a injúria racial são crimes. Existe uma linha tênue entre liberdade de expressão e o racismo, mas o artigo 5 da nossa Constituição difere do que é crime e, a depender da situação, imprescritível e inafiançável", disse.

"Na adolescência, a negação ao meu corpo negro permaneceu com a não aceitação dos meus amigos adolescentes que não eram negros. Pra ser aceita precisei alisar cabelos, mostrar minha inteligência. A minha identidade teve que ser fortalecida porque o Brasil, além do racismo, vive a pigmentocracia. No Brasil, quanto mais retinta (escura) é a sua pele, mais exclusões você sofre. Daí tantos debates raciais sobre o colorismo. As consequências são similares a do racismo”, completou ela.

Sepromi O caso está sendo apurado pelo Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, vinculado à Sepromi. A secretaria é composta por instituições do poder público e órgãos que formam o Sistema de Acesso à Justiça e oferece apoio psicológico, social e jurídico às vítimas de racismo e intolerância religiosa na Bahia. 

“Seguimos o nosso protocolo. Depois de prestarmos as primeiras orientações jurídicas, oficiamos aos órgãos de Justiça, como o Ministério Público e a Defensoria Pública. Tais órgãos compõem, junto com o Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, a Rede de Combate ao Racismo. Com isso, vamos monitorando o caso”, declarou o coordenador do Centro de Referência Nelson Mandela, o advogado Clerisvaldo Paixão. 

Sobre as provas apresentadas por Sabrina, Paixão declarou: “Percebo a presença de crime de injúria racial, na medida em que a agente do fato tem em vista pessoa certa e determinada, prevista no artigo 140 § 3° do Código Penal, mas há de se verificar a incidência do crime de racismo previsto no artigo 20 da Lei 7.716/89, quando se considera se houve ofensa ao princípio da igualdade de todos quando se atinge a coletividade de pessoas negras no caso”. 

A advogada da autora da denúncia, Zaira Castro, disse que a acusada pode responder por outros crimes. “Até o momento não sabemos da autora, porque para além do crime de racismo ela pode responder por outros delitos, já que o crime foi cibernético, se assim for considerado.  A denúncia foi registrada via centro de referência para encaminhamento ao Ministério Público, que tem autonomia para solicitar a instauração do inquérito investigatório”, pontuou.