Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Vinicius Nascimento
Publicado em 16 de dezembro de 2021 às 05:20
- Atualizado há 2 anos
Fenômeno em todo o mundo, bell hooks também inspira mulheres na Bahia. A autora, pesquisadora, poeta, escritora e professora morreu nesta quarta-feira (15) e deixou uma lacuna praticamente difícil de ser preenchida. No entanto, seu trabalho reverbera e pesquisadoras procuradas pelo CORREIO acreditam que a sua obra seguirá sendo motivo de transformação de vidas e da própria sociedade.>
Pesquisadora negra no grupo de pesquisa Lésbico Contemporâneo, Daiane Oliveira teve os primeiros contatos com hooks assistindo a entrevistas com Conceição Evaristo. Foi se aprofundar na obra da autora após ingressar na Ufba e, desde então, tornou- se de suas grandes referências: na academia, e na vida. >
Isso porque, segundo a pesquisadora, bell hooks é uma autora que consegue entender todas as vertentes de opressão. "Uso muito Bell Hooks porque ela é completa - nem gosto desse termo, mas ela consegue atingir todas as escalas de opressão. Quando a gente lê bell hooks, abrimos os olhos e pensamos 'que mundo é esse que vivemos? Não tem nada que se salve?', só que ao mesmo tempo ela dá esperança", afirmou.>
"Ela fala de amor, ancestralidade, racismo, e vai muito além. Ela questiona todas as estruturas de opressão na sociedade, desde a representação da mulher negra até a própria masculinidade. Ela é completa e complexa, além de uma escrita fantástica, leve, que nos faz transcender", disse Daiane. Daiane posa para foto segurando o livro 'Anseios: raça, gênero e políticas culturais', escrito por bell hooks (Foto: Acervo Pessoal) Também pesquisadora de raça e interseccionalidade na área de Mulheres, Gênero e Feminismo pela Ufba, Carla Akotirene lamentou muito a morte de bell hooks, a quem classifica como um rio epistemológico. Ela conheceu hooks quando iniciou o mestrado, em 2011, e, naquela época, os escritos da estadunidense estavam longe de ser um conteúdo obrigatório no Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (Neim/Ufba). "Essa inclusive era uma das reivindicações dela no livro 'Ensinando a Transgredir'. Nossa presença, os estudos feministas negros, naquele período era ínfima. Ela dizia que precisamos entrar nesses ambientes prontos para militar", afirmou.>
Um outro destaque apresentado por Carla Akotirene dentro do trabalho de bell hooks é a capacidade de enfrentamento que ela sempre teve, sempre chamando atenção para a importância do coletivo e do enfrentamento interseccional contra racismo, machismo e o capitalismo. Beyoncé foi alvo de críticas da escritora em seu texto "Mover-se além da dor", publicado como uma crítica cultural ao álbum visual Lemonade (2016)."Ela sempre foi uma água afrontosa, pedindo atenção para identidades facilmente seduzidas por aplausos, iniciando a se vender ao capitalismo esquecendo que capitalismo, racismo e patriarcado andam juntos. Ela sempre falou que a vitória só acontecerá quando for coletiva, não quando uma ou outra mulher negra, de maneira individual, consegue projeções e respeito", disse Akotirene. Carla Akotirene é pesquisadora e mais uma baiana que tem, no trabalho de bell hooks, referências para a vida (Foto: Divulgação) O trabalho de bell hooks também falava muito sobre amor. E foi esse tema que tocou em diversas feridas pessoais de Alan Costa, idealizador do coletivo Afrobapho. O primeiro texto de bell hooks que ele leu foi "Vivendo de Amor", que classifica como um grande divisor de águas em sua vida. >
"Ler esse texto me oportunizou refletir sobre como é histórico e complexo falar sobre afeto para e entre pessoas negras, principalmente pensando no processo traumático e doloroso da colonização. Ao mesmo tempo que explicava todo esse contexto histórico, bell hooks nos inundava com possibilidades e outros formatos de pensar e viver o amor, nos dando um sopro de vida, leveza e esperança, a partir do afeto", contou.>
Essas novas perspectivas de pensar o amor e o afeto deram gás para construir o Afrobapho, um coletivo de arte e cultura LGBTQIA+ que hoje tem projeções nacionais. Além disso, Alan se permitiu vivenciar algo que não imaginava que poderia quando limitava sua visão de afeto somente ao amor romântico. Por isso, é eternamente grato a bell hooks. Texto de bell hooks abriu portas para Alan enxergar novas maneiras de afeto e amor (Foto: Everton Carvalho) No campo das artes, um caso recente é o álbum visual da cantora Luedji Luna, batizado de "Bom Mesmo é estar debaixo d'água". Ali, Luedji contou que leu bell hooks dizendo que o amor cura. E levou a perspectiva de cura para seu trabalho. Na faixa Ain’t I a Woman, em que Luedji canta “Eu sou a preta que tu come e não assume (…), por acaso, eu não sou uma mulher ?”, que é uma referência ao livro da teórica feminista bell hooks “E eu não sou uma mulher?”, onde a escritora discorre sobre a mulher negra e questões socioculturais.>
Divindade intelectual e epistemológica, como classifica Carla Akotirene, bell hooks morreu em sua casa, rodeada de amigos e familiares que tiveram a oportunidade de lhe dar um adeus. Mais uma, dentre as várias provas, de que bell hooks também é sinônimo de amor. >